sábado, 21 de dezembro de 2013

Passos Coelho já não manda



O clima de euforia que foi criado nas últimas semanas, artificialmente, não conseguiu abafar o estrondoso chumbo do Tribunal Constitucional ao regime de convergência das pensões.

Por maior que seja a evidência, é preciso tentar compreendê-la, desde logo colocando a questão principal: por que razão Pedro Passos Coelho insiste num caminho que o povo não quer seguir e que o Tribunal Constitucional não vai permitir que seja percorrido?

A resposta é simples: O primeiro-ministro já não manda.

Só assim é possível interpretar, racionalmente, a estratégia de perdedor que o chefe do governo teima, teima, teima em tentar levar por diante, por mais tombo em cima de tombo, qual líder esgotado e sem soluções que insiste em bater com a cabeça contra a parede.

A tentativa de ganhar tempo é evidente. Porém, há uma outra razão a montante deste comportamento politicamente suicida que não deve ser escamoteada: Pedro Passos Coelho já percebeu que não vai conseguir reformar o país pelo ataque aos privilégios de uma corte demasiado poderosa e habituada a estar sentada à mesa do orçamento.

Por isso, arrepiou caminho e optou por rapar o mais possível nos mais pobres e reformados, criando a ficção que os sacrifícios são para todos.

É verdade que o primeiro-ministro já afrontou alguns poderes instalados, mas quedou-se pelos cortes de algumas migalhas nas despesas que alimentam um enorme bando de sanguessugas que ora clamam por menos despesa, ora reivindicam mais e mais apoios e subsídios nos corredores do poder.

Obviamente, o povo não é parvo. E sabe que as cócegas aos mais ricos e poderosos não são suficientes, desde logo por não respeitarem a mais elementar regra de equidade.

De facto, por melhor que seja a intenção do primeiro-ministro – e por que não presumir que ela é verdadeira? –, ele ainda não conseguiu estar ao nível da emergência que herdou.

O país já não se contenta com um líder político que insiste numa política de remendos para deixar tudo mais ou menos na mesma, em disfarçar os benefícios atribuídos a uns quantos para massacrar os mesmos do costume.

Não chega, senhor primeiro-ministro. E já nem lá vai com mais truques de comunicação, portas abertas ao dinheiro sujo dos criminosos e controlo da imprensa. Aliás, para este tipo de embuste, do presente e do passado, não faltam outros políticos.

O limite da tolerância está no fim. O país está no limiar de manter a confiança na actual maioria. Não basta prometer, é preciso agir; não basta propalar a equidade, é fundamental começar por cima, demonstrar que os mais fortes e ricos estão a contribuir mais do que os mais fracos e pobres para ajudar a sair da crise.

A mudança não pode ser cosmética. Nem pode seguir, mutatis mutandis, o exemplo desastroso do último governo, com mais ou menos fuga em frente e pé no acelerador, que acabou em negociatas diversas e na condenação à miséria de várias gerações.

Não há dinheiro para continuar a sustentar a corrupção, o favorecimento, a incompetência e a falta de estratégia de futuro. E, já agora, a transparência não se decreta com formalismos.

Ou se tem vontade para levar por diante as reformas estruturais, ou se não tem. A questão não é de tempo, mas sim de substância; não importa se leva mais ou menos ano, o fundamental é que ataque os problemas diagnosticados há décadas.

E se o primeiro-ministro de Portugal não tem a força e a capacidade para as levar por diante, então o melhor serviço que pode prestar ao país é devolver a voz ao povo, enquanto guarda o mínimo de dignidade que lhe assiste. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

A esquerda sem vergonha e a triste direita


Seja qual for o tema, a circunstância e o status social, as conversas acabam, invariavelmente, numa espécie de declaração de estado de sítio: caímos num impasse.

Portugal é assim: continuamos a viver entre a resignação e o fatalismo, com mais ou menos verniz de aparente modernidade.

A realidade extravasa a própria dimensão da actual crise. Se retrocedermos aos tempos idos do antes do 25 de Abril, da Primeira República e até ao tempo dos outros ventos do liberalismo e ao fim da monarquia, é possível constatar que, mutatis mutandi, a mediocridade dos protagonistas e o ambiente geral não eram assim tão diferentes.

Será uma doença? Uma questão genética? Não creio. Prefiro considerar que se trata da consequência natural de uma determinada estrutura instalada, há muitas e muitas décadas, que continua a ser alimentada por uma organização constitucional, política, económica, social e religiosa que se especializou em acolher a mudança, de tempos a tempos, para garantir que tudo fica mais ou menos na mesma.

Não faltam exemplos para comprovar esta inércia que, entre a violência obscurantista e os picos de lirismo patrioteiro, aviva o nosso tradicional e terrível atavismo endógeno.

O país continua esmagado por uma ordem constitucional eloquente que na realidade vale pouco; continua politicamente esborrachado entre uma esquerda sem vergonha e uma triste direita; continua vergado por uma desigualdade desumana e uma ostentação parola; continua a viver sob a capa de uma fé que continua a servir o poder e a quedar-se pelo consolo dos mais fracos.

Os portugueses assistem ao descaramento e ao populismo dos principais responsáveis pelo estado a que o país chegou; o mesmo país é confrontado por uma direita que ganhou o poder e governa com um olho na salvação nacional e o outro nos negócios, não vá o diabo tecê-las, com mais ou menos ameaças de serem corridos por quem já nem tem respeito pelos valores democráticos.

Os portugueses já não sabem para onde se virar. E o impasse continua. Lá continua, ano após ano, governo após governo, gerando a insuportável percepção, ainda que infundada, que não há diferença entre a ditadura criminosa e a democracia imperfeita.

Em termos gerais, apesar de dignas e honrosas excepções, nem mesmo a academia, a justiça e o jornalismo parecem ter capacidade para dignificarem os seus valores mais sagrados, limitando-se a fazer a encenação de sempre, o jogo do poder, incapazes de se livrarem do jugo de quem lhes paga mais, alimentando a esperança que tudo pode mudar, mas escondendo que, afinal, são eles que garantem que tudo ficará, mais ou menos, na mesma.

O impasse tem uma origem: os homens de esquerda e de direita de Portugal, os tais que ocupam o poder há décadas, abriram uma guerra fratricida por causa dos seus pequeninos interesses pessoais e partidários, sem o mínimo pejo em sacrificar os seus concidadãos. O mais grave é que,  numa vertigem de sobrevivência, ainda há quem lhes estenda a passadeira vermelha.


Vai ser necessário uma nova geração de políticos e governantes e uma opinião pública mais exigente e menos desinformada para varrer esta gente que mantém o país refém. Aliás, já nem escondem, na sua imensa mesquinhez e venalidade, a falta de convicções, ideias e projectos para o país, limitando-se a fermentar um alegado inimigo e a adoptar uma atitude que não leva, nem a eles nem a nós, a lado nenhum.

sábado, 19 de outubro de 2013

Portugal é assim: fraqueja no momento crucial



Portugal continua a ser o que sempre foi: os poderosos esmagam os mais fracos, os negócios de Estado continuam a parecer negociatas privadas e os abusos confundem-se com a justiça e a segurança.

 No essencial, pouco mudou: o país continua a fraquejar face aos grandes interesses, sejam eles quais forem, corporativos, nacionais ou estrangeiros.

Com a coligação governamental paralisada e com a oposição afundada no populismo, os últimos desenvolvimentos sobre as relações entre Portugal com Angola revelam como a classe governante continua saloia e venal; e como uma opinião pública esclarecida continua a ser uma miragem.

O país continua a viver de farsa em farsa. O processo de lavagem de dinheiro sujo em curso, uma espécie de PREC da globalização, é apresentado, subliminarmente, como se fosse a última tábua de salvação.

A realidade é bem diferente. No caso angolano, seja o dinheiro sujo ou não – matéria que está sob escrutínio da justiça em Portugal e noutros países da União Europeia, bem como nos Estados Unidos da América –, há muito tempo que os investidores angolanos aderiram à fórmula de comprar com o pelo do cão, um expediente que faz as delícias do capitalismo selvagem e das teias da corrupção.

A partir dos primeiros investimentos, sobretudo na banca, este tipo de "salvadores" mais não fazem do que usar os recursos das instituições que controlam, ou que estão em vias de controlar, para garantir financiamentos para novas aquisições, sem gastar um tostão das suas próprias carteiras recheadas, sabe-se lá como e quando.

Numa época em que o país necessita de uma grande lavagem, é caso para dizer que os branqueadores continuam a mandar; num momento em que o país precisa de credibilidade externa, é caso para dizer que continua a valer tudo; por último, quando o país precisa de afirmar a sua respeitabilidade, os órgãos de soberania cedem a interesses difusos e opacos, obviamente em nome de um interesse nacional que só eles conseguem descortinar.

De facto, não há mal-entendido nenhum entre Portugal e Angola. Nem tão-pouco desinformação. Há é falta de dignidade de Estado, de transparência institucional e de respeito pela separação de poderes.

Quando estão em causa os poderosos, sejam angolanos ou não, o mais grave é que a justiça não se dá ao respeito, optando por genuflectir, com mais ou menos suavidade, ora promovendo investigações que não têm fim – ainda que bem intencionadas, mais parecem vulgares simulações –, ora mandando, agora, calar os procuradores do Ministério Público, num gesto cedência e de humilhação pública ímpares.

Talvez, agora, seja mais fácil perceber por que razão Rui Machete, Paula Teixeira da Cruz e Joana Marques Vidal foram nomeados para os altos cargos que (ainda) exercem. Porventura, têm a extraordinária capacidade de paliar, seguindo o exemplo do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

Depois de tudo o que aconteceu, à vista de todos, continuam em funções, olimpicamente, perante uma comunicação social que, desgraçadamente, trata o assunto como mais um fait divers.

Não é por acaso que, felizmente, há uma maioria cada vez mais indiferente em relação a esta democracia formal, a um Estado tentacular que é mais percepcionado como um poço de corrupção sem fundo do que como um garante da ordem e da protecção dos mais fracos.


No actual cenário de crise, em que Pedro Passos Coelho tem feito tábua rasa dos compromissos assumidos pelo Estado, o seu maior contributo é eclodir com esta espécie de  Estado. 

sábado, 5 de outubro de 2013

Sobreviventes, mercenários e o resto



As autárquicas confirmaram as expectativas daqueles que não querem nem têm de obedecer ao pensamento único.

Por muito que o establishment disfarce, a abstenção e os votos em branco e nulos atingiram os 54,22%, revelando uma atitude de indiferença dos eleitores, quiçá de protesto.

A enfermidade do regime democrático português é evidente, confirmando que a crise portuguesa está a montante das economia e das finanças públicas.

Não é por acaso que os vencedores branquearam o divórcio entre a política e os cidadãos; não é por acaso que Rui Machete disse o que disse e continua em funções; não é por acaso que  aqueles que se calaram face às pressões nos casos Freeport e voos da vergonha da CIA, entre outros, agora pedem a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros; e não é por acaso que as cerimónias do 5 de Outubro registaram os assobios no momento dos discursos e do içar da bandeira nacional.

Além dos sobreviventes e dos mercenários, que têm condenado o país ao subdesenvolvimento e à miséria, começou a emergir o resto que pode fazer a diferença, corporizado pelos candidatos independentes que conquistaram a presidência de 13 câmaras municipais, mais seis do que em 2009.

A eleição de Rui Moreira, no Porto, merece o maior destaque, pois evidenciou um sinal de esperança no fim do diktat dos partidos políticos alimentado pelas teias de corrupção e pela impunidade garantida por uma justiça cada vez mais atolada nas suas reformas de papel.

Ninguém pode ignorar que alguns destes "independentes" não são mais do que militantes desavindos com os respectivos partidos, pelo que ainda é prematuro afirmar que o país enviou um sinal suficientemente forte para obrigar as direcções partidárias a uma profunda reforma interna.

Apesar de a taxa de abstenção em vários municípios ter ultrapassado os 60%, os resultados eleitorais de domingo passado estiveram longe do terramoto que poderia acelerar a indispensável reforma do sistema político, eleitoral e partidário.

O caminho a seguir é óbvio: reforçar o escrutínio dos governantes e autarcas e aprofundar a cobertura política e partidária de forma a poder informar com mais rigor um número de pessoas cada mais maior.

Para alcançar este desígnio, um dos mais importantes do regime democrático, é indispensável que as instituições de controlo funcionem. E, sobretudo, que os jornalistas tenham condições para trabalhar, sem a ameaça permanente de desemprego, sem pressões abjectas e com condições para manter independência face aos mais diversos poderes instituídos e fátuos.

O que se passou, à vista de todos, a propósito da cobertura da campanha eleitoral das autárquicas, foi muito mais do que o atestado que faltava para comprovar a fragilidade do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o silêncio cúmplice de alguns dos outros líderes partidários.

Em bom rigor, a grosseira violação da lei por parte das televisões pública e privadas roçou o insulto a todos os portugueses, desde logo por ter ocorrido fora do tempo e por prejudicar a informação e o debate.

As reacções corporativas, por convicção ou interesse, para servir a maioria no poder, beneficiar uma certa oposição ou salvaguardar interesses próprios, não leva o país a lado nenhum. Sem equidade no tratamento editorial dos grandes e pequenos partidos, das grandes e pequenas cidades, o resto, a tal minoria de "independentes" que foi a jogo, indispensável para forçar a mudança em Portugal, dificilmente poderá vingar e crescer.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eleições autárquicas 2013: a escolha da abstenção



O actual clima bafiento pode dar origem a uma resposta histórica dos portugueses nas próximas eleições. Porventura, chegou o momento de mostrar o cartão vermelho à corrupção, à incompetência, à falta de cultura democrática e respeito pelos valores da ética republicana.

Pedro Bacelar de Vasconcelos, no artigo de opinião intitulado o "Voto é nosso", sublinha que «temos a obrigação de fazer ouvir a nossa própria voz para que outros não se arroguem o direito de falar em nosso nome ou que o silêncio seja interpretado como desistência ou rendição».

A perspectiva do constitucionalista é legítima, mas não é a única.

Face ao panorama político e partidário dos últimos anos, que levou à crise brutal, os portugueses têm o direito de manifestar a sua indignação de uma outra forma, tão legítima como qualquer outra.

Se não há confiança nos candidatos e nos partidos políticos que representam, incluindo os da maioria que governa o país, então a abstenção pode ser uma opção de liberdade, consciente e responsável.

O voto de protesto já não corresponde à penalização dos partidos que estão no poder e à escolha de quem está na oposição, pois a alternância democrática dos últimos anos provou que o regime entrou há muito tempo num beco sem saída.

Ainda que os elevados índices de indiferença da parte dos eleitores não sejam um bicho-papão para a generalidade da classe política, como comprova a indiferença de Aníbal Cavaco Silva em relação ao facto de ter sido eleito por menos de metade dos portugueses, a verdade é que uma elevada taxa de abstenção pode ser um forte sinal de alerta que não pode ser escamoteado ou abafado. E mais: é um factor, como qualquer outro, que contribui e fomenta o debate.

A leitura dos resultados do próximo Domingo não passa apenas pela vitória em número de presidentes de Câmaras, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia; não se limita ao triunfo deste ou daquele autarca mais mediático; também não começa e acaba na eleição de candidatos mais ou menos independentes; nem mesmo a percentagem deste ou daquele partido tradicional esgota a importância da noite eleitoral.

Por mais que se tente iludir a inevitável leitura nacional dos resultados, tentando fazer esquecer a demissão de António Guterres, em Dezembro de 2001, depois de uma derrota estrondosa dos socialistas, o número de eleitores que vão marcar presença nas urnas assume uma importância decisiva num momento em que o país vive uma situação dramática, em que milhões de portugueses estão a ser abandonados à sua sorte.

As sucessivas eleições e a escolha de várias combinações de partidos políticos não estiveram à altura da exigência dos grandes desafios de Portugal. Chegou a hora dos políticos e dos governantes perceberem que a Democracia não é uma questão de fé, não é um dogma. Ela existe para servir os cidadãos e não para se servir dos cidadãos de uma forma mais ou menos descarada.

Desde 1975, nunca os valores da abstenção e dos votos nulos tiveram tanta importância e significado. Porventura, a classe política precisa de um terramoto eleitoral através da abstenção para mudar, para enveredar por caminhos e opções mais responsáveis e transparentes, para compreender que os portugueses estão fartos dos mesmos jogos políticos de bastidores, para interiorizar que os cidadãos merecem ser tratados com respeito.


A taxa de abstenção é a grande incógnita das eleições de 29 de Setembro. Em jogo estão duas fasquias: os 41% das autárquicas de 2009 e os 53,37% das presidenciais de 2011.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Pedro Passos Coelho condenado?




Os mais recentes indicadores apontam para uma ténue recuperação da economia e para a sobrevivência da maioria política que governa o país.
                                
À beira de entrar na campanha eleitoral para as autárquicas, que as principais televisões querem reduzir a uma passerelle de “notáveis”, quem segue a informação escrita e falada não poderia ter ficado mais surpreendido com estes dados que valem o que valem, mas que deveriam merecer a maior ponderação dos partidos políticos da oposição parlamentar, nomeadamente do Partido Socialista.

Não obstante os ex-governantes “chocados” com as medidas governamentais e demais populistas que se limitam a chafurdar na onda mediática, como é possível que o PSD e o CDS-PP mantenham índices tão elevados junto dos portugueses?

O país está farto de assistir aos palpites de quem cavou a crise; e já não tolera mais o radicalismo de uma oposição que está mais interessada em regressar ao poder a todo o custo do que em defender os interesses dos portugueses.

O passado revela que são os governos a perder as eleições, não são as oposições a vencê-las. Todavia, com a crise, tudo mudou. Os portugueses já não acreditam neste sistema partidário, nos partidos do chamado “arco da governação”, numa Constituição de fachada que distingue os funcionários públicos dos trabalhadores do sector privado.

No momento em que a troika voltou a aterrar em Portugal, António José Seguro deveria antecipar os riscos de adoptar uma atitude de crítica pela crítica; deveria saber o preço a pagar por se deixar confundir com alguns dos seus compagnons de route; e deveria ponderar os custos da colagem ao extremismo do PCP e ao Bloco de Esquerda.

Num país intervencionado, dependente dos credores externos, a acção do maior partido da oposição não pode ser feita da mesma forma que num país soberano e independente. Porventura, os resultados das próximas eleições autárquicas ajudarão o líder socialista a percebê-lo. Só resta saber se já não será demasiado tarde.

Ao insistir na demagogia fácil, de tudo prometer, e na recusa de assumir os erros do passado, com base na ingenuidade que o marketing político tudo fará esquecer, os socialistas dão sinais que ainda não estão preparados para regressar ao poder. O mais grave é que permitem que a maioria, que já deu bastas provas de impreparação, desnorte e falta de coesão, continue a ter condições para liderar o país, face a uma alternativa que está mais concentrada nos acertos de contas e nas tricas internas do que em preparar um caminho alternativo sério e fundamentado.

Ninguém pretende que o PS abrace uma espécie de união nacional. Nem tão-pouco é admissível esperar que renegue aos seus princípios. O que os portugueses esperam do PS é uma atitude consentânea com as suas responsabilidades no estado em que deixou o país e, sobretudo, que ajude o Governo e a troika a aceitar um plano de recuperação razoável e justo.

 Neste momento, e passados mais de dois anos da eleição de um novo Governo, Pedro Passos Coelho está condenado a manter o poder?

A resposta cabe aos portugueses quando forem chamados a votar em 2015, mas tudo depende de uma nova atitude da oposição, designadamente do PS. E das duas uma: ou António José Seguro e os socialistas ajudam o país a sair da crise, poupando os portugueses a mais sacrifícios desnecessários, ou então serão ambos responsabilizados por contribuir para a sustentação de um Governo que confunde a inevitável austeridade com a governação sustentada por um discurso cada vez mais politicamente mesquinho. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Portugal é assim: o país em constante risco



O primeiro-ministro está determinado a enfrentar qualquer obstáculo à estratégia que traçou para a governação.

Confortado pelos últimos indicadores económicos, Pedro Passos Coelho, no discurso do Pontal, versão de 2013, avançou de peito aberto para qualquer eventual contrariedade, dramatizando a situação económica e financeira para deixar todo o tipo de recados aos portugueses, aos juízes do Tribunal Constitucional, aos membros do Governo e até aos partidos da oposição.

Pedro Passos Coelho não deixou quaisquer dúvidas sobre as suas intenções, mas será que tem autoridade pessoal e política para continuar a governar como se nada se tivesse passado nos últimos dois anos de governação?

A resposta é: sim!

Enquanto o maior partido da oposição viver em permanente delírio e refém dos homens do passado que atiraram o país para o desastre, a divisão no seio do Governo, a cedência ao clientelismo partidário, a distribuição desigual dos sacrifícios e os fumos de corrupção não serão suficientes para derrubar o Executivo.

As últimas sondagens, mesmo no pico de uma crise política imprevisível, revelam que o PS apenas consegue uma pequena vantagem em relação ao PSD, mas muito longe da maioria absoluta. Ou seja, será que alguém de bom senso pode acreditar na robustez de uma alternativa socialista quando os principais rostos que dão a cara pelo actual secretário-geral são precisamente aqueles que foram corridos do poder em 2011?

É claro que não!

Afastados os cenários de entendimento entre os três maiores partidos e de eleições antecipadas, os portugueses ficaram entalados entre a governação incapaz e a alternativa desacreditada.

É neste quadro dantesco, agravado pela crise económica e financeira, que surge a ameaça da desistência, da indiferença, da abstenção, consequência natural da perda de confiança no Governo e das dúvidas em relação ao maior partido da oposição.

Por muita tolerância que se possa ter em relação à maioria no poder, por causa do protectorado em que o país mergulhou, a verdade é que os sucessivos falhanços, as constantes trapalhadas, as permanentes hesitações e as consecutivas intrigalhadas evidenciam o esgotamento de Pedro Passos Coelho.

Por sua vez, por muita esperança que se possa ter na alternativa, a verdade é que António José Seguro perdeu a capacidade mobilizadora e não consegue libertar-se das sombras do passado que, aliás, continuam a ser os rostos do líder e do partido em público.

Por mais que a troika se vá embora e que o país regresse aos mercados, tudo indica que Portugal continuará a manter os mesmos estrangulamentos a montante de todos os seus problemas conjunturais. Com este ou outro Governo qualquer, enquanto a democracia portuguesa não amadurecer, promovendo um combate implacável contra a corrupção, o nepotismo e a impunidade, nada mudará para melhor.

O enorme pântano em que o país está transformado há várias décadas está a dar lugar a um imenso deserto, onde escasseiam as novas ideias, os novos protagonistas, a confiança, a transparência, a competência, o serviço de missão e, sobretudo, a esperança num futuro melhor.

Ainda que alguns tenham a expectativa que a troika nos obrigue a fazer à bruta o que esta classe política nunca será capaz de fazer por mote próprio e com tempo, Portugal está numa encruzilhada que ultrapassa a recessão económica, a questão do défice e o desemprego.

É preciso olhar para o país com um horizonte de pelo menos uma década. Se não for possível fazê-lo em Democracia, então Portugal continuará a ser o país em constante risco.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Preparados para a corrida ao Multibanco?



O desafio presidencial de sentar à mesa das negociações o PSD, o PS e o CDS/PP, que têm responsabilidades directas no actual caos, teve a vantagem de clarificar a situação e de demonstrar, definitivamente, que o país continua a ser dominado por lógicas partidárias e de facção que continuam a chafurdar nos seus interesses pequeninos.

Até a bizarria constitucional inventada por Cavaco Silva, de marcar eleições antecipadas a prazo, a partir de Junho de 2014, tem o mérito de, aparentemente, dar um sinal à sociedade civil para se começar a organizar e fazer emergir novas forças partidárias, permitindo renovar o espectro partidário e reconquistar a confiança dos portugueses.

O problema é que o país regressou ao impasse de 2011: o governo está paralisado, o primeiro-ministro está desacreditado e a dependência do crédito externo é total.

Se há dois anos havia uma maioria que tinha esperança na alternativa proposta pelo PSD, de Pedro Passos Coelho, actualmente ninguém pode ignorar que há uma desconfiança generalizada em relação às propostas inconsistentes de António José Seguro.

A conclusão é linear: faltam políticos com autoridade, com credibilidade, com competência, com capacidade de compromisso e com consciência dos terríveis sacrifícios que estão a impor aos portugueses.

Paradoxalmente, o cimento que conseguiu manter em pé este edifício à beira do colapso tinha um nome: Vítor Gaspar. A partir do momento em que o ex-ministro das Finanças bateu com a porta, farto de politiquices, tricas e jogos de bastidores, o governo começou a desmoronar e ficaram à mostra as velhas feridas da República.

Em qualquer situação problemática, a solução passa sempre por identificar e enfrentar o problema. Foi isso que Cavaco Silva fez. Ainda que seja prematuro fazer um balanço final sobre os últimos acontecimentos, o desacordo entre os três partidos revelou que estamos, irreversivelmente, no caminho da Grécia.

E agora?

A imediata realização de eleições antecipadas é a solução formal mais evidente. O calendário eleitoral, com as autárquicas em Setembro, até ajuda. Mas para quê? Para a eleição de um governo socialista que apresenta as mesmas caras e as mesmas soluções que nos conduziram ao abismo? Para a repetição de uma maioria de direita cujos líderes já demonstraram que não estão à altura das suas responsabilidades? Para a tentativa de fazer uma alternativa de esquerda em que reina a total demagogia e confusão programática? Para a reedição de um novo governo do Bloco Central que está na origem do pântano em que o país se transformou?

Com estas instituições, com estes partidos, com estes líderes, com esta classe política, com estes ressabiamentos pessoais e mesquinhos que continuam a condicionar a Democracia, então podem realizar as eleições que quiserem que o resultado tende a ser sempre o mesmo: o desastre.

Resta aguardar pelas soluções jurídico-constitucionais que o presidente da República prometeu no caso de falhar o "compromisso de salvação nacional". E, sobretudo, esperar que elas apontem para a convocação urgente de uma nova geração que ainda tem as mãos limpas.

Em Democracia há sempre uma porta de saída. Só falta saber onde vai dar, pois o momento é de uma gravidade extrema. E a paciência dos portugueses tem limites, mais não seja por terem sido obrigados a mais este triste espectáculo e por estarem a sobreviver em condições muito duras.

A propósito: preparados para a corrida ao Multibanco?

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Portas, Passos, Cavaco e elites: e agora?


 Do lado de fora do poder, o jornalista Paulo tentou mudar o país com trabalho e irreverência; à medida que o tempo foi passando, o político Portas foi fazendo um caminho com mentirolas oportuníssimas; hoje, o governante Paulo Portas, cada vez mais instalado na máquina do poder, passou a ser confundido com o sistema na sua dimensão mais medíocre e venal.

A demissão "irrevogável" do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi clarificadora: com a visão instrumental que o impede de passar da lógica de poder à lógica do serviço, Paulo Portas até pode continuar a ressuscitar politicamente, insistindo no mesmo "catecismo", mas deixou de fazer parte da esperança, passou a engrossar o pelotão da desilusão, entre tantos e tantos outros ministros, primeiros-ministros e presidentes da República.

A crise política em que o país mergulhou é o espelho de uma nova geração de governantes que replica o que foi feito anteriormente, apesar de todas as encenações, ou seja, segue a cartilha do vale tudo para conquistar, exercer e manter o poder.

O penacho passou a ser o exemplo de referência, com mais ou menos exibição parola, com mais ou menos mordomia, com mais ou menos legitimação à custa de uma visibilidade fabricada e às vezes rasca; e a impunidade passou a ser um atestado de força e influência, palavra a palavra, acordo a acordo, peão a peão, negociata a negociata, notícia a notícia.

Sejamos claros: a crise institucional não foi desencadeada por causa de mais ou menos austeridade, nem tão-pouco pela escolha deste ou daquele ministro, mas sim pelo reequilíbrio de forças entre o Estado e alguns centros de poder que permanecem totalmente indiferentes às necessidades dos portugueses.

Há mais de 30 anos que a estabilidade de fachada e a dança de cadeiras é apresentada como a única solução. Não terá chegado a hora de promover e dar uma oportunidade às elites que não estão conspurcadas pelo manto de lixo que envolve o sistema que tem hipotecado país?

Sair por sair, não é construtivo; ficar por ficar, não acrescenta rigorosamente nada. A sobrevivência do actual governo, seja qual for a sua recomposição, está minada pela quebra do elo de confiança com os portugueses e os credores externos.

O país vive desesperado e em agonia por três razões fundamentais: o entendimento do exercício do poder, a composição do espectro partidário e a qualidade da cidadania. Por isso, para mais do mesmo, face a entendimentos precários e de última hora, a melhor resposta é dar um sinal de confiança a todos aqueles não se deixaram iludir e condicionar pelos salões do poder que estão tão distantes do povo que já nem conseguem disfarçar as suas próprias idiossincrasias.

Ninguém tem dúvidas sobre a urgência de líderes com competência, de políticos sem ligação a quem nos atirou para o abismo e agora para o caos e de governantes com capacidade, seriedade e dignidade para dar prioridade ao interesse colectivo em detrimento das clientelas e de interesses particulares.

Se não for dada uma oportunidade a esta nova energia, se não for aberta a porta a novos rostos que tenham respeito pela miséria e o sofrimento do povo, então só resta pagar a factura que decorre da teimosia em acobertar os infractores do costume e continuar a viver à mercê das imposições determinadas no exterior.

O paradoxo do regime atingiu o limite. Portas, Passos Coelho, Cavaco e o que resta das elites com as mãos limpas não podem fugir, durante mais tempo, às suas responsabilidades. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

E depois de Vítor Gaspar?



Os sucessivos sinais de fragilidade política de Pedro Passos Coelho e os termos da carta de demissão de Vítor Gaspar indiciam que o país poderá mudar de rumo, passando a trilhar um caminho mais simpático em termos de opinião pública e até com potencial para poder fazer renascer os estafados pactos de regime entre PSD, PS e CDS/PP tão ao gosto presidente da República.

A confirmar-se este cenário, importa relançar, desde já, o debate sobre a principal questão de fundo: Quem tem ganho com a estratégia de mais investimento público e de mais apoios estatais ao sector privado?

Políticos, patrões e sindicalistas, numa estranha aliança, têm multiplicado os pedidos de mais dinheiro do Estado para a economia e mais afago ao sector privado, sem nunca terem manifestado a mínima preocupação em fazer o balanço da produtividade de décadas de investimentos públicos politicamente criminosos e de sucessivas linhas de crédito bonificado para os mesmos destinatários de sempre.

O mais extraordinário é que este tipo de reivindicação, ora de fato e gravata, ora de mangas arregaçadas, é apresentada como se os recursos do Estado proviessem de uma fonte inesgotável, sempre com base num raciocínio simplista: se não há dinheiro, então pede-se emprestado ao exterior.

Nas últimas décadas, a cartilha do investimento público e a estratégia de incentivos e subsídios às empresas tiveram um resultado conhecido: em termos médios, Portugal registou indicadores miseráveis, não obstante o país ter beneficiado de muitas dezenas de milhar de milhões de euros de fundos comunitários.

Sejamos claros: o pedido de assistência externa não foi mais nem menos do que a consequência de anos e anos de dinheiro atirado para cima da economia, sem uma estratégia a médio e longo prazo, beneficiando uma superestrutura unida pela cor do dinheiro, servindo objectivos políticos e partidários e fomentando o mais iníquo dos impostos: a corrupção.

O mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) não deixa quaisquer dúvidas em relação à falta de vontade política para aplicar a legislação sobre a corrupção transnacional e as sucessivas recomendações para travar um fenómeno que continua a condenar os portugueses à miséria. E vai mais longe, identificando que Portugal tem ligações importantes com países considerados de alto risco em termos de corrupção, como Angola, uma conclusão que estilhaça o actual muro de silêncio interno sobre os investimentos angolanos, sobre os quais têm feito falta opiniões firmes e credíveis e até um jornalismo mais independente.

A remodelação do ministro das Finanças não é o fim do mundo. O que pode ser preocupante é o facto de ter caído o único governante a quem era reconhecida, interna e externamente, a competência, a seriedade e a independência para mudar o status quo que tem hipotecado o futuro de Portugal.

Dois anos após a tomada de posse do XIX governo constitucional, o país caiu, novamente, na incerteza, embora as opções que estão em cima da mesa continuem a ser as mesmas de 2011: ou relançamos a actividade económica, com base numa regulação competente e credível, numa concorrência efectiva e transparente, num sistema fiscal justo e competitivo e numa justiça moderna e eficiente, ou voltamos ao passado, com mais propaganda e circo, consolidando a enorme nebulosa que continua a envolver as relações entre o Estado e os privados, em suma, abrindo caminho a um novo desastre.

Não há ninguém insubstituível em Democracia. Resta saber se a substituição de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque não é a abertura da caixa de Pandora.


sábado, 25 de maio de 2013

Portugal é assim: o país dos legalistas de ocasião


As suspeitas generalizadas sobre a classe política, a falta de credibilidade das instituições e o abandalhamento do regime estão a provocar há muito tempo o crescimento de uma onda de repulsa, transversal a toda a sociedade, em relação aos detentores de cargos políticos.

Não obstante este sentimento colectivo – que não se confunde com o desespero em relação à austeridade, pois é muito mais profundo, enraizado e sentido –, poucos têm sido aqueles que têm prestado a devida atenção ao léxico do debate público, às declarações sobre os representantes dos órgãos de soberania e aos insultos veiculados nas últimas manifestações.

Vale a pena reflectir sobre esta conjuntura, no momento em que o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, apresentou uma queixa na procuradoria-geral da República por causa de uma opinião de Miguel Sousa Tavares, que o comparou a Beppe Grillo, ou seja, a um palhaço.

É-me completamente indiferente saber se o jornalista ofendeu involuntariamente ou deliberadamente o presidente da República, ou mesmo se as suas declarações violam o número 1 do artigo 328º do Código Penal – «Quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa». Essa é uma questão que deve ser analisada no momento certo e em sede própria.

O que realmente me importa, hoje como ontem, é saber se o direito à liberdade de opinião continua a fazer parte do ADN da Democracia portuguesa; e se os cidadãos, jornalistas ou não, ainda têm o direito de criticar os governantes, ou melhor, mutatis mutandis, se estamos perante a possibilidade de regressar ao delito de opinião, público ou privado, e a episódios grotescos como aqueles que envolveram Fernando Charrua ou o estudante universitário que repetiu o que o povo dizia sobre Miguel Relvas.

Num país em que milhares de manifestantes chamam "ladrões", "gatunos" e "vigaristas" ao presidente da República, ao primeiro-ministro e demais altas figuras do regime, sem que se tenha vislumbrado qualquer assomo de defesa da honra da parte dos visados, a qual implicaria a imediata demissão/exoneração/renúncia, só faltava que a comparação de um político à digna profissão de palhaço permitisse ao establishment o descaramento de o considerar um insulto de lesa-majestade, elegendo assim um bode expiatório, porventura para tentar travar a verbalização da repugnância generalizada em relação aos detentores do aparelho do Estado.

O Ministério Público pode abrir um inquérito a propósito das declarações de Miguel Sousa Tavares ou de qualquer outro cidadão, mas não há justiça, com ou sem critérios selectivos, que seja capaz de abafar a indignação dos portugueses, sobretudo no momento em que a esquerda e a direita, os ricos e os pobres, as elites e o povo convergem num ponto tão concreto quanto perigoso: o descrédito das instituições.


É nestes momentos que os defensores do direito à liberdade de expressão, mesmo quando ela roça algum eventual desprimor, têm de marcar presença no debate, não podem vacilar em relação a qualquer tipo de acção selectiva, em suma, não podem ceder ao discurso hipócrita do mainstream e aos legalistas de ocasião, caso contrário, um dia, ainda se arriscam a ter de voltar a enfrentar um político, profissional ou não, determinado a tentar usar a lei para proibir a divulgação do que os portugueses pensam, dizem e chamam àqueles que elegeram para governar.

sábado, 18 de maio de 2013

Portugal é assim: faltam mais homens livres



Ao longo das últimas semanas, a falta de argumentos racionais e credíveis dos "suspeitos" do costume, que passaram a liderar a informação política, permitiram a orquestração de uma campanha perigosa, como se fosse possível, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, que governantes adoptassem medidas com o intuito deliberado, quiçá gozo, de fazer sofrer o povo.

Ultrapassámos o grau zero da política. O debate público, o exercício do contraditório e o calor da oposição não podem ser feitos a partir da sede do poder e dos interesses pessoais, mesquinhos ou corporativos.

A política está transformada numa amálgama indigente e abjecta, com a agravante de sujar indiferenciadamente quem nela participa, face à ausência do escrutínio rigoroso e independente da comunicação social, cada vez mais transformada numa correia de transmissão de todas as jogadas, das mais limpas às mais sujas, das mais acéfalas às mais elaboradas, das partidárias às empresariais.

É verdade que é cada vez mais difícil aceitar as últimas trapalhadas governamentais, mas reduzir o desnorte, a incompetência e a intriga palaciana a uma espécie de sadismo compulsivo roça o foro psiquiátrico.

Para quem tem interesse em mudar de vida, em escolher novos caminhos, em garantir um país com um futuro melhor, certamente existe a necessidade de contrariar a actual fuga vertiginosa ao debate racional, que não nos leva a nenhum lado.

Não é possível relançar o país com os "velhos" protagonistas e dificilmente poderemos alcançar uma nova energia mobilizadora com base numa opinião pública intoxicada pelos responsáveis pelo estado a que chegámos.

Enquanto não houver uma consciência política e social da necessidade de varrer esta gente, Portugal continuará a arrastar-se no pântano, com mais ou menos folclore à mistura, da direita e da esquerda.

O erro não está na escolha de uma nova geração de governantes, mas na triste constatação que eles, afinal, pautam as suas decisões pelos mesmos parâmetros dos seus antecessores. E, por isso, não conseguimos sair deste impasse – em que o Governo está à beira de cair quase a um ritmo semanal –, com o futuro do país comprometido durante as próximas décadas.

É preciso assumir a realidade, não vale a pena disfarçar o óbvio. Se o Governo está moribundo, então é chegada a altura de dar a palavra ao povo. Não há que ter medo da alternativa. Quem vier a seguir, se não estiver à altura da sua missão, então o povo voltará a ser chamado. Em Democracia, é assim.

Pactuar com o faz-de-conta e dar ouvidos a quem sempre serviu os lóbis do bloco central tem um custo elevado. Ele está à vista. E não foi por falta de maiorias e da tal propalada estabilidade. Muito pelo contrário.

A crise está instalada. E as aventuras passadas têm responsáveis identificados. Não vale a pena tentar reescrever a história, nem prometer soluções falsas ou de duvidosa implementação. Nem tão-pouco fugir, infantilmente, ao assumir das consequências.

A teorização do "terrorismo social", para explicar os erros da governação de Pedro Passos Coelho, é uma forma simplista e politicamente cobarde de evitar o ataque ao cerne do problema, que se resume à idiossincrasia salazarenta de um povo que continua a tolerar este status quo caracterizado pela aparência, pela mediocridade e pela corrupção.

Infelizmente, continua a ser bem mais fácil e confortável olhar para o lado ou inventar "papões", mais ou menos delirantes. Portugal é assim: faltam mais homens livres, com capacidade para enfrentar a realidade.

sábado, 20 de abril de 2013

Consenso ou regresso ao passado?



A credibilidade de governantes e políticos diminui à medida que a sociedade agoniza. Entretanto, a palavra crescimento voltou a ocupar o espaço mediático, como se fosse simples resolver todos os problemas acumulados ao longo de décadas.

No momento em que encalhámos na sétima avaliação da troika, vale a pena tentar perceber o que esconde esta quimera que une os incautos, os oportunistas e os demagogos.

É preciso olhar para o passado: o crescimento do PIB foi sempre inferior a 3% nos últimos doze anos, tendo registado um enorme tombo a partir de 2008. A relevância destes números tem um significado muito importante porque as bateladas de dinheiro da União Europeia facilitaram a tentativa de alavancagem da economia através do investimento público.

Durante este período, em que todos os desvarios foram permitidos, alguns dos quais deveriam ser tratados como meros casos de polícia, a dívida pública dobrou, tendo começado a atingir limites obscenos a partir de 2005.

Estes indicadores revelam uma conclusão indesmentível: o crescimento à custa do investimento público desenfreado e de mais e mais endividamento não passa de uma aventura criminosa, que, aliás, nos conduziu à actual situação.

Também importa observar quem ganhou mais com esta andança frenética de despejar milhões e milhões sobre a economia. A resposta está à vista de todos: uma meia dúzia de grupos económicos engordaram à mesa do orçamento, alimentando um sector financeiro imprudente e capaz de tudo para aumentar os dividendos, sem que as PME's tenham sido devidamente apoiadas.

É preciso denunciar que o rei vai nu, no momento em que o governo prepara com uma mão mais cortes e com a outra mão uma espécie de plano de crescimento económico.

Não é suficiente diabolizar a troika. Também não basta fazer meia dúzia de investimentos faraónicos para alterar alguns agregados económicos e financeiros. Em síntese: já não basta brincar com as estatísticas para esconder as teias de corrupção que sustentam os mesmos de sempre.

É preciso dizer que não há soluções instantâneas e milagrosas, neste momento crucial do país. Para sair dos cuidados intensivos, temos de exigir o que devia ter sido feito desde o primeiro momento em que Pedro Passos Coelho assumiu a liderança do XIX governo constitucional: acabar com os privilégios, domesticar o sector financeiro e os grupos económicos e obrigar a governação a adoptar um comportamento transparente, responsável e democrático.

Os três pilares da solução estão diagnosticados há décadas. Só falta vontade política para os implementar. Não em um, dois ou três anos, não à custa de sacrifícios incompreensíveis de apenas uma geração, mas com tempo, competência e a força de um caminho seguro. Tudo o resto é conversa fiada, paleio de corrupto que quer ser tratado com o respeito que não merece.

A questão não é moral ou doutrinal como continuam a propalar alguns cínicos que só se lembraram da defesa do Estado Social quando saíram do poder.

No momento em que o Governo se prepara para anunciar novas medidas, é preciso afirmar que o crescimento nem se alcança com facilitismos, nem com doses de austeridade cavalares, que colocam um povo inteiro à beira do colapso.

Para almejar sair do buraco para onde os portugueses foram atirados, por meliantes sem um pingo de vergonha, é preciso aprender com os erros do passado e, sobretudo, resistir aos cantos das sereias, estejam elas à vista ou com um pé sempre atrás da moita. 

sábado, 6 de abril de 2013

António José Seguro: encontro com a história



O líder socialista conseguiu.

O caminho percorrido permitiu-lhe atingir cinco objectivos: a liquidação da credibilidade do governo; a fragilização da autoridade do primeiro-ministro; a pacificação do seio do PS; a redução dos seus rivais a comentadores televisivos; e a abertura da porta a um novo governo socialista.

Fruto da sua longa experiência partidária, Seguro conseguiu demonstrar a falta de credibilidade da equipa governamental, ora dando-lhe a mão no início, ora cobrando os insucessos gritantes no momento certo.

Com uma estratégia ousada, cavalgando divisões e sucessivos erros da maioria, Seguro conseguiu fragilizar a imagem de Pedro Passos Coelho e apresentar uma moção de censura no momento em que este perdeu o seu braço-direito.

Com uma habilidade notável, Seguro conseguiu pacificar o partido despedaçado por alguns dos responsáveis pelo desastre que obrigou o país a pedir assistência externa, esvaziando progressivamente quem ainda não aceitou a derrota de 2011.

Com uma ponta de calculismo, Seguro conseguiu acantonar os seus principais rivais nas cadeiras de comentadores das estações de televisão, colocando-os na obrigação de lhe dar cobertura política.

Chegados aqui, é preciso sublinhar que, para já, erraram todos aqueles que lhe vaticinaram um papel de transição. Aliás, ninguém conseguiu adivinhar que, passados dois anos da substituição do pior governo socialista de sempre, António José Seguro conseguisse a proeza de estar à beira de chegar a primeiro-ministro.

O sucesso é inegável, mas ainda falta o sprint final.

António José Seguro pode ser um dos candidatos a primeiro-ministro mais preparados de sempre, mas ainda tem de provar que reúne todas as condições para assumir uma tarefa tão hercúlea. Para isso, tem de aproveitar o caminho aberto de par em par, apresentando as linhas-mestras de um projecto alternativo. E mais: tem de começar a revelar os nomes da equipa que vai liderar, de forma a convencer os portugueses que o mais recente equívoco chamado Pedro Passos Coelho não voltará a ser repetido.

Nos próximos tempos, dois factores vão ser decisivos: por um lado, a demissão de Miguel Relvas vai obrigar a uma clarificação sobre a real capacidade do primeiro-ministro para continuar a liderar o governo; por outro, a decisão histórica do Tribunal Constitucional vai acelerar o jogo político de tal forma que já todos admitem o desfecho há muito anunciado: a queda do XIX governo constitucional.

Com um presidente da República esgotado e refém do passado, sempre mais preocupado em manter as aparências do que salvar o país, as eleições legislativas antecipadas são inevitáveis, mais dia menos dia, mais mês menos mês, mais ano menos ano.

O vento está a favor do líder socialista. Mas a solução não se alcança com improvisos, demagogias e rostos do passado, por mais truques, retoques de marketing e encenações grotescas.

Há cerca de um ano, afirmei: «Não falta futuro a António José Seguro, mas sim coragem política para definir claramente o caminho para reconquistar a credibilidade perdida do PS».

Ora, chegou o momento, precisamente, do encontro de António José Seguro com a história.

Face a um primeiro-ministro que deixou de ter álibis para mais falhanços e trapalhadas, das mais infantis às de Estado, basta ao líder socialista manter o rumo, ter mão firme e evitar cair na tentação de branquear os erros passados dos socialistas, em suma, ter o carácter de não tentar enganar os portugueses com mais falsas promessas.

sábado, 23 de março de 2013

Portugal é assim: um caldeirão de jogadas


  
O eventual regresso de José Sócrates a um espaço de opinião é notícia, sobretudo para quem defende a liberdade de expressão e recusa qualquer tipo de censura, mesmo sobre aqueles que se destacaram por perseguir e caluniar os jornalistas.

No actual quadro, em que políticos no poder e ex-governantes enxameiam o espaço público, qualquer critério discriminatório em relação ao ex-primeiro-ministro socialista só tornaria a realidade portuguesa ainda mais ímpar.

Dito isto, impõe-se uma pergunta: qual será o motivo de tanto interesse por este tipo de personalidades?

A resposta é múltipla, mas pode ser resumida por Portugal estar transformado num imenso caldeirão de jogadas.

O tráfico de influências não é um exclusivo da política e dos negócios. Há muito tempo que a comunicação social está cercada por um pântano de traficâncias.

Neste jogo, em que cabem todo o tipo de jornalistas, os que resistem, os assim-assim e os que passaram pelas assessorias do poder, as negociatas não têm fim: candidatos a qualquer coisa são promovidos, ex-governantes são recuperados, estratégias inconfessáveis são favorecidas e interesses extra editoriais são acautelados.

Minada pela concentração e pela crise, a comunicação social tem vindo a abdicar da opinião livre e independente, permitindo todo o tipo de branqueamentos e alguns dos mais surrealistas momentos de análise e comentário.

Será que esta estratégia instrumental tem concorrido para uma opinião pública melhor informada?

As quedas vertiginosas nas audiências das televisões, rádios e jornais não enganam: os cidadãos estão fartos destes jogos de bastidores, nomeadamente da insuportável turbo-opinião.

Salvo raríssimas excepções, esta realidade apenas tem contribuído para a mediocridade da informação.

O escrutínio não pode ficar cingido à dança de cadeiras entre o poder político e as empresas públicas e privadas, tem de ser alargado a este baile de máscaras pindérico em que o jornalismo está enredado.

O pluralismo não é uma questão de equilíbrio entre o número de representantes dos partidos políticos, mais ou menos encapotados, pertençam eles ou não ao arco da governação.

A questão pode ser subjectiva, mas ninguém tem dúvidas sobre o que é a opinião livre e independente, pois ela nasce e vive fora do sistema, incomoda o poder, não alinha no coro dos interesses mesquinhos, corporativos e dominantes e, sobretudo, nunca pode estar ao serviço de interesses próprios ou pessoais.

A opinião não é um posto. Não é um cargo. Nem tão-pouco pode ser um tacho com direito a mordomias várias. É um direito e um dever, mas também um reconhecimento em relação a quem não participa, nem nunca participou, num qualquer caldeirão de jogadas caracterizadas por todo o tipo de cumplicidades e conivências.

Os verdadeiros opinion makers não são passíveis de confusão com pivôts contratados depois de negociações secretas e a assinatura de contratos confidenciais, quiçá, milionários. Eles representam um certificado de idoneidade e merecem respeito pela sua isenção e credibilidade. São recrutados através de critérios editoriais transparentes. E fazem parte do património de qualquer democracia digna desse nome.

Quando Pacheco Pereira afirma que a escolha de José Sócrates para a RTP foi uma decisão do Governo, o silêncio pesado do director de informação da estação pública é um insulto aos jornalistas e, sobretudo, uma provocação a todos os portugueses. Em 24 horas, mais de 100 mil já lhe deram, expressamente, uma resposta clara.