sábado, 5 de janeiro de 2013

Passos sem drama



O presidente da República abriu a porta a eleições antecipadas. E o Governo já fez constar que pode forçar a saída se o orçamento for inconstitucional.

Ainda que ambos recusem admiti-lo, expressamente, Aníbal Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho entraram num caminho sem retorno. E ainda bem!

Da esquerda à direita, dos mais radicais aos mais moderados, todos já compreenderam que o país voltou a saltar dos carris. Os sinais de distanciamento, quiçá de revolta, são evidentes.

O autoritarismo, a opacidade nos negócios de Estado e a falta de uma cultura de responsabilização política reocuparam a cena política e a agenda mediática. A cultura do posso, quero e mando, sustentada na mentira eleitoral e numa legitimidade cada vez mais formal, só pode acabar na precipitação da queda do Governo.

É insustentável manter uma governação que avança e recua, ao ritmo dos protestos e da força dos interesses e das corporações, que impõe medidas draconianas aos mais fracos e concede bennesses aos mais poderosos.

Os portugueses perderam a confiança em Pedro Passos Coelho. Não há gráfico, queda de juros, indicador financeiro e apoio internacional suficientes para disfarçar o avolumar do desconforto interno.

Mas não há drama. E os mercados internacionais não constituem um papão face a uma situação de instabilidade política pontual, pois o que lhes interessa, de facto, é que o Governo em funções seja capaz de criar as condições para poderem recuperar os seus créditos.

Qualquer estratégia de medo, de ameaça e de intimidação, com base no preceito constitucional ou numa eventual reacção  dos nossos credores, seja para manter o Governo ou para o afastar, é um caminho condenado ao fracasso.

De igual modo, e ao mesmo tempo que tenta reequilibrar as contas públicas, o país tem de enfrentar os seus problemas de regime. A questão constitucional não pode ser tabu, nem alibi para justificar qualquer desaire governativo.

A partir daqui, só há duas vias: a clarificação política ou o apodrecimento do clima institucional, político e social.

O surgimento de novas forças políticas é a única via para acabar com três décadas de desvario do Bloco Central dos interesses. A fossilização do espectro partidário só pode conduzir a um afastamento ainda maior dos portugueses, ao aumento do nível da abstenção nas eleições, sejam elas antecipadas ou não.

O consenso não se impõe, procura-se. E quando não é possível alcançá-lo, não estamos perante uma fatalidade. Em democracia, não há que ter medo do mecanismo que permite ultrapassar todos os impasses.

A questão não pode ser determinada pela existência ou inexistência de uma maioria. Como podemos verificar, actualmente, ela não garante o que quer que seja. Aliás, as condições que resultaram na queda do governo minoritário de Cavaco Silva, que lhe permitiu alcançar a primeira maioria absoluta nas eleições antecipadas de Julho de 1987, são muito diferentes daquelas que, tudo indica, vão levar os portugueses às urnas em 2013.

Neste momento, o arrastamento de Pedro Passos Coelho em funções, com ou sem Miguel Relvas no Executivo, é apenas um mero desperdício de tempo que o país não tem para perder. O tempo da recuperação da confiança já passou.

Ou o presidente da República arranja uma solução à italiana, encontrando o Monti que nos tem faltado, ou o país tem de ser chamado às urnas para acabar com este apodrecimento galopante.

A crise está em cima da mesa. Pedro Passos Coelho falhou. E os portugueses merecem um novo horizonte para poderem acreditar.

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