terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Será que deixaram de os ouvir?


A passagem da época natalícia está cumprida.

O país gastou o que tem e o que não tem numa aparente indiferença a todos os alertas para os tempos difíceis de 2011.

Para bem e para o mal, é cada vez mais evidente que os portugueses deixaram de ouvir governantes, políticos e afins.

Em boa verdade, há muito tempo que já os tinham deixado de escutar, mas agora nem sequer lhes dedicam o suficiente benefício da dúvida.

Será que os portugueses ensandeceram?

Claro que não.

A atitude de novos e velhos está ao nível do discurso oficial da governação e da falta de credibilidade das instituições de regulação e controlo.

É possível ter outra disposição quando o governo aumenta brutalmente a carga fiscal e ao mesmo tempo insiste em projectos faraónicos?

Há outra forma de agir quando o governo desbarata milhões em cimeiras, consultadorias e cerimónias de propaganda enquanto os magistrados têm de poupar nas fotocópias?

Será que esta indiferença em relação ao futuro sombrio mais não é do que a reacção aos sucessivos anúncios governamentais de pazadas de dinheiro do Estado para o BPN, cuja actividade criminosa resultou de anos de falta de efectiva e consequente supervisão do Banco de Portugal e de atenção do Ministério Público?

No limiar de um novo ano, em que o horizonte é repartido entre mais sacrifícios e o mais que provável regresso do FMI, o povo português parece já não ter medo do abismo, aproveitando para viver da melhor forma possível um dia de cada vez.

Nesta espécie de gestão colectiva suave do caos, em que o alheamento é reconfirmado pelas audiências medíocres dos debates entre candidatos presidenciais, até a elite dá sinais de rendição.

Entretanto, passo a passo, medida a medida, declaração a declaração, designadamente a última mensagem de Natal, José Sócrates passa a imagem de perfeita adaptação aos novos tempos, beneficiando da apatia quase generalizada.

Será que José Sócrates vai nascer duas vezes?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Maioria ou exigência?


Alguns comentadores, entre os quais destaco António Barreto, consideram que o futuro do país depende de uma simples alteração legislativa para facilitar a formação de maiorias políticas.

É extraordinário que alguém tão credível e atento defenda esta tese depois da experiência das duas últimas maiorias absolutas ― Aníbal Cavaco Silva e José Sócrates.

O cerne da questão é outro, como é facilmente sustentável pela actualidade.

Atestada a cumplicidade das autoridades portuguesas na transferência de sequestrados, através do território nacional, tudo continua na mesma, sem um único sobressalto institucional, político e cívico, nem mesmo de António Barreto.

Aníbal Cavaco Silva, em plena campanha para as eleições presidenciais ironiza e faz-de-conta que não é nada com ele, contando com a «comunicação social suave».

Os restantes candidatos, entre os quais Manuel Alegre, remetem-se a um silêncio vergonhoso sobre a polémica. Aliás, o candidato do PS e do BE optou por invectivar o passado longínquo do principal rival em vez de exigir explicações sobre os últimos cinco anos.

O Ministério Público, que foi obrigado a abrir um inquérito, em 2007, encerrando-o de uma forma desgraçada, em 2009, limitou-se a comunicar que está a analisar as revelações, quiçá garantindo a continuação do sossego de quem permitiu, colaborou e favoreceu a ignomínia, promovendo até a mentira na Assembleia da República e na praça pública.

Será possível continuar a sustentar a impunidade por muito mais tempo? Uma nova maioria absoluta resolveria a questão de fundo?

A resposta é simples: Não.

Em Portugal, tudo continua a ser possível quando o Estado está na berlinda.

Mais do que a criminosa violação dos direitos humanos e a gritante opacidade da governação, a passagem pelos aeroportos portugueses (incluindo a Base das Lages) de prisioneiros, que foram sequestrados e torturados por vários serviços de informações e afins, revela mais a apatia da elite do que um qualquer estrangulamento institucional.

Não é por acaso que a actualidade continua a estar marcada pelo falhanço das instituições de controlo e regulação: "voos da tortura" e "BPN", entre muitos outros.

O futuro de Portugal depende cada vez mais da despartidarização da Administração e, sobretudo, de uma cultura exigente de transparência e responsabilização dos titulares dos órgãos de controlo, regulação e das autoridades judiciárias.

O resto é conversa fiada, defesa do tacho ou ambição dos muito pequeninos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

WikiLeaks: a nova alternativa?



O poder age sempre da mesma forma quando é confrontado com o escrutínio das suas decisões.

Seja de direita ou de esquerda, o poder não perdoa a quem descobre a política de mentira, os negócios da corrupção e os crimes praticados em nome do Estado.

Julian Assange é a prova viva que existe uma nova espécie de nomenclatura escudada numa legalidade de geometria variável para poder estar a cima da Lei.

E que não haja confusão: esperemos que a perseguição política global movida contra o fundador da WikiLeaks, que já deu origem a apelos públicos à sua eliminação física, não esteja na origem de outras alegações que levaram à sua detenção no Reino Unido.

O australiano pode ter passado a persona non grata, mas a divulgação de informação relevante, que colocou a nu a decomposição do Estado, já lhe conferiu um lugar na História.

A divulgação de documentos secretos justifica o debate, mas não invalida o escrutínio da governação criminosa marcada pela opacidade.

O vector da civilização está inquestionavelmente do lado da WikiLeaks, com ou sem Assange, e não é passível de confusão com qualquer interesse alinhado ou preceito moralista.

Após o falhanço do colectivismo e do neoliberalismo, é preciso regressar ao princípio da defesa dos direitos do indivíduo, aos fundamentos originais do liberalismo, de forma a combater um Estado tentacular, corrupto e paternalista.

Não é novidade que as sociedades modernas estão cada vez mais reféns de quem lhes garante o consumismo galopante, mesmo que seja à custa da verdade e da dignidade pessoal e profissional.

Também não é novidade que o esbatimento das fronteiras ideológicas mais não reflecte que a consolidação de um cimento universal: o dinheiro.

O que verdadeiramente começa a ser impressionante é a confirmação da diluição dos «freios e contra pesos», o fim da divisão dos poderes e a impotência das instituições de controlo para denunciar e limitar o arbítrio do poder e do Estado.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Até onde chega a mentira?




A revelação de um único telegrama oficial da embaixada dos Estados Unidos da América, em Lisboa, bastou para reconfirmar a política de mentira do governo português sobre os "voos da vergonha".

Esta prática já não espanta ninguém, nem desculpabiliza a inércia de uma parte da comunicação social portuguesa, sem alma, cada vez mais cercada pelos interesses políticos, económicos e paroquiais.

Aliás, não é por acaso que a comunicação social portuguesa nem cheirou a documentação secreta, a exemplo do que aconteceu com a revista "Der Spiegel" e os jornais "El País", Le Monde, "New York Times" e "The Guardian".

Apesar da perseguição a Julian Assange e do bloqueio à WikiLeaks, a procissão ainda vai no adro.

Falta descobrir muita coisa sobre a verdadeira face das democracias ocidentais. E mais. Ainda falta revelar qual foi o nível de envolvimento, desde 2002, dos presidentes da República, Governos e responsáveis da Administração e das Autonomias, bem como dos serviços de informações da República e demais instituições militares e de segurança portuguesas na maior operação negra dos serviços secretos norte-americanos.

Em fase de pré-campanha para a próxima eleição presidencial, é preciso saber se Aníbal Cavaco Silva pediu informação e/ou foi informado da autorização para a passagem por território português de prisioneiros torturados e encarcerados.

Por muito que custe aos pretensos e candidatos a estadistas (os políticos e os outros), não é possível tolerar governantes que afirmam uma coisa em público e decidem outra nos corredores do poder.

A crise portuguesa é muito mais do que financeira e económica. É também uma crise de responsabilidade, de transparência e de regular funcionamento das instituições.

Basta atentar no manto de silêncio que alguns, internamente, julgaram suficiente para abafar a ignomínia, bem como na desgraçada actuação do Ministério Público, que arquivou o inquérito, aberto em 2007, sem investigar até às últimas consequências a cumplicidade do Estado português no transporte de sequestrados que estiveram presos ilegalmente em Guantánamo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

E depois da greve geral



Um dia depois da maior greve geral de sempre, as ruas regressaram à normalidade, a fervilhar de actividade e vida.

Hoje, o retorno ao bulício não aborrece tanto, faz-nos pensar, sobretudo como tem sido incomodativo o estrépito provocado pelo silêncio dos que continuam a calar-se, daqueles que já morreram muitas vezes antes de morrer.

A dimensão do protesto teve a bondade de mostrar que há um país real que não está vencido, que assume a indignação acumulada.

Os poderosos, com mais ou menos colarinho branco, que têm condenado o futuro do país, tiveram a prova de que algo está a mudar em Portugal, ao ponto de dar origem a uma unidade sindical que muitos julgavam impensável nos tempos que correm.

Afinal, o país não está rendido à liderança dos iluminados do momento, dos carreiristas de sempre e dos serviçais partidários comprados com mais ou menos mordomias.

No regresso ao dia-a-dia do trabalho, o renovado sorriso estampado nas caras dos portugueses prova o sucesso do envio de uma mensagem cristalina aos pretensos estadistas vergados ao interesse nacional: existe um país real apostado na mudança.

Como refere José Medeiros Ferreira, no Cortex Frontal, «o que mais me impressionou neste dia de greve geral foi a tranquilidade com que tudo se passou, inclusive a forte adesão. Há muita gente que não quer perceber o que isso significa em termos de maturidade política do país».

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Armando Vara: caso isolado ou ponta do iceberg?



A revelação da transcrição de escutas, realizadas no âmbito de processuais judiciais, deve ser feita com a maior parcimónia.

Porém, a questão de princípio não impede o uso da informação como background.

Cabe a qualquer cidadão, ou jornalista, fazer a avaliação do que é a excepção em cada momento.

Esta reflexão surge na sequência da divulgação de escutas envolvendo Armando Vara, entre outros arguidos do processo "Face Oculta", cuja leitura não surpreende.

Muito mais importante do que transcrever uma ou outra escuta é ter uma visão global do que Vara representa, aparentemente, no funcionamento do regime.

Só assim é possível chegar ao pântano em que está transformado o fim do consulado de José Sócrates.

De recordar que, no dia a seguir às eleições de Fevereiro de 2005, qualquer um apostaria que Armando Vara viria a ser um dos membros mais influentes do XVII governo constitucional.

Enganaram-se os que então julgaram que o ex-ministro de António Guterres, envolvido no escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança, que levou à sua demissão, voltaria às lides governamentais.

O caminho destinado a Armando Vara, como de tantos outros, foi diferente. De um momento para o outro, passou a administrador da Caixa Geral de Depósitos e depois a administrador do "novo" BCP.

Afinal, o verdadeiro poder não está exclusivamente confinado à governação, como demonstra, aliás, o acesso inexplicável que Vara teve a cartas confidenciais que deram entrada no gabinete do primeiro-ministro, entre outros documentos.

Desde então, e sempre com estrondo, o socialista tem sido notícia pelo seu envolvimento em casos, cujo denominador comum político é o primeiro-ministro.

No caso "Face Oculta", e apesar de todas as tentativas de branqueamento, oficiais ou oficiosas, Armando Vara surgiu em toda a sua refulgência, mais sucata menos sucata, representando o papel de uma espécie de pivot do regime.

Não basta transcrever escutas.

Mais importante do que transcrever as escutas que envolvem Armando Vara é ter a capacidade de as descodificar, revelando o que está na origem do descalabro do país, quiçá responder a uma pergunta de inegável interesse público: Armando Vara é um caso isolado ou representa apenas a ponta do iceberg?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O senhor do adeus

Por diversas vezes, cruzei-me com o aceno e o sorriso do desconhecido que enchia a praça do Saldanha, retribuindo o inusitado cumprimento, sempre demasiado apressado.

O momento não tinha especial significado, mas era um bom flash para o stress e para nos recordar a ignara indiferença entre as pessoas da grande cidade.

Todos conheciam aquele vulto, envolto na penumbra do fim do dia ou da noite adiantada, mas poucos poderiam antecipar uma despedida tão sentida na hora do seu desaparecimento.

Poucos deveriam saber que o senhor do adeus era um excêntrico, senhor de uma vida desafogada, capaz de uma militância tão singela e desinteressada, paredes meias com uma das catedrais do consumismo.

A sua morte é um marco na cidade, mas também é uma espécie de prenúncio do fim de uma era, em que os portugueses iludidos com o discurso da facilidade e da modernidade davam-se ao luxo de ignorar, quiçá troçar dos valores mais elementares da convivência em sociedade.

Chamava-se José Serra.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

À beira do precipício

Os mercados continuam a fazer subir o custo que temos de pagar por cada euro que pedimos emprestado, apesar do Orçamento de Estado para 2011 estar aprovado.

Obviamente, a situação portuguesa é de tal forma calamitosa que não bastou forçar a aprovação de um orçamento em que ninguém acredita.

O problema é outro.

A falta de credibilidade do primeiro-ministro está custar ao país milhões e milhões de euros por dia.

Depois de batido o máximo histórico, a fasquia da taxa de juro das obrigações a 10 anos já atingiu os 6,554%.

Hoje, a cada declaração governamental, insistindo em negar a evidência, os mercados respondem com uma nova subida.

Como se não bastasse a situação ruinosa, estamos à beira de uma nova crise.

De acordo com Fernando Teixeira dos Santos, se a taxa de juro atingisse os 7% então Portugal teria o FMI a bater à porta.

A acreditar nas palavras do ministro das Finanças, em entrevista a Judite Sousa, na RTP, no passado dia 21 de Outubro, basta apenas um aumento de um pouco mais de 5% em relação à taxa actual para ter de começar a estender a passadeira vermelha aos velhos conhecidos do PS.

Não obstante a gravidade do cenário, José Sócrates e afins insistem em afirmar que Portugal não precisa de ajuda externa.

A declaração por si só não tem importância, pois os portugueses já estão habituados a estas fanfarronices.

O mais grave é que o desentendimento público entre José Sócrates e Fernando Teixeira dos Santos pode ser o prenúncio de uma remodelação governamental imposta pelos mercados.

Quanto tempo ainda será preciso para o primeiro-ministro perceber que os portugueses estão a pagar, dia-a-dia, o preço de uma governação incompetente, irresponsável e aventureira?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Valeu a pena?



Os desenvolvimentos das negociações para a aprovação do Orçamento de Estado são uma prova inequívoca que Pedro Passos Coelho está preparado para liderar o país.

Sob a pressão de adversários, da influente corte do costume e até de companheiros, o líder do PSD assumiu uma atitude coerente e firme:

1) Deu a mão ao governo quando se esperava o contrário;
2) Alertou para o impasse orçamental ainda antes do presidente da República ficar com os seus poderes limitados;
3) Resistiu a todo o tipo de chantagens, recusando a irresponsabilidade de aprovar o orçamento sem o avaliar;
4) Cedeu para poder negociar quando todos esperavam uma decisão precipitada;
5) Designou o cavaquista Eduardo Catroga, para chefiar a delegação do PSD, quando era esperado um nome da sua confiança pessoal e política;
6) Conseguiu demonstrar a má-fé negocial da parte do governo;
7) Obrigou o governo a assumir, publicamente, a dimensão dos números da derrapagem orçamental que andou a esconder dos portugueses.

Ainda antes de conhecer o epílogo da maior crise política e financeira dos últimos anos, cuja responsabilidade deve ser assacada, em primeiro lugar, a quem governa, chegou o momento de recordar o que se passou anteriormente, e de colocar uma singela pergunta:

Quanto custou ao país a viabilização dos últimos orçamentos de ficção (incluindo os rectificativos) que marcaram o início do descalabro em que nos encontramos?

A política tem de ser olhada com memória.

Seria possível recuar mais, ainda mais, para encontrar a mesma irresponsabilidade de governos e oposições que não cumpriram os respectivos papéis institucionais.

Em termos teóricos e intelectuais, essa avaliação do passado distante também merece a maior atenção.

Hoje, o que está em cima da mesa, é claro: de um lado, o resultado de uma governação aventureira; do outro, a atitude de Pedro Passos Coelho que colocou um ponto final na ficção que iludiu os portugueses.

sábado, 16 de outubro de 2010

O jogo da corte do costume



A proposta do Orçamento de Estado para 2011 está na Assembleia da República.

Com as cartas em cima da mesa, importa tentar perceber o que mudou em relação a anos anteriores.

A única mudança resulta apenas da actual situação ser ainda mais catastrófica, consequência de uma governação aventureira, incompetente e arrogante.

Tudo o resto não passa do habitual cartear do poder instalado habituado a ganhar a mão por força de todo o tipo de truques, como a entrega do orçamento incompleto, em que o trunfo tem a cor da chantagem.

Então, afinal, nada mudou?

Curiosamente, a principal mudança reside no facto dos principais inimigos de José Sócrates terem passado a ser os seus principais aliados na actual circunstância.

Vira-casacas?

Não. A mudança é explicada pelos ódios pessoais e pela convicção de que não se pode permitir ao primeiro-ministro alijar responsabilidades.

E o país, sim, será que se preocupam com o futuro do país?

Claro que sim, mas em segundo plano.

Para a corte do costume, mesmo para aquela parte que está momentaneamente arredada do poder, a prioridade é fritar José Sócrates, em lume brando, custe o que custar aos portugueses.

Nesta mesa de jogo, em que vale tudo, da mentira à ficção, do bluff à defesa de inconfessáveis interesses mesquinhos, José Sócrates tem razões para sorrir e para se sentir como peixe na água.

Não é por acaso que todo o debate sobre a aprovação do orçamento ficou balizado pela responsabilidade da oposição, quando a responsabilidade é do governo.

Também não é por acaso que o debate sobre a disponibilidade para a negociação passou a estar centrado no principal partido da oposição, quando é ao governo que cabe apresentar uma proposta capaz de gerar o consenso.

Neste jogo de sombras e interesses, em que falar de responsabilidade é obsceno, não há players inocentes.

sábado, 9 de outubro de 2010

Nova oportunidade

É cada vez mais previsível que a nova liderança do PSD não vai viabilizar o Orçamento de Estado para 2011 que José Sócrates julgou ter no bolso do casaco.

Apesar de uma campanha extraordinária, que tem reunido as vozes da corte do costume, quiçá os principais responsáveis pela situação a que o país chegou, Pedro Passos Coelho está a revelar um estofo de Estado ímpar.

O mais importante é evitar a repetição dos erros das últimas lideranças do PSD, que viabilizaram orçamentos delirantes, despesistas e irresponsáveis ao mínimo sinal de ameaça e chantagem.

Não vale a pena derramar lágrimas de crocodilo, nem fazer apelos patéticos à responsabilidade, sobretudo quando a actual situação é devida à total irresponsabilidade de quem nos tem governado.

E a pergunta sacramental é simples:
Vale a pena ter um Orçamento a todo o custo, mesmo que mau?

A resposta é óbvia: Não.

Claro que não. Os mercados estão com os holofotes em cima de nós. E a tradicional cosmética já não é suficiente.

É preciso dizer aos portugueses, mesmo que não o queiram ouvir (e quem quer?), que acabou o tempo em que bastava anunciar cortes e simular uma série de reformas no papel para enganar o pagode, interna e externamente.

Aliás, com ou sem orçamento aprovado, é cada vez mais provável que Portugal vai ter que recorrer à ajuda da União Europeia e à entrada do FMI com direito a passadeira rosa.

Eis a oportunidade para arrumar a casa, para acabar com as lideranças aventureiras e irresponsáveis,.

José Sócrates passou a ser uma irrelevância na solução que vai permitir ultrapassar a actual situação crítica em que mergulhou o país.

domingo, 3 de outubro de 2010

O preço da irresponsabilidade



A ruptura entre o PS e o PSD, para a viabilização do Orçamento de Estado para 2011, não pode iludir a questão fundamental: como chegámos à actual situação?

Estamos numa situação gravíssima porque temos um primeiro-ministro irresponsável que recusou a realidade durante demasiado tempo.

E como foi possível a um governo minoritário atirar o país para o abismo da banca rota?

O responsável tem um nome: Aníbal Cavaco Silva.

As sucessivas promulgações presidenciais dos delírios aventureiros de José Sócrates foram determinantes para agudizar a crise em que mergulhámos desde 2008.

O presidente da República lavou as mãos, com mais ou menos justificação pia, quando foi chamado a intervir, apostando no tradicional desenrascanço à portuguesa.

De facto, só a acção de Pedro Passos Coelho, que introduziu atempadamente uma posição responsável, frontal e transparente, colocou um travão à irresponsabilidade governamental que contou sempre com o ámen presidencial.

Os desenvolvimentos da actual crise passaram a ser imprevisíveis depois de José Sócrates ter escolhido Nova Iorque para ameaçar com a demissão se o orçamento não for aprovado.

Este gesto não surpreendeu, vindo de quem vem, sobretudo num momento em que já todos perceberam que o primeiro-ministro tudo fará para sacudir a responsabilidade do desastre para terceiros.

A "bomba atómica" constitucional que o presidente da República não foi capaz de usar, deixando arrastar uma situação de impasse evidente, estás prestes a rebentar nas suas mãos.

É o preço a pagar pela transigência com a mentira, em nome do calculismo eleitoral e de uma falsa estabilidade,

domingo, 12 de setembro de 2010

O país do fingimento



O adiamento das decisões e das escolhas claras e frontais tem sido uma das maiores chagas do país.

Do mais alto nível do Estado até ao cidadão anónimo, este atavismo crónico tem condenado o país à mediocridade.

O presidente da República finge que tudo está bem para garantir uma reeleição tranquila.

O primeiro-ministro finge que vivemos num país desenvolvido para assegurar o poder a todo o custo.

Manuel Alegre finge que o Estado Social depende da eleição do próximo presidente.

Os portugueses fingem que não percebem o que se está a passar para não terem que enfrentar a realidade.

De fingimento em fingimento, nem a Justiça escapa à condenação de ter de simular uma credibilidade perdida há muito tempo.

Apesar dos resultados da governação socialista, cuja manutenção só tem sido possível pelo mandato presidencial calculista de Aníbal Cavaco Silva, a verdade é que uma grande parte dos portugueses continua a revelar uma total identificação com ambos.

Não é por acaso, seguramente, que a crise política anunciada, que é apenas a consequência do estado de pré-falência em que estamos mergulhados, seja adiada para mais tarde, sempre para mais tarde.

Aliás, basta atentar ao que está a acontecer a Pedro Passos Coelho por tentar introduzir responsabilidade, transparência e frontalidade no debate político.

Não será difícil a Cavaco e a Sócrates fingirem que o dia 9 de Setembro nunca existiu.

Também não será difícil à maioria dos portugueses fingirem que o próximo orçamento será o instrumento ajustado para ultrapassar a crise.

O país do faz-de-conta não foi inventado por Cavaco e Sócrates, mas assenta-lhes que nem uma luva. Porventura, a única diferença que os distingue é que o primeiro tenta disfarçar e o segundo nem se dá a esse trabalho.

O maior constrangimento ao desenvolvimento de Portugal não é o caos no défice, na Justiça, na Educação e na Saúde, mas o fingimento que atravessa transversalmente o poder e a sociedade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A subversão do regime

A mais recente crise política, provocada pelo endurecimento das declarações do governo e dos partidos da oposição, a propósito da aprovação do Orçamento de Estado para 2011, merece um esclarecimento e uma palavra de confiança da parte do presidente da República.

A questão é simples: o funcionamento regular das instituições está suspenso em períodos de crise económica e financeira?

A relevância do esclarecimento assume uma proporção cada vez maior à medida que é colocada a hipótese da dissolução da Assembleia da República, até 9 de Setembro, como forma de ultrapassar o eventual impasse na aprovação do próximo Orçamento.

De facto, urge clarificar até que ponto o governo, sustentado por uma maioria relativa, pode pretender obrigar as oposições a ceder a todo o tipo de devaneios e chantagens, em nome da crise e da credibilidade externa do país.

De igual modo, também é necessário que o presidente da República esclareça se os seus poderes constitucionais estão diminuídos em período de pré-campanha eleitoral para sua reeleição.

De facto, não é compreensível que Aníbal Cavaco Silva assista, em silêncio, a declarações inflamadas que traduzem o esvaziamento dos poderes presidenciais pelo facto de o país estar mergulhado numa crise sem precedentes.

O presidente da República jurou a Constituição. E não pode ficar mudo quando é feita tábua rasa, publicamente, dos seus poderes constitucionais.

Independentemente da avaliação sobre se é melhor ou pior um governo desnorteado em funções ou um governo em gestão, importa dar uma palavra de confiança aos portugueses em como a subversão do funcionamento das instituições não passará.

Nem antes, nem depois das próximas eleições presidenciais, nem tão pouco em nome de um qualquer caos anunciado no caso de serem convocadas eleições antecipadas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Justiça: As forças cada vez mais visíveis

A actual crise na Justiça é tão profunda que a polémica sobre os poderes de Fernando Pinto Monteiro está a abafar o debate sobre os mistérios da investigação do processo Freeport, entre muitos outros casos mais ou menos mediáticos.

De um momento para o outro, a crise na Justiça já não é devida à profusão de legislação, à falta de meios e à interferência escandalosa do poder político, entre outros, na esfera judicial.

Subitamente, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses surgem como os algozes da Justiça.

E, para pasmo geral, até são os próprios socialistas a criticar a Justiça de um país que governam há mais cinco anos ininterruptamente.

Como em todas as polémicas, mais ou menos artificiais, felizmente as opiniões dividem-se, mas importa impedir que os detentores do poder sacudam a água do capote criando bodes expiatórios de circunstância.

Independentemente de todos os riscos de corporativismo exacerbado, que devem ser contidos, a acção de João Palma, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, e de António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tem contribuído para que os problemas da Justiça não continuem abafados nos corredores do poder político e judicial

Por diversas vezes, e com toda a propriedade, os dois magistrados têm assumido posições públicas que nos permitem, hoje, dizer com mais certeza que o rei vai nu.

A protecção dos seus pares, a exigência de transparência e a denúncia do que está mal no sistema judicial é um imperativo para qualquer responsável digno da aplicação da Justiça.

Mais importante do que qualquer reforma judicial, é saber o que aconteceu à investigação do Freeport durante anos a fio, sem o mais leve sinal de perturbação da parte do poder político e judicial.

Mais importante do que alterar o estatuto do Ministério Público, é a garantia de transparência e de cumprimento da legalidade no funcionamento da Procuradoria-geral da República.

Mais importante do que qualquer reforço de poderes do procurador-geral da República, a reboque da situação insustentável a que chegámos, é garantir que nunca será possível sacrificar a autonomia dos titulares da investigação criminal em nome do topo de uma hierarquia aparentemente vulnerável a forças cada vez mais visíveis.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Freeport: as areias movediças

O mais recente episódio do caso Freeport é a confirmação da validade de toda a investigação feita por alguns dos principais meios de comunicação social, em que é justo destacar o diário "Público", os semanários "O Independente" e "Sol" e a estação de televisão "TVI".

Apesar das tentativas de intoxicação da opinião pública, levada a cabo por uns e por outros, há um facto indesmentível: os investigadores não puderam (ou não quiseram) descobrir o rasto do dinheiro.

A última comunicação ao país do primeiro-ministro seguiu o padrão de actuação de José Sócrates em situações de crise: reagir preventivamente para desviar as atenções da questão fulcral.

É extraordinário que o primeiro-ministro tenha manifestado alívio e contentamento com os termos da decisão de arquivamento que vieram a público.

Aliás, que fique claro que um arquivamento forçado é muito diferente de um arquivamento por falta de provas.

Quem espera Justiça, não pode ficar satisfeito com uma decisão que relança todas as dúvidas sobre o que se terá passado em relação ao licenciamento do Freeport.

O despacho de arquivamento do Ministério Público equivale à condenação mais vil de José Sócrates.

As questões que ficaram por responder correspondem a uma inevitável sentença em termos políticos, sem direito a defesa nem recurso.

O caso Freeport é muito mais do que saber se o país é governado por corruptos. É a prova que Portugal está a transformar-se em ilhas de segredos rodeadas por areias movediças.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Começar pelo princípio

A proposta de revisão constitucional do PSD é um sinal positivo da liderança de Pedro Passos Coelho.

A revisão do texto constitucional é um dos passos mais importantes para restaurar a credibilidade do regime.

A consagração de um rol de boas intenções não é suficiente, quando na prática tudo é muito mais injusto.

Embora ainda falte conhecer os pontos principais da proposta de revisão constitucional do PSD, a iniciativa de alteração dos poderes presidenciais é um excelente ponto de partida.

Pedro Passos Coelho revela consistência quando começa pelo princípio, identificando os estrangulamentos na origem, com abertura de espírito e sem pressas.

A actual situação política é a prova que é preciso fazer alguma coisa para evitar que o país fique nas mãos de quem tem apenas um entendimento formal da Democracia.

Face a um poder que ganhou as eleições à custa do ilusionismo, é necessário encontrar uma forma de desbloquear a situação sem que o presidente da República tenha de usar a bomba atómica constituicional – a dissolução da Assembleia da República.

Ao contrapor o prolongamento do mandato presidencial e da legislatura à flexibilização dos mecanismos para a criação de maiorias alternativas no quadro parlamentar, Pedro Passos Coelho aponta um caminho de maior exigência, rigor e seriedade.

Obviamente, quem entende as eleições como um cheque em branco para quatro anos (Governo) ou cinco anos (Presidente da República) não pode estar de acordo.

A experiência dos últimos anos dá razão ao legislador da constituinte, que revelou a prudência de atribuir ao presidente da República os poderes para evitar que o país caísse no pântano.

Hoje, mais do que nunca, é preciso regressar às origens da Constituição, mudando o que o tempo e a verdade exigem que seja mudado, de forma a garantir que Portugal não está condenado a cair nas teias da mais abjecta forma de oportunismo político.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A queda dos anjos

Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os dois principais responsáveis da equipa que administra a Portugal Telecom (PT).

Os cerca de 7 milhões de euros que o dream team recebeu, em 2009, entre salários e prémios, são reveladores do reconhecimento e estatuto ímpar que ambos alcançaram.

De um momento para outro, ambos apareceram envolvidos em casos polémicos: o assalto de José Sócrates à TVI e a proposta hostil da Telefónica para comprar a brasileira Vivo.

Sobre a compra da participação na estação de televisão já tudo foi dito, sendo que ambos conseguiram manter uma atitude angelical até ao fim desta espécie de reinvenção do milagre das rosas.

No segundo caso, e apesar de todos os apelos patrioteiros, a maioria dos accionistas da PT votaram pela venda dos 50% da Vivo à Telefónica, ignorando as recomendações dos dois gestores de topo.

Henrique Granadeiro e Zeinal Bava conseguiram agarrar-se às respectivas cadeiras celestiais, tendo assegurado a manutenção dos cargos por força de terem surgido sempre ao lado das posições de José Sócrates.

Esta atitude de identificação, quiçá subserviência, até pode ser explicada pelo estatuto especial do accionista Estado, que detém as 500 acções douradas da PT, mas lança um manto de dúvidas sobre a real defesa dos interesses dos accionistas, dos grandes e dos pequenos verdadeiros accionistas.

Desde a falhada OPA de Belmiro de Azevedo, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava só continuaram na liderança da PT por terem seguido sempre o brilho rosa, o que diz tudo sobre o funcionamento e a gestão das grandes empresas em Portugal.

À medida que chega a hora da alternância no poder político, ninguém estranhará que o futuro da PT não passe por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Não há crimes políticos perfeitos

Pacheco Pereira prestou um serviço inestimável à Democracia.

Pelo menos um deputado da comissão parlamentar de inquérito ao negócio da TVI teve a coragem política de levar por diante o mandato que lhe foi conferido pelo presidente da Assembleia da República.

Usando legitimamente de todos os elementos que lhe foram colocados para análise, Pacheco Pereira fez o trabalho de casa e apresentou as conclusões:

«Sim, houve participação governamental (em particular com origem no primeiro-ministro e executada por quadros do PS colocados em posições cimeiras em empresas em que o Estado tem qualquer forma de participação directa ou indirecta) numa tentativa de, em ano eleitoral, controlar vários órgãos de comunicação social, nomeadamente a TVI»;

«Sim, o primeiro-ministro sabia, foi informado pessoalmente do que se passava e, por via indirecta, conhecemos indicações suas sobre o modo como os executantes deviam proceder. E, por isso, mentiu ao Parlamento. Ele não queria ter a fama (de controlar a comunicação social), sem ter o proveito (de a controlar de facto) e procedeu e permitiu que procedessem em consequência, conforme as suas intenções publicamente anunciadas no congresso do PS».

Pacheco Pereira fez um enorme favor à Assembleia da República.

Ao fazer uma declaração de voto limpa e inequívoca, o deputado do PSD salvou a face de uma comissão povoada por deputados obedientes aos directórios partidários mais interessados no cálculo político do que numa Democracia transparente e consequente.

De igual modo, desmentiu todos os cépticos em relação à utilidade das comissões parlamentares de inquérito.

Por último, Pacheco Pereira fez um enorme favor ao partido social-democrata.

Com uma nova liderança, a navegar à vista e em busca da credibilidade, a atitude do deputado social-democrata permite acalentar uma réstia de esperança no futuro do partido.

Com a espécie de relatório final da comissão, a verdade é que partir de agora qualquer primeiro-ministro de Portugal passou a ter condições para colocar-se acima da lei, por esta ou aquela oportuna e circunstancial razão de Estado.

Contudo, graças a Pacheco Pereira, e ainda que in extremis, ficámos a saber que não há crimes políticos perfeitos em Democracia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal no imenso lodaçal



O alerta constante para os perigos decorrentes da crise económica e financeira – uma espécie de dramatização do presente para garantir a desresponsabilização do passado – tem tentado disfarçar o actual estado de imenso lodaçal.

Mais grave do que o espectro da banca rota, uma espécie de estado de letargia está a determinar uma caminhada a passos largos para o desastre colectivo.

Hoje, os portugueses celebram mais um dia especial, varrendo a evidência para debaixo do tapete na ilusão de estar a salvaguardar o futuro.

A liderança de um chefe de governo que perdeu a credibilidade, e que é tratado como um vulgar meliante na praça pública, provocou uma situação de impasse institucional inimaginável.

As políticas governamentais determinadas por uma navegação à vista, ou melhor, por eleições à vista, atingiram um tal nível de impunidade que começamos a descobrir a dimensão do brilho de algumas das novas pérolas do regime, nomeadamente o processo de financiamento do computador Magalhães e a consagração da retroactividade no aumento dos impostos.

Sempre em nome da salvação de Portugal.

Como se fosse possível disfarçar o imenso lodaçal, em que a corrupção foi transformada numa espécie de regra larvar do normal funcionamento das instituições da República.

Sem saída à vista, restam poucas razões para comemorar o dia de Portugal.

Ainda assim, os portugueses continuam a demonstrar uma dedicação ímpar. Até mesmo aqueles que foram obrigados a emigrar, para escapar à miséria, continuam a cantar a "Portuguesa".

Neste quadro de imenso lodaçal, em que a liberdade é cada vez mais uma palavra vã, só falta mesmo a consagração do crime político perfeito para matar a esperança.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Protesto oco ou fúria anticlerical?

A visita de Bento XVI é um acontecimento que deve ser observado com sentido de tolerância.

Os católicos e os crentes rejubilam com a deslocação da autoridade máxima da sua Fé.

Políticos e governantes aprumam-se para ficar na fotografia.

A cobertura mediática tem a mesma lógica do que qualquer outra visita de Estado ou acontecimento desportivo global.

Entre o folclore de Estado e as notícias sobre a realidade nua e crua, já se sabe quem fica sempre a ganhar.

Até aqui, não há novidade nenhuma.

Obviamente, nem o protocolo de Estado pode surpreender.

O argumento da laicidade do Estado, assente no formalismo constitucionalista, mais não serve do que tentar esconder um anticlericalismo purulento.

Aliás, é um argumento intelectualmente medíocre.

Os que invocam a Constituição, agora, esquecem-se dela em relação a outros direitos constitucionais consagrados, como o emprego, a educação, a justiça, a saúde, a liberdade de informação, etc...

Basta de cinismos em relação à Constituição.

A sua cotação actual é mais baixa de sempre.

Fazer de conta que ela existe, quando convém para defender isto ou aquilo, não impede que se tenha transformado no espelho da falência do regime.

Começa a ser tempo de uma revisão que acabe com a farsa constitucional, que acalenta oportunismos de esquerda e de direita.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Não há crimes perfeitos



A reunião entre José Sócrates e o novo líder do maior partido da oposição, Pedro Passos Coelho, durante mais de três horas, contribuiu para reforçar a suavização do discurso político.

O país voltou ao ram-ram habitual, depois do longo ciclo eleitoral.

O presidente da República prepara a reeleição, a Assembleia da República cumpre o ritual parlamentar, o governo está em funções, os restantes poderes instituídos mantêm a rotina do dia-a-dia e os cidadãos trabalham e tentam sobreviver à crise.

Se a calma está reinstalada, por que será que o ambiente continua pesado?

A resposta é a mesma de sempre: A consciência colectiva do adiamento da resolução dos problemas.

Nas finanças públicas, o espectro da falência é uma realidade, mas a prioridade continua a ser falácia.

Na economia, a retoma só é possível com mais empréstimos do exterior, mas o país já está endividado até ao limite.

Na política, o ritual institucional já não consegue esconder o abandalhamento da ética republicana e da responsabilidade política.

Na Justiça, a crescente opacidade não é suficiente para evitar a percepção do caos instalado e da governamentalização das principais instituições judiciárias.

Na Educação, Saúde, Administração Pública, entre outros, as reformas estruturais não resistem ao tempo.

A calma aparente não é saudável, muito pelo contrário, pode ser um mau prenúncio.

Os problemas, um a um, há mais de uma década, continuam por solucionar, com a corrupção a ganhar terreno de uma forma impune e assustadora.

Ainda que a sensação de progresso possa mitigar as dúvidas, mais tarde ou mais cedo o país vai ter de confrontar-se com os responsáveis pela criação de uma realidade negra.

Não há crimes perfeitos.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pedro Passos Coelho: a hora do escrutínio

O novo líder do PSD fez por merecer o benefício da dúvida dos militantes do PSD reunidos em Carcavelos.

A esmagadora vitória alcançada, que reforçou a votação nas "directas", traduz a esperança que veio trazer a um partido que continua a conviver mal com a permanência na oposição há mais de cinco anos.

Depois do discurso promissor, agora é chegada a hora de enfrentar o reforço do escrutínio sobre o passado profissional.

Ainda que o primeiro passo tenha sido dado pela revista "Sábado", com uma investigação oportuna, a generalidade da comunicação social deve aprofundar as ligações empresariais do candidato a primeiro-ministro.

É exigível, em nome da credibilidade que ainda resta ao jornalismo, um trabalho rigoroso, limpo e sem calculismos, de forma a evitar que os portugueses voltem a comprar gato por lebre.

A questão é precisamente essa: evitar que o país esteja condenado a comprar gato por lebre.

É preciso saber como Pedro Passos Coelho foi parar à "Fomentinvest", de Ângelo Correia. E quais são os accionistas e negócios em que esteve envolvido, sobretudo aqueles realizados com empresas como a GALP, entre outras.

A priori, não vem mal ao mundo que um político tenha passado pelo sector empresarial. Aliás, e muito bem, Pedro Passos Coelho anunciou a cessação de funções de todos os cargos de gestão.

Quem chega a um lugar que dá acesso ao mais alto cargo executivo do Estado português tem de estar disponível para responder pelo seu passado político e profissional. E sobretudo demonstrar que não teme o escrutínio da imprensa, uma das regras de ouro da democracia.

Eis um dos primeiros sinais de mudança que Pedro Passos Coelho pode dar à sociedade portuguesa, num momento em que o que resta à direita está confrontado com os negócios dos submarinos.

Portugal não se pode dar ao luxo de permitir que um qualquer clone de Sócrates ascenda ao poder.

Para vergonha, interna e externa, já basta o que basta.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Há mais democracia além das eleições

As notícias sobre o envolvimento de governantes nos mais diversos escândalos deixou de ter qualquer relevância social e política.

Os visados até fazem prova de vida política, ignorando as manchetes e encontrando razões suficientes para glosar os trabalhos jornalísticos.

José Sócrates e Silvio Berlusconi conseguiram provar que são capazes de resistir a qualquer título e ainda de ganhar eleições apesar do escrutínio dos respectivos passados, repleto de casos pessoais, políticos e judiciais.

Mérito dos governantes, falta de credibilidade da imprensa ou indiferença colectiva?

A questão merece uma profunda reflexão.

Os diversos exemplos português e italiano são a melhor prova de que a comunicação social perdeu credibilidade e influência.

Na ausência de Justiça, falta outra sede para dirimir situações de bloqueio.

Mais do que analisar um qualquer governante, por mais tiques de meliante ou de ditadorzeco, ou até apreciar a linha editorial dos órgãos de comunicação social, importa estimular as novas elites para a promoção e a divulgação de estudos académicos sobre a gritante disparidade entre os slogans e as práticas.

Sob pena de perpetuação do estado pantanoso, é preciso que o conhecimento também esteja ao serviço dos valores universais da comunidade, que seja capaz de se colocar num patamar diferente da disputa política e partidária.

É urgente compreender a falta de mobilização da opinião pública após o conhecimento de factos da maior relevância, e cuja indiferença já chegou ao ponto de desvalorizar investigações, acusações e sentenças judiciais.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Velhas elites

A extraordinária tentativa de amordaçar os críticos do PSD, parcial e temporalmente, deu origem a uma vaga de protestos.

Ainda que sem cuidar de explicar o que se passa nos outros partidos políticos, a jactância palavrosa permitiu aliviar o cheiro a podre que invadiu a actualidade.

Curiosamente, aqueles que mais se indignaram com a alteração estatutária aprovada no congresso de Mafra foram precisamente os que mais desvalorizaram o assalto do governo socialista aos mais elementares direitos de expressão, opinião e imprensa.

Eis uma boa oportunidade para verificar o estado a que chegou o 'critério' da defesa de valores fundamentais: quando dá jeito, carrega-se a eito; quando não dá, vira-se a cara para o lado.

A constatação é triste, mas é de facto.

E permite chegar a outra conclusão: as velhas elites estão cada vez mais velhas e amarradas às benesses concedidas, directa ou indirectamente, pelo poder.

Mas será que todas as elites estão compradas?

Claro que não.

O silêncio envergonhado de alguns tem outras explicações mais prosaicas e medíocres: conquistado o pico do status social, quiçá a qualquer preço, o pavor de o perder a qualquer momento leva a uma desonestidade intelectual e política gritantes.

Passados mais de cinco anos de José Sócrates na liderança do governo, o lema passou a ser: A única ideologia é a dos tachos e dos dólares depositados em offshores.

Não foi o último discurso de Manuela Ferreira Leite no congresso do PSD que permitiu constatar que basta seguir o dinheiro para perceber o actual estado do país e das suas velhas elites cada vez mais velhas.

As ameaças, as mentiras, os truques, os discursos pomposos, a imagem e mais uns trocados, em espécie ou em género, têm sido suficientes para calar quem tem a obrigação de estar na primeira fila da contestação ao embuste, que transformou esta democracia num pântano cheio de gente cada vez mais pobre.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Humilhação e piedade

A apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento é uma oportunidade de ouro para obrigar José Sócrates a assumir as suas promessas eleitorais.

Além do magnífico trabalho dos deputados da Comissão de Ética – a propósito da tentativa de assalto à comunicação social –, da oportuna constituição de uma comissão de Inquérito – que vai investigar se o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento – e do congresso do PSD, que, felizmente, conta com vários candidatos, é consensual que José Sócrates não pode retomar a governação com um novo truque: o recurso ao aumento da carga fiscal, sem o aumento dos impostos.

A questão do momento é outra: José Sócrates, a nível interno e externo, é o primeiro-ministro certo para tirar o país do buraco que ele próprio ajudou a cavar, com ou sem comunicação ao país, depois de cinco anos de mentiras, truques e ilusões políticas?

Obviamente, não.

Os sinais de desgaste são tão evidentes como as manobras desesperadas da corte do costume, que tenta desvalorizar a actual situação e arranjar uma espécie de tábua de salvação, chame-se o expediente Manuela Moura Guedes, Freeport ou outra coisa qualquer.

A realidade está à vista: No momento em que o país precisa de um líder credível e empenhado, o governo continua a ser liderado por um homem acossado e desacreditado.

Aliás, a tentativa obstinada de manter o poder até já chegou ao ponto de encenar a vitimização suprema.

Não foi por acaso que José Sócrates chegou ao cúmulo de pedir aos jornalistas – anteriormente eleitos 'alvos' – para «terem piedade», para não colocarem mais questões sobre o seu envolvimento no caso "Face Oculta".

Certamente, todos os portugueses, de esquerda e de direita, estão de acordo com as palavras de Manuel Alegre ao DN, em 23 de Outubro de 2002: «Eu também sinto em mim a humilhação a que outras pessoas se sujeitam».

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Os aspirantes

A última edição do semanário "Sol" deve ter deixado qualquer democrata estupefacto.

Não, não é por causa das novas revelações sobre a face oculta do primeiro-ministro, que qualquer cidadão de boa-fé já conseguiu perceber e assimilar.

A revelação importante é outra, designadamente a que nos permite ter uma ideia mais cristalina da qualidade e calibre dos aspirantes a governantes.

Obviamente, falo de Paulo Penedos e Marcos Perestrello; e se isto é o futuro do PS, então estamos conversados.

Mais grave ainda do que esta nuvem negra que se abateu sobre o futuro do PS, é o facto de Marcos Perestrello ser o actual secretário de Estado da Defesa.

Sem que se perceba o que o habilitou para ascender ao cargo, tal como ninguém tinha percebido por que razão Rui Pedro Soares aterrou na administração da PT, a verdade é que ambos chegaram onde chegaram, com os resultados agora conhecidos.

Porém, estranhamente, todos pediram a cabeça do "amigo" de José Sócrates, mas ainda ninguém pediu a cabeça do "amigo" de António Costa.

Por que será?

Ainda que se conceda, em tese, a possibilidade dos diálogos transcritos terem sido descontextualizados – o que seria gravíssimo –, a verdade é que o secretário de Estado, aparentemente, nada fez para contrariar ou evitar a negociata do pequeno-almoço de Luís Figo com o primeiro-ministro na véspera das eleições.

Ou será que avisou, imediatamente, o "chefe"?

Mais do que a personalização deste ou de qualquer outro caso, o mais importante é perceber como estão a ser formados os aspirantes a políticos que podem ser chamados a governar Portugal.

O mais aterrador é que tudo indica que, actualmente, os jovens quadros políticos lêem pela mesma cartilha que formou José Sócrates, entre tantos e tantos outros militantes partidários, da esquerda à direita.

O resultado está à vista.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ponto de ordem

Depois de magistrados de Aveiro terem descoberto uma manobra de assalto à comunicação social, há-de ficar como o cúmulo do anedotário político as tentativas desesperadas para comprovar que existe liberdade de expressão, opinião e imprensa em Portugal.

No actual clima pantanoso, os 'boys' do regime abraçaram a missão de tentar convencer os portugueses que existe liberdade de expressão, opinião e imprensa porque ouvem, vêem e lêem notícias com críticas contundentes ao governo.

Quanto cinismo...

Os que se atrevem a fazer este paralogismo já se esqueceram do passado e, por exemplo, de todos aqueles que não se cansaram de afirmar o Estado de Direito durante a ditadura pelo simples facto de existirem tribunais.

Quanta má-fé...

Os que ensaiam justificar o injustificável, fazendo de conta que não leram o "Sol" e não conhecem os bastidores do poder, usam todos os malabarismos para tentar disfarçar uma realidade para a qual, aliás, só acordarão quando mais lhes convier.

Quanto atrevimento...

O esforço para branquear o que se está a passar, há demasiado tempo, há-de ficar, seguramente, como o cúmulo do anedotário político, mas também como mais uma das páginas vergonhosas da história deste PS e da democracia.

E é preciso não esquecer que, hoje, entre os que se mostram surpreendidos e indignados também estão muitos que rejubilaram e apoiaram o estilo de José Sócrates e a sua forma de exercer o poder.

Quanto mais subtil for a mordaça dos novos tempos, maior terá de ser o empenho em denunciar as diferentes formas de censura.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Não ao jornalismo cobarde

A divulgação de matéria informativa de inegável interesse público é um direito constitucional.

A notícia da semana passada do semanário "Sol" é um serviço público de inestimável valor e seriedade, merecendo ser acompanhado por todos os que pretendem um regime mais transparente.

E quem decreta que a publicação de uma qualquer escuta é crime não é o primeiro-ministro, seja ele José Sócrates ou outro qualquer.

O semanário de José António Saraiva tem estado quase sozinho na tentativa de aprofundar a investigação sobre o mais recente plano de assalto à comunicação social.

Não é digno de uma democracia madura e de uma comunicação social livre que o escrutínio de algo tão grave seja assumido, activamente, por um ou dois meios de comunicação social.

O "Sol" não pode ficar isolado, como tantas outras vezes aconteceu a quem assumiu o dever de informar.

É preciso enfrentar o cinismo de alguns media que criticam a revelação de escutas e de outros documentos judiciais, mas depois aproveitam as mesmas informações para 'surfar' a onda mediática, protagonizando o jornalismo mais cobarde que existe.

Na verdade, importa perguntar: O que aconteceu com as "cachas" do "Jornal de Sexta"?

A generalidade dos meios de comunicação social aproveitaram e usaram a seu belo prazer todas as revelações, independentemente das opiniões dos responsáveis editoriais sobre o estilo e os métodos de Manuela Moura Guedes.

Algumas das situações, que chegaram a roçar o grotesco, não devem ser o padrão de acção daqueles que têm o dever de informar com lisura e rigor.

É preciso que os profissionais da comunicação social assumam as suas responsabilidades, de forma a não ter que passar, mais uma vez, pela vergonha de ter de ser um qualquer deputado, cá dentro ou lá fora, a denunciar o que se diz à boca pequena nos corredores.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A debandada socrática

Há muito tempo que José Sócrates não tem condições para ser primeiro-ministro de Portugal.

Na biografia não-autorizada – "José Sócrates - O homem e o líder" – fiz várias referências documentadas sobre a sua estranha tendência para misturar a vida pessoal e o plano institucional no exercício do poder.

Fazer determinadas afirmações à revelia do status quo reinante pode ser penalizador, mas é reconfortante constatar que o tempo nos dá razão.

De facto, as revelações do semanário "Sol" confirmam uma actuação que obedece a um padrão aventureiro, mesquinho e perigoso, tantas são as tropelias (indícios de crimes?) escarrapachadas em documentos timbrados e assinados por investigadores da PJ, confirmados por um procurador do MP e ratificados por um juiz.

Ainda que muitos possam ter ficado surpreendidos com os sinais de abuso de poder, de cobardia e de mentira, há muito tempo que entre o "homem" e o "líder" não há fronteiras, valendo tudo para tentar consolidar um projecto político de poder pessoal.

José Sócrates passou à condição de CPP (Cadáver Político Potencial), à mercê de todos aqueles que o ajudaram a dar um dos maiores golpes na credibilidade da democracia dos últimos 30 anos.

Enquanto não surgir uma alternativa credível, porventura ainda vai governar durante mais algum tempo, com a corte do costume a fazer de conta que ainda o respeita.

O futuro político de José Sócrates passou a depender dos que estiveram ao seu lado e que, não tarda nada, vão começar a olhar para ele de soslaio, como se não tivessem feito parte do seu projecto e da sua incomensurável falta de cultura democrática.

Mais uma vez, e sem receio de voltar a ser penalizado por não considerar o status quo reinante, é preciso antecipar as consequências da previsível debandada socrática, cujos principais representantes, assumidos ou encapotados, já perceberam que quanto mais tarde se distanciarem do primeiro-ministro mais dificilmente poderão aspirar a ter uma réstia de credibilidade profissional e politica.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Wake up

A instabilidade governamental é assacada aos partidos políticos, mas também ao Presidente da República.

Com o fim da monumental encenação da aprovação do Orçamento de Estado, Aníbal Cavaco Silva pode começar, com toda a tranquilidade, a preparar a recandidatura presidencial.

Com uma oposição incapaz, temerosa, quiçá também rendida aos grandes interesses, o resultado até seria idêntico mesmo que o défice de 2009 atingisse, ainda mais miraculosamente, valores superiores.

De facto, os 9,3% anunciados até podiam ter chegado aos 10,3% do PIB – uma percentagem igual à do desemprego –, pois esta espécie de direita seria impotente para obrigar o governo a assumir as manigâncias politicamente descaradas.

Agora, pasme-se, mesmo as promessas de mais investimentos públicos, designadamente os grandes projectos do novo aeroporto e do TGV, podem ser sacrificados por quem os prometeu desenfreadamente, obviamente com base no álibi da 'nova' realidade orçamental.

A política do vale tudo venceu, perante uma oposição de rastos e uma comunicação social limitada à espuma do dia-a-dia.

Para trás fica uma campanha eleitoral politicamente mentirosa – mais uma! –, em que o governo escondeu a verdadeira dimensão da crise financeira, económica e o buraco das contas públicas.

Mais uma vez, José Sócrates venceu uma batalha política, obrigando os adversários políticos a trabalhar para si e por si.

Tal só foi possível com Fernando Teixeira dos Santos, até ao dia em que José Sócrates se fartar do ministro das Finanças que se 'engana' muitas vezes.

Ainda atónitos com a 'nova' realidade orçamental, os portugueses preparam-se para começar a pagar a factura, sem instabilidade governamental nem responsabilização de quem atirou o país para o abismo, de anúncio em anúncio e de truque em truque.

É caso para perguntar: Quanto tempo ainda será preciso para acordar para a governação mais politicamente irresponsável e opaca dos últimos 30 anos?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Quem será o senhor que se segue?

O 'patrão' da RTP pode começar a sonhar com o descanso aos domingos.

Seis anos depois do início das "Escolha de Marcelo", o comentador não merecia cair às mãos de uma administração da estação pública.

O afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa está na linha de actuação do governo, pelo que só pode ter surpreendido os mais distraídos ou ingénuos.

Depois de meticulosamente preparada, com um álibi politicamente descarado, a opinião pública e publicada quase não reagiu a mais uma nova baixa em termos de liberdade de opinião.

Apenas alguns, os mesmos de sempre que continuam a resistir, levantaram a voz e a caneta para protestar por tão conveniente e súbito critério de alegada equidade da administração da RTP.

Os ataques à liberdade de expressão, opinião e imprensa, que se verificaram no passado recente, estão a começar a produzir os efeitos anestesiantes.

Tudo parece normal e fundamentado, perante uma entidade supostamente reguladora que diz não ter meios para investigar, quiçá só pode investigar o que lhe deixam investigar.

Na origem de mais um caso de condicionamento gritante está um pecado original: a atribuição de um palco mediático a figuras relevantes do espectro partidário.

Salvo raríssimas excepções, entre as quais incluo Marcelo Rebelo de Sousa, a opinião que se pretendia livre e independente tem sido entregue a "barões" partidários, com mais ou menos vocação mediática, que se limitam a uma gestão cuidadosa do respectivo tempo de antena.

Quem será o senhor que se segue?

sábado, 2 de janeiro de 2010

2010: Ano de mudança

A crise continua a arrastar-se, penosamente, consolidando uma situação de impasse no regime democrático.

Ao mesmo tempo que a fábrica de ilusões começa a dar sinais de esgotamento, as alternativas não têm palco, apenas vingando aqui e ali por força da inércia do próprio sistema.

É assim, hoje, tal como o foi no passado, de crise em crise, sempre sem se vislumbrar uma solução consistente.

Em qualquer área – da política à economia, da justiça aos media, da segurança à saúde – impera o sindroma Titanic: enquanto o barco se afunda, o maestro continua exuberante a liderar uma orquestra indiferente ao desastre.

Para onde quer que se vire o olhar, um poder desmesurado, por vezes asfixiante, generoso com a corte e implacável com os agentes da mudança, ignora o plano perigosamente inclinado para o abismo.

Não é por acaso que o debate político, mais ou menos crispado, assusta tanto o poder instituído que tudo faz para impor as águas calmas, fiadoras da manutenção do status quo, do arbítrio e da opacidade, ainda que correndo o risco de criar, inevitavelmente, charcos putrefactos.

O esticar da corda leva a excessos que podem tornar a realidade, tantas vezes oculta, mais facilmente apreendida.

Paradoxalmente, quanto mais incompetência mesquinhez e falsidade maior é a probabilidade de se fazer luz, condição essencial para qualquer fase de regeneração.

É tempo de chalangers assumidos, águas revoltas, debates acalorados e, sobretudo, de mais escrutínio e de novos agentes capazes de assumir a ruptura e propor alternativas.