segunda-feira, 24 de novembro de 2014

José Sócrates sem chá e scones



A reacção de uma certa imprensa e de alguns comentadores à detenção de José Sócrates foi e continua a ser espantosa.

Mas vamos por partes.

Em abono da verdade é preciso não confundir a árvore com a floresta. Goste-se ou não do estilo e da forma, honra seja feita a alguns órgãos de comunicação social que nunca deixaram de fazer o seu trabalho de escrutínio em relação a José Sócrates, antes e depois de sair do poder, entre os quais é de destacar, em primeiro lugar, o Correio da Manhã.

Entre os comentadores e opinion makers a questão é ainda mais gritante. Entre a ignorância, o cinismo e o dislate há opiniões para todos os gostos, até há também o rigor e o distanciamento necessários no momento em que é imperioso distinguir o que está no processo e o que faz parte, e muito bem, da investigação jornalística, que se pretende livre, independente e rigorosa.

Talvez pela sua notoriedade, e até pela sua persistente denúncia da corrupção, o último artigo de opinião de António Marinho e Pinto é uma enorme desilusão.

Como é possível, nesta altura, ao jornalista, ao advogado, ao deputado europeu, ao líder partidário falar em vingança?  O que sabe para poder fazer uma afirmação de tal gravidade ainda antes do ex-primeiro-ministro ter terminado de prestar declarações? Será que tem alguma relação privilegiada com algum dos intervenientes processuais?

Mas ainda mais espantoso é a súbita fúria contra Carlos Alexandre, magistrado que lidera o Tribunal Central de Investigação Criminal, conhecido por “Ticão”, e Rosário Teixeira, procurador do DCIAP. Quase não dá para a acreditar, sobretudo quando ela parte das prosas daqueles que nunca lhes pouparam severas críticas pelas dúvidas, morosidade e fracos resultados, leia-se prisões, em relação a outros processos e personalidades de vulto.

Toda a opinião é bem-vinda ao debate público, mas só falta alguma pena mais caprichosa vir a terreiro insurgir-se pelo ex-primeiro-ministro não ter sido detido com chá e scones na passada noite invernosa de sexta-feira, 21 de Novembro, à saída do avião que o trouxe de Paris.

A detenção de José Sócrates virou o país ao contrário. E ainda bem. É preciso fazer sair os coelhos da toca, nomeadamente aqueles que criticam a impunidade reinante no país e na classe política e a seguir confundem os portugueses com opíparos pratos de insultos aos magistrados por aplicarem a Justiça, ainda mesmo na sua fase inicial.

Aqueles que gritam aos sete ventos que somos governados por corruptos e depois criticam a investigação criminal quando toca no poder até podem fazer enormes audiências e vender muitos jornais, mas acabam por se descredibilizar a si próprios e por introduzir um perigoso ruído na sociedade.

A esquizofrenia que por aí vai não terá a mínima de influência sobre Carlos Alexandre e Rosário Teixeira, felizmente habituados a estas andanças, pelo que se desenganem se julgam que conseguem intimidar quem já deu bastas provas de competência, isenção e firmeza.

O país deu mais um passo em frente com a "Operação Marquês", porque a Justiça está a ser feita, sem um único sinal evidente de abuso, ilegalidade, falta de proporcionalidade ou desrespeito pelos direitos de defesa dos arguidos.


A Procuradoria-Geral da República não pode vacilar. Joana Marques Vidal não pode falhar. É preciso que continue a apostar na libertação da informação possível e em tempo útil para que o país esteja preparado para receber a decisão do juiz Carlos Alexandre, sejam os arguidos presos preventivamente, fiquem em prisão domiciliária, saiam sob caução ou sejam colocados em liberdade.

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