sábado, 23 de junho de 2012

ERC e a vidinha continua

            A deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o caso Relvas/Público é um tratado sobre o estado a que chegou o país e a comunicação social.

            Sob a capa dos factos e da ponderação do enquadramento legal não obstante algumas observações que abrem a porta a equívocos perigosos (ponto 174) , a deliberação obedeceu a uma única prioridade: salvar a face do poder.

 Em primeiro lugar, tentou salvar a face do ministro. A averiguação a propósito das pressões "ilícitas" de Miguel Relvas sobre o jornal Público abriu a porta ao branqueamento. O que estava em causa, e continua a estar, é apenas saber se existiu um ataque à liberdade de imprensa, se existiram pressões inaceitáveis sobre uma jornalista e se é possível a um detentor de um cargo público usar informação privilegiada para condicionar a actividade de um jornalista através da ameaça da divulgação de dados da sua vida pessoal.

Em segundo lugar, tentou salvar a face da direcção do "Público". Em todo o texto da deliberação, até parece que quem foi ameaçada foi Bárbara Reis, directora, e não Maria José Oliveira, jornalista. O descaramento é tal que basta verificar que o regulador abdica de fazer qualquer recomendação, ficando por vagas considerações que começam por aceitar a tese conspirativa do ministro Relvas.

Em terceiro lugar, tentou salvar a face da ERC. Quem conhece a história de Carlos Magno, presidente da reguladora, não podia esperar outra coisa, ou melhor, presume-se que não terá sido pela sua independência que foi escolhido para liderar a ERC. Aliás, a leitura cuidadosa do documento revela bem o estilo do seu primeiro signatário: reverencial com o poder, preocupado em parecer isento e cuidadoso com os detalhes.

Numa apreciação mais nua e crua, a deliberação é um hino à hipocrisia que está à altura de uma comunicação social mais vulnerável e dependente, que aprecia menos o trabalho do jornalista e valoriza mais a imagem de independência e distanciamento dos poderes institucionais e instituídos.

Para quem tivesse dúvidas basta atentar que é o próprio presidente da ERC que assume uma tentativa desesperada de «cozinhar ou manipular a deliberação», até ao último minuto, para conseguir a unanimidade no Conselho Regulador, ou seja para manter a fachada de independência da ERC.

Neste universo de todo o tipo de golpes de rins não podia faltar uma ponta de cinismo. Ao mesmo tempo que transborda de cuidados em salvar o ministro, a ERC consegue a suprema ironia de reabrir o caminho para o segundo funeral político de Miguel Relvas, ao admitir que sexa teve um comportamento «objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional».

A deliberação da ERC é uma fraude pelo simples facto que apenas pretendeu consolidar a situação de precariedade que se vive há muito tempo nos órgãos de comunicação: a defesa do poder editorial da hierarquia. Não as condições de trabalho dos jornalistas, neste caso da jornalista, em relação ao poder político; não o do Público em relação ao governo; mas o da direcção do Público em relação aos seus jornalistas.

A ERC nunca defendeu a liberdade de imprensa e os jornalistas. Foi assim com Sócrates. Ficamos a saber que também assim é com Pedro Passos Coelho.

Agora, só falta saber o essencial: qual vai ser o futuro de Maria José Oliveira?

Certamente, a jornalista não vai passar pelos jardins de Belém e de São Bento, nem tão-pouco corre o risco de ser nomeada para presidir à ERC.

Falta pouco para todos se calarem.

A vidinha continua.

Sem comentários: