quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sócrates: linchamento, branqueamento e histeria




Fiz e assinei entrevistas a cidadãos presos porque sempre acreditei que os jornalistas têm de ter a porta aberta para ouvir, sem qualquer juízo prévio, condição essencial para poder informar.

Também fui sempre contra a imposição do silêncio aos presos preventivos, pois a liberdade de expressão é um valor superior.

José Sócrates tem advogados. E tem facilidade em chegar à comunicação social, por mais juridicamente irrelevantes que possam ser os seus comunicados.

Para já, ninguém pode diminuir o direito à presunção de inocência e até a possibilidade de, em caso de ser absolvido, recuperar a sua carreira política.

O excesso de prisão preventiva não se coloca apenas em relação a José Sócrates. É uma questão importante, merecedora da maior atenção da parte do legislador, mas deve ser resolvida independentemente da prisão deste ou daquele político.

A excepcional condição de Sócrates estar preso, ainda sem ter sido feito prova de culpa, se não lhe confere qualquer direito a uma estratégia de vitimização espúria, também não justifica seguramente que alguns dos seus inimigos se sintam à vontade para o achincalhar.

Se é desejável que os amigos estejam com ele nesta hora difícil, e é humanamente compreensível que a emoção ultrapasse a razão, é preciso afirmar que o insulto grosseiro e sem fundamentação de condenação do mensageiro não colhe e não pode condicionar a investigação.

É infame tentar confundir o Estado de Direito democrático, ainda que imperfeito, com uma qualquer perseguição política que faz lembrar os tribunais plenários do regime fascista.

É fundamental ter a serenidade suficiente para distinguir entre a legitimidade de actuação dos magistrados e a bastardia de pactuar com uma qualquer campanha orquestrada, venha ela de senadores, comentadores ou anónimos, com ou sem Évora no epicentro, ad hominem ou para tentar salvar eventuais interesses difusos.

O linchamento cruel e o branqueamento insidioso estão vocacionados ao insucesso.

Os casos Carlos Melancia e Leonor Beleza, entre outros, cujos desenvolvimentos ainda hoje ensombram a nossa memória colectiva, não se podem repetir.

Os magistrados e os polícias têm mais e melhores meios. Os jornalistas estão melhor preparados. E os portugueses estão cada vez mais atentos aos crimes de colarinho branco.

Quem se apressa a condenar ou a inocentar José Sócrates revela ignorância ou má-fé,  por isso, ao menos, poupem-nos a histeria ruidosa da verborreia de cada um dos lados da barricada.

É preciso reafirmar, as vezes que forem necessárias, que a investigação jornalística não é suficiente para absolver ou condenar. E a violação do segredo de justiça é um prato muito mais complexo do que aquele que alguns insistem em servir quando estão em causa os poderosos.

A comunicação social não pode sucumbir ao escrutínio à la carte e à tentativa patética de substituir os tribunais.

A avaliação dos indícios e a ponderação da prisão preventiva têm de ser feitas no local próprio: os tribunais. E a legalidade da prisão de José Sócrates, já apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de um dos pedidos de Habeas Corpus, é apenas uma etapa para prevenir qualquer eventual erro ou abuso.

A Justiça está condicionada pelo princípio do contraditório processual e sujeita à critica da opinião pública, mas não está à venda, como se fosse um jornal ou uma televisão, por mais pressões cobardes e silenciamentos repugnantes, com ou sem dinheiro dos contribuintes e a ajuda de um par de amanuenses dedicados.