sábado, 28 de janeiro de 2012

Mais cidadania, melhor Estado


A notícia é tão chocante como banal nos dias que correm, mas continua a exigir a reacção de todos aqueles que ainda guardam o sentido de humanidade, independentemente de manifestações à porta de Belém ou de quaisquer outros números mediáticos.

O problema começa na forma como encaramos estas tragédias. E já não basta culpar comodamente o Presidente, o governo, o ministro, os deputados, a administração pública, a crise e a austeridade. Também não serve de consolo clamar pelo dinheiro esbanjado no passado para alimentar as clientelas, que tanta falta faz agora para acorrer aos mais necessitados. Nem mesmo a estafada discussão ideológica sobre quem é mais sensível às questões de solidariedade faz qualquer sentido, pois tanto a esquerda como a direita têm falhado constantemente em relação aos mais desvalidos.

O desafio é outro. Começa em cada um de nós, em cada gesto para contribuir para a reforma deste Estado falido e exaurido e para a mudança das mentalidades de uma sociedade viciada no vale tudo para atingir o sucesso instantâneo, esquecendo o essencial: os valores da civilização.

Este tipo de desgraças não é um exclusivo de Portugal. A organização do Estado nas democracias ocidentais está mais vocacionada para atender os mais ricos e influentes que para cuidar dos mais pobres e isolados. Por todo o mundo, e até nos países europeus mais ricos, sobretudo nas épocas mais frias do ano, as mortes dos sem-abrigo, por exemplo, continuam a alimentar a imprensa pelo lancinante abandono a que são votados, especialmente no fim da vida.

Amanhã, o caso da morte destas duas irmãs idosas que viviam na freguesia das Mercês já não é notícia, porventura porque outros casos idênticos assaltam a agenda mediática. Por isso é preciso não baixar a capacidade de denunciar a indignidade por mais frequente que possa ser. E ninguém pode atirar para debaixo do tapete a estatística impressionante destes casos extremos: só em Lisboa, desde o início do ano, foram encontrados mortos em casa 11 idosos. Certamente, cada um deles era um caso especial, apenas com o denominador comum de não terem amigos no governo, nos partidos políticos, no Serviço Nacional de Saúde ou nas instituições públicas de solidariedade e protecção social.

O papel da comunicação social assume contornos decisivos para contribuir para mudar esta realidade hedionda, mas para isso não pode ficar cingido ao relato inconsequente de casos sórdidos. É preciso ir ao fundo dos problemas para continuar a manter viva a esperança de que mais cidadania obrigue a melhor Estado. Não basta atirar mais e mais dinheiro para cima dos problemas. É fundamental saber se a organização instalada é suficiente para responder às exigências e às necessidades de proximidade ou se está a ser minada pela irresponsabilidade facilitada pela burocracia reinante.

A morte de qualquer cidadão anónimo nestas circunstâncias pode não contar para as jogadas de bastidores do poder, mas convoca-nos a todos de uma forma brutal para a questão primordial: que Estado é este que promove uma sociedade tão insensível e egoísta, ou melhor, que sociedade é esta que tolera governantes incapazes de assegurar uma das mais elementares funções do Estado.

Passos de gigante

A mudança consubstanciada pelo despedimento facilitado, pela diminuição das indemnizações, pela adaptação proporcionada pela criação do banco de horas e pela diminuição do período de férias resulta na inequívoca flexibilização tantas e tantas vezes reclamada.
O entendimento entre o governo, os patrões e a UGT é um instrumento decisivo para a clarificação: por um lado, os trabalhadores não podem voltar a ser acusados de ser os carrascos da competitividade; por outro lado, os empresários deixam de ter margem de manobra para continuar a choramingar no ombro do Estado para obter mais e mais subsídios.
Num primeiro momento, qualquer tipo de ajustamento estrutural implica agitação social. Quem no governo acredita que comprou a paz social à custa do pragmatismo da central sindical próxima do PS, quiçá de mais uns milhões para formação, está redondamente enganado. A paz social apenas se consegue alcançar com uma governação credível e com sentido de equidade.
Os passos de gigante para garantir mais desenvolvimento económico começaram a construir um caminho seguro. No entanto, é cedo para hosanas e aleluias. Ainda há muito para fazer nesta terra. A alteração do paradigma só ficará concluída se outros aspectos do acordo assinado em 18 de Janeiro passado, tais como o apoio à internacionalização e à captação de investimento, a promoção do empreendedorismo e a inovação, a reforma da justiça, o combate à economia paralela, o reforço do financiamento das empresas e a redução dos custos de contexto, entre outros, forem postos em prática.
Se este acordo servir para romper a política de paternalismo estatal e de subsidiação artificial da economia, que tem beneficiado amigos, promovido clientelas e alimentado a corrupção, então podemos afirmar que estamos perante um momento histórico para Portugal. A partir de agora, a rigidez laboral deixou de ser argumento suficiente para justificar apoios e empréstimos a determinados tipos de investimentos estrangeiros em Portugal, como por exemplo o do grupo catalão La Seda, que, aliás, foi brandido no parlamento pelo deputado independente da bancada socialista Basílio Horta, sem um pingo de pudor político.
Os trabalhadores vão ter de prescindir de direitos adquiridos justos e legítimos. Agora chegou a hora de encerrar o ciclo em que o Estado anda com os empresários ao colo. Acabaram os tempos em que o Estado tentou substituir os empresários e entrou no jogo económico como agente económico e regulador ao mesmo tempo. Esta evidência não resulta de qualquer opção ideológica. Decorre apenas da constatação de que este modelo falhou, como atesta o crescimento medíocre de Portugal nas últimas décadas, não obstante a chuva de subsídios comunitários.
Não é possível ignorar que a sociedade está a chegar ao limite da tolerância em relação a esta democracia. Os resultados do recente estudo do Instituto de Ciências Sociais dizem tudo em relação ao estado de espírito dos portugueses: 15% acreditam que um governo autoritário pode ser melhor que o sistema democrático e apenas 56% acreditam que a democracia é o melhor sistema político.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O regime ao espelho



Com a chegada de Sócrates e Passos Coelho renasceu a esperança de que uma geração mais nova no poder cumprisse o Portugal prometido. Ora, hoje, o país já interiorizou o legado politicamente criminoso da última liderança socialista. E começa a duvidar que Passo Coelho tenha capacidade, força e vontade para vergar a influência acumulada dos culpados pelos erros dos últimos 25 anos. Como se esta realidade não bastasse, os portugueses estão ainda a ser bombardeados com debates protagonizados por alguns dos maiores responsáveis pelo estado a que o país chegou.

Vejamos alguns casos paradigmáticos: os críticos dos cortes nos direitos adquiridos calaram-se no passado para agora esbracejarem os princípios; os ex-governantes passeiam tachos multimilionários ao mesmo tempo que multiplicam dicas sobre como sair da crise que cavaram; aqueles que negaram o descontrolo dos serviços de informações culpam agora a maçonaria, omitindo o comprometimento dos governantes que nomearam as suas chefias; enquanto se cavalga a onda de acusações sobre determinadas lojas maçónicas, as ligações do lóbi de Macau à maçonaria, liberal e regular, escapam ao debate da actualidade; à manifestação de indignação com a entrada do capital angolano e líbio em Portugal sucedeu um pesado silêncio em relação à entrada do Estado chinês na EDP; por último, e a propósito da vozearia sobre a escolha de personalidades para a eléctrica portuguesa, em vez de se apontar ao cerne da questão, ou seja, saber quais as vantagens que os privados esperam obter depois de nomear gestores só da cor do governo, a polémica resvalou para a retórica parlamentar, ainda por cima liderada por socialistas que deveriam corar de vergonha de cada vez que abrem a boca sobre o nepotismo partidário.

Com mais ou menos manipulação, quanto mais se fala nos velhos tiques da República maior é a percepção da existência de uma democracia formal vulnerável a interesses particulares e a poderes não eleitos. Aliás, o pragmatismo tantas vezes invocado começa a ser olhado mais como um pretexto para salvar clientelas à custa dos dinheiros públicos do que para ajustar o país aos novos desafios.

Os debates que estão a dominar a agenda mediática podem estar inquinados, misturando conceitos e não servindo para um aprofundamento das responsabilidades, mas pelo menos estão a permitir ver com mais nitidez o reflexo do regime ao espelho. E, neste momento, a imagem revela desnorte em relação aos assuntos de Estado, novas trapalhadas nas contas públicas e renovadas suspeições sobre os negócios de Estado que têm como base um Ministério Público de rastos. E o que parece, não obstante a intervenção tardia do primeiro-ministro, é suficiente para minar a credibilidade do governo até junto daqueles que ainda continuam a acreditar que PSD/CDS-PP têm um encontro marcado com a mudança em Portugal.

De um momento para o outro, e após um início credível, novos erros e hesitações governamentais incompreensíveis justificam o regresso daquela estranha sensação de que o país não tem solução no actual quadro partidário e institucional.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Secretas: Bomba ao retardador


O funcionamento ilegal das secretas continua a ocupar a ribalta mediática e a alimentar todo o tipo de suspeições, arrastando na lama a classe política, os governantes, os deputados, o Estado e um dos seus departamentos mais sensíveis.

O caso é gravíssimo e a ausência de medidas exemplares para cortar o mal pela raiz está a provocar um mal-estar generalizado e a maior perplexidade, interna e externa.

Se já era preocupante saber que as secretas funcionaram em roda livre durante anos a fio, mais grave ainda é constatar que a 1ª comissão parlamentar (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) se deixou enredar no branqueamento de conclusões óbvias.

A notícia de que fiscalizador e fiscalizado pertencem à mesma loja maçónica apenas reforça o que todos já dão como certo: a culpa vai morrer solteira nas secretas. Aliás, este caso não é ímpar. Há muito tempo que Paulo Morais, ex-vereador da Câmara do Porto, tem vindo a denunciar as ligações de deputados aos mais diferentes interesses ao arrepio das mais elementares regras de transparência.

De facto, o rei vai nu. No poder e nos mais diversos sectores de actividade privados não faltam exemplos desta espécie de amiguismo, de lealdades opacas e caninas, que continua a ser entendido como um seguro de vida para fazer carreira ou para escapar ao arbítrio.

Na origem de toda a controvérsia está a crónica falta de cultura democrática e o desrespeito pela responsabilização política de quem prevarica no exercício das mais altas funções de Estado. E mais. Revela que o tráfico de influências continua a ser um dos problemas mais graves da democracia, alimentando todos os desperdícios e impunidades.

Neste momento, já não é possível escamotear a situação surrealista em que o país vive: Como é possível que o chefe dos serviços de informações continue em funções depois de tudo o que se sabe, e porventura ainda virá a saber, sobre o funcionamento das secretas?

A questão não teve resposta até ao momento, o que deixa Pedro Passos Coelho, o primeiro responsável pelos Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), numa situação politicamente desconfortável. De igual modo, é preciso não esquecer, nem deixar passar em claro, o silêncio sepulcral do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sobre uma matéria que está a suscitar as maiores inquietações na sociedade portuguesa e a manchar o nome do país a nível externo.

Ao permitirem o arrastamento desta situação, que cria um vazio que permite todo o tipo de especulações, o presidente da República e o primeiro-ministro estão a contribuir para o avolumar de uma situação explosiva que lhes pode rebentar nas mãos mais tarde ou mais cedo.

No momento em que a credibilização das instituições e da governação é essencial para o futuro do país, e em que os sacrifícios severos são impostos aos portugueses, a estranha e aparente brandura em relação à comunidade dos espiões é incompreensível e até chocante.

A forma como o chefe do governo lidou, e continua a lidar, com um caso de Estado da maior sensibilidade é mais do que um desvio colossal, é uma enorme irresponsabilidade política. E obriga, obviamente, à seguinte questão: Pedro Passos Coelho está refém de alguma coisa que os serviços de informações sabem?