sábado, 20 de agosto de 2011

Fazer de morto

A falta de frontalidade, a incapacidade de decisão e o medo do risco validam alguns dos melhores aforismos que caracterizam a sociedade portuguesa. A velha atitude de "fazer de morto" para escapar aos problemas é bem patente no dia-a-dia, desde a cúpula do Estado ao cidadão anónimo, quer por carreirismo, quer por sobrevivência. Esta prática generalizada de silêncio, omissão e indiferença tem consolidado uma aversão endógena a qualquer mudança.

Será uma questão genética?

A resposta é bem perceptível nas mais diversas áreas, ao nível colectivo e individual. A ascensão nos partidos políticos, a rotação de gestores públicos, a subsidiodependência de empresários e cidadãos e, por que não dizê-lo, a dança das cadeiras nos órgãos da comunicação social, entre outros exemplos, revelam o premiar do imobilismo, dos critérios de geometria variável e da obediência a compromissos insondáveis.

A título de exemplo gritante, não é por acaso que um cidadão mais afoito pode pensar que não temos procurador-geral da República há vários meses, ao mesmo tempo que grassa a corrupção e a ideia de impunidade. Não obstante todos os estrangulamentos já identificados no Ministério Público, Fernando Pinto Monteiro remeteu-se ao silêncio sepulcral, que mais parece o atirar da toalha para o chão, quiçá, à espera de uma vaga de fundo que lhe permita ser reconduzido no cargo em Outubro próximo.

A autonomia do Ministério Público obriga a outra atitude pública, tal como exige uma clarificação processual que evite a repetição da percepção de escandalosa gestão dos casos judiciais que envolveram o nome de José Sócrates Freeport, licenciatura e escutas ―, entre outros tão graves e mediáticos.

Neste quadro institucional também não é de admirar que o executivo continue a fazer de morto em relação a dossiers decisivos que exigem decisões urgentes e cristalinas, como por exemplo a construção do TGV, a revisão constitucional e a proposta de um governo económico na União Europeia.

Os mais variados exemplos vindos de cima aclaram a inércia do cidadão resignado, avesso a fazer ondas, ou do desempregado que se conforma com o subsídio de desemprego ou com o rendimento mínimo.

Numa época de exigência, em que são precisas medidas pró-activas, é indispensável desenvolver uma nova dinâmica, coerente e limpa, não basta a navegação à vista, pontuada por algumas boas medidas avulsas, até a tempestade financeira amainar.

A nova maioria está convencida que chegou a hora de comer e calar, e até está persuadida que o futuro depende dos portugueses continuarem a comer e a calar, Felizmente, existem excepções que contrariam este marasmo. As intervenções públicas de Alexandre Soares dos Santos (presidente do grupo Jerónimo Martins), de Belmiro de Azevedo (presidente do grupo Sonae), de Medina Carreira (advogado e fiscalista), de Maria José Morgado (Directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa), e de Paulo Morais (ex-vereador da Câmara do Porto), entre outros, têm sido fermentos essenciais para manter a esperança na mudança de mentalidades. É verdade que não fazem mais do que a sua obrigação, tendo em conta o estatuto que lhes é reconhecido unanimemente, contudo fazem-no em contraponto com uma maioria silenciosa que continuam a vencer sem agitar as águas.

O equilíbrio das contas públicas é tão importante como romper com a tradicional letargia que tem condenado o país à pobreza. É preciso contrariar este ram-ram, em que até os jovens desempregados fazem de mortos na esperança de arranjar um emprego num call center.


Sem comentários: