segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Custe o que custar

«São cada vez mais escutadas as vozes que criticam a política de rigor orçamental que a chanceler alemã, Angela Merkel, continua a impor aos estados membros da União Europeia, designadamente aos países da zona euro que rebentaram a escala do défice e do endividamento.

A este propósito, o aviso propalado a semana passada por George Soros, o multimilionário norte-americano que, através de ataques especulativos, conseguiu vergar o Banco de Inglaterra (1992) e provocar a grande crise asiática (1997), entre outras façanhas certamente para criar um mundo melhor, merecem uma atenção muito especial.

O manda-chuva do grande capital defendeu a “reanimação da conjuntura nos Estados europeus em crise através da injecção de dinheiro, mais do que forçar os governos à poupança”, deixando uma espécie de aviso final: “Caso contrário, vamos repetir os erros que mergulharam a América de 1929 na Grande Depressão. É isso que Angela Merkel não compreende.”

Curiosamente, há cerca de quatro anos, em plena crise do subprime, no programa “Roda Viva” da TV Cultura de São Paulo, o magnata alertava veementemente para o facto de o “crédito estar a crescer mais que a economia”, considerando tratar-se de uma “tendência que não pode continuar indefinidamente”.

Contradição à parte, a mais recente posição do maior especulador de sempre revela desde logo um facto extraordinário: George Soros e a esquerda estão de acordo quanto à forma de sair da crise.
Este coro de indignados de barriga cheia, alguns dos quais confortavelmente instalados à custa dos Estados gordos e esbanjadores, estão a consolidar impunemente uma aliança espúria com os verdadeiros indignados, as vítimas da falta de supervisão e de sucessivas governações aventureiras que atiraram os países para uma situação de perda de soberania e os povos para a pobreza crescente.
Por isso, e independentemente do debate mais ou menos interesseiro, é imperioso recordar que a crise excepcional que vivemos foi provocada pela expansão do crédito, que deu origem à gestão irresponsável da banca, à ganância bolsista, e sobretudo permitiu que a especulação nos mercados de capitais valesse quatro vezes mais que a economia real.

Não é possível omitir esta realidade, permitindo que os críticos de Merkl manipulem progressivamente as opiniões públicas com base em indicadores que estão a aterrorizar os cidadãos.
Em Portugal, por exemplo, ninguém pode ignorar os terríveis números de um dos maiores flagelos sociais da actualidade: 1,2 milhões de portugueses estão no desemprego; na última década, o país perdeu 460 mil empregos; mais de um em cada três jovens está sem emprego; o Algarve lidera o desastre com uma taxa de 17,5% da população activa; o desemprego de longa duração afecta 405 mil cidadãos.

Em boa verdade, também ninguém pode contestar que a receita amarga está a ser difícil de digerir. Mas será que o inevitável ajustamento pode ser alcançado através da repetição da fórmula que nos conduziu ao desastre?

A resposta é sim ao rigor orçamental, mas sem menosprezar os terríveis dramas sociais e humanos que estão a varrer o país. E sem nunca esquecer que alimentar artificial e indefinidamente uma falsa solução, ainda que em nome dos brutais sacrifícios que estão a pôr em causa o estilo de vida das democracia ocidentais, só poderia resultar numa catástrofe ainda maior.

Portugal está a engolir a pílula alemã, mas precisa de mais tempo para garantir a recuperação económica e acautelar a estabilidade social. Custe o que custar à troika».

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