terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Batemos no fundo


Estes alertas, pelo significado e concentração no tempo, não podem passar em claro: 62% dos inquiridos pelo Centro de Sondagens da Universidade Católica consideram mau (33%) ou muito mau (29%) o desempenho do executivo; 73% não confiam em qualquer partido da oposição parlamentar para fazer melhor; a Comissão Europeia reviu em baixa as previsões para a evolução da economia portuguesa, estimando que o produto interno bruto vai sofrer uma contracção de 3,3% em 2012; e o eurobarómetro revela que 97% dos portugueses consideram a corrupção o maior problema e 63% consideram os políticos corruptos.

Num momento decisivo da batalha para ultrapassar a crise, ninguém tem dúvidas de que alguns tiques de autoritarismo não só não ajudam, como revelam a indisponibilidade da maioria para corresponder ao agendamento potestativo e a um novo inquérito parlamentar ao escândalo do BPN.
De igual modo, o isolamento crescente do país na União Europeia também não só não serve para nada, como revela o silêncio governamental em relação a questões tão importantes como, por exemplo, a flexibilização da meta do défice exigida por Mariano Rajoy e a promessa de Nicolas Sarkozy de aplicar a taxa Tobin sem esperar que os outros países europeus cheguem a acordo para a implementar.

Num momento crucial de viragem, há mais vida que o acantonamento envergonhado no nosso cantinho. A exigência obriga a que estejamos atentos ao que se passa à nossa volta, bem como a consolidar o rigor orçamental, a estar mais atentos aos casos sociais extremos e, sobretudo, a acabar com as hesitações em relação aos que continuam a fugir aos sacrifícios.

O caso das fundações, públicas e privadas, é um exemplo gritante. As isenções fiscais e as contribuições de milhões e milhões de euros para estas entidades, que já ultrapassaram a fasquia das seis centenas, têm de ser escrutinadas até ao último cêntimo, tanto mais que as polémicas sobre a Fundação para a Prevenção Rodoviária, a Fundação das Comunicações Móveis e a Fundação Cidade de Guimarães perduram na memória de qualquer cidadão. E não bastam meias-medidas, é preciso acabar com mais esta farra esbanjadora à custa dos contribuintes.

Um país dividido entre os que pagam, os que conseguem habilidosamente escapar e os que emigram não tem viabilidade.

A questão não é de discurso, nem de comunicação, nem tão-pouco de imagem. É de atitude, transparência e capacidade para enfrentar os mais fortes, que em tempos excepcionais tardam a ser chamados a contribuir mais que os mais fracos.

Transformar uma conversita entre Vítor Gaspar e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, num seguro de vida é risível, sobretudo para quem ainda continua a ter a maior e a melhor expectativa no desempenho de um político ocasional, como lhe chamou Mário Soares.

Nunca foi tão vital como agora, que batemos no fundo, que Vítor Gaspar consiga encontrar a determinação e o apoio para aplicar, com bom senso, a sua competência e seriedade.

A percepção de uma política de um peso e de duas medidas num momento de crise só pode levar a um cenário idêntico ao da Grécia, em que as ruas estão cheias de desesperados e de desiludidos. E mais. Em Portugal, como já vimos no passado, uma maioria parlamentar não garante estabilidade governamental. Para bom entendedor, meia palavra basta.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Custe o que custar

«São cada vez mais escutadas as vozes que criticam a política de rigor orçamental que a chanceler alemã, Angela Merkel, continua a impor aos estados membros da União Europeia, designadamente aos países da zona euro que rebentaram a escala do défice e do endividamento.

A este propósito, o aviso propalado a semana passada por George Soros, o multimilionário norte-americano que, através de ataques especulativos, conseguiu vergar o Banco de Inglaterra (1992) e provocar a grande crise asiática (1997), entre outras façanhas certamente para criar um mundo melhor, merecem uma atenção muito especial.

O manda-chuva do grande capital defendeu a “reanimação da conjuntura nos Estados europeus em crise através da injecção de dinheiro, mais do que forçar os governos à poupança”, deixando uma espécie de aviso final: “Caso contrário, vamos repetir os erros que mergulharam a América de 1929 na Grande Depressão. É isso que Angela Merkel não compreende.”

Curiosamente, há cerca de quatro anos, em plena crise do subprime, no programa “Roda Viva” da TV Cultura de São Paulo, o magnata alertava veementemente para o facto de o “crédito estar a crescer mais que a economia”, considerando tratar-se de uma “tendência que não pode continuar indefinidamente”.

Contradição à parte, a mais recente posição do maior especulador de sempre revela desde logo um facto extraordinário: George Soros e a esquerda estão de acordo quanto à forma de sair da crise.
Este coro de indignados de barriga cheia, alguns dos quais confortavelmente instalados à custa dos Estados gordos e esbanjadores, estão a consolidar impunemente uma aliança espúria com os verdadeiros indignados, as vítimas da falta de supervisão e de sucessivas governações aventureiras que atiraram os países para uma situação de perda de soberania e os povos para a pobreza crescente.
Por isso, e independentemente do debate mais ou menos interesseiro, é imperioso recordar que a crise excepcional que vivemos foi provocada pela expansão do crédito, que deu origem à gestão irresponsável da banca, à ganância bolsista, e sobretudo permitiu que a especulação nos mercados de capitais valesse quatro vezes mais que a economia real.

Não é possível omitir esta realidade, permitindo que os críticos de Merkl manipulem progressivamente as opiniões públicas com base em indicadores que estão a aterrorizar os cidadãos.
Em Portugal, por exemplo, ninguém pode ignorar os terríveis números de um dos maiores flagelos sociais da actualidade: 1,2 milhões de portugueses estão no desemprego; na última década, o país perdeu 460 mil empregos; mais de um em cada três jovens está sem emprego; o Algarve lidera o desastre com uma taxa de 17,5% da população activa; o desemprego de longa duração afecta 405 mil cidadãos.

Em boa verdade, também ninguém pode contestar que a receita amarga está a ser difícil de digerir. Mas será que o inevitável ajustamento pode ser alcançado através da repetição da fórmula que nos conduziu ao desastre?

A resposta é sim ao rigor orçamental, mas sem menosprezar os terríveis dramas sociais e humanos que estão a varrer o país. E sem nunca esquecer que alimentar artificial e indefinidamente uma falsa solução, ainda que em nome dos brutais sacrifícios que estão a pôr em causa o estilo de vida das democracia ocidentais, só poderia resultar numa catástrofe ainda maior.

Portugal está a engolir a pílula alemã, mas precisa de mais tempo para garantir a recuperação económica e acautelar a estabilidade social. Custe o que custar à troika».

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

À beira do inimaginável



A resposta formal é não, mas a percepção é contrária, tendo em conta que Pedro Passos Coelho e outros membros do governo ainda não respeitaram uma dupla decisão do Supremo Tribunal Administrativo (7 de Dezembro de 2011 e 24 de Janeiro de 2012) que obriga à disponibilização de documentos relativos às despesas e subsídios auferidos pelos elementos dos gabinetes governamentais no exercício de funções.

Ambas as decisões judiciais, que resultam de uma acção interposta pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, honram o exercício dos direitos de cidadania e os deveres da administração. E os magistrados até vão mais longe, com base no direito constitucional dos cidadãos à informação. Isto é, a partir de agora, por exemplo, um qualquer jornalista pode escrutinar a actividade do governo, exigindo ao primeiro-ministro, a um ministro ou a qualquer outro elemento de um gabinete governamental que revele, detalhadamente, como, quando e com que fundamento gastou o dinheiro dos contribuintes.

As duas decisões corroboram também o alerta da auditoria aos gabinetes governamentais levada a cabo pelo Tribunal de Contas (Relatório n.o 13/2007 – 2.a Secção): “Para além das componentes remuneratórias atrás referidas, encontram-se ainda atribuídos ao pessoal dos gabinetes outros benefícios suplementares para os quais não existe um quadro legal que regulamente a sua atribuição.”
Não obstante a recomendação ignorada e as duas decisões fundamentadas de um tribunal superior, Passos Coelho continua a fazer orelhas moucas à revelação dos gastos com recurso a cartão de crédito, ao uso de viaturas e telefones móvel e fixo, enquanto vai apregoando aos sete ventos a necessidade de disciplina e rigor para os outros. Ou seja, são exigidos sacrifícios máximos aos portugueses e disciplina financeira férrea à administração e às empresas do sector público, mas o regabofe despesista nos gabinetes dos titulares do poder executivo continua no maior e mais injustificado segredo.

O primeiro-ministro passou a poder evitar os deputados quando chamado vinculativamente a uma comissão parlamentar, respaldado na interpretação regimental de Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, ratificada em plenário pela maioria. Mas só faltava que tentasse escapar às decisões judiciais com base no silêncio, num expediente processual ou até através da alteração da lei in extremis para tentar acautelar a interposição legítima de queixas-crime por encobrimento ou desobediência.

A manter-se esta incompreensível recusa de ceder a documentação exigida, com particular destaque para Vítor Gaspar, ministro das Finanças, estamos à beira de um braço-de-ferro inimaginável, que põe em crise a separação de poderes.

Para quem ambiciona afirmar a imagem de rigor nas despesas do Estado não há qualquer margem de manobra, pois já não se trata apenas da prestação de contas política. A não ser que se pretenda liquidar a réstia de transparência na governação, escondendo deliberadamente aos portugueses a realidade dos gastos nos gabinetes governamentais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Nas mãos das secretas?



Neste quadro interno arrepiante importa também olhar para lá das nossas fronteiras. Não é preciso regressar à Guerra Fria, em que a CIA e o KGB se digladiavam no palco internacional, para demonstrar que a santa aliança entre o poder executivo e os operacionais não é um exclusivo das ditaduras. Nem tão--pouco invocar os mais recentes ataques à liberdade de imprensa, como comprovam as agressões abjectas aos direitos dos jornalistas, amplamente atestados, por exemplo, pelos casos ocorridos em 2010, com os jornalistas Nuno Simas (jornal “Público”) e Gérard Davet (“Le Monde”). Para ilustrar este poder crescente e descontrolado basta reavivar a memória do caso Clearstream (2004), que envolveu os espiões franceses na guerra entre Dominique de Villepin (ex-primeiro-ministro francês) e Nicolas Sarkozy (presidente de França) e sobre a promessa de Obama de encerrar Guantánamo (2008) que continua a esbarrar nas agências norte-americanas.