terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crise: o ego dos presidentes e os truques dos políticos


O país está confrontado com uma monumental produção hollywoodesca, com a assinatura de António Costa e de mais um par de seguidores que querem o poder a todo o custo, não obstante os resultados eleitorais do passado dia 4 de outubro, em que a maioria PSD/CDS-PP obteve uma vitória clara, ainda que sem maioria absoluta.

Mas, para já, mais útil do que aquilatar esta ou aquela deriva de líderes partidários, importa uma análise objectiva ao pecado original dos problemas que o país está a atravessar.

Dois momentos são fundamentais para compreender o actual estado de incerteza:

22 de Julho de 2015: Aníbal Cavaco Silva anuncia as eleições legislativas para 4 de Outubro e deixa implícita a ameaça de não dar posse a um governo minoritário;

30 de Novembro 2004: Jorge Sampaio anuncia a dissolução da Assembleia da República, deitando abaixo o governo de Pedro Santana Lopes que contava com o apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República.

Com um intervalo de um pouco mais de uma década, dois presidentes da República assumem decisões que minaram as fundações do edifício constitucional português.

E deixaram marcas tão profundas que, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, seriam usadas para legitimar qualquer tipo de truque para a manutenção ou a conquista do poder.

Ainda muito mais grave: a partir destas duas decisões, de Sampaio e Cavaco, os resultados eleitorais ficaram à mercê dos jogos de bastidores e a governabilidade do país ficou ameaçada, pois nem mesmo uma maioria absoluta no Parlamento passou a estar fora do alcance da bomba atómica presidencial.

Não é por acaso, certamente, que a direita exibe declarações dos socialistas, incluindo António Costa, em 2009, para fundamentar a legitimidade de formar um governo minoritário, após a vitória eleitoral do passado dia 4 de Outubro; também não é de estranhar que a esquerda agarre as palavras de Paulo Portas, proferidas em 2011, para defender que o líder do PS tem legitimidade para formar governo, mesmo depois de perder as eleições.

As consequências estão aí, à vista de todos, pois o ego dos dois últimos presidentes e os truques dos políticos não estão à altura de uma Constituição que lhes dê espaço para a usarem à la carte, à revelia da tradição e espírito democráticos.

E provam que a revisão constitucional é imperiosa, devendo apontar para uma clarificação das regras, ao melhor estilo table d'hôte.

A discricionariedade presidencial tem de ter limites claros.

Num momento crítico da vida do país, após um resgate internacional, os portugueses não mereciam estar a passar por mais esta provação, cujas consequências são ainda totalmente imprevisíveis.

As crises em Democracia não são o fim do mundo, mas uma crise de governabilidade, na actual conjuntura, pode ser o princípio do fim da tímida recuperação.

Nada, mas mesmo nada, justifica uma saída para a actual crise que obrigue à repetição do cenário grego.

Depois da inconsciência registada no passado e do aventureirismo reafirmado no presente, é preciso responsabilidade que garanta as condições para um futuro melhor.

Chega de incerteza interna, pois bem basta a turbulência externa que, a qualquer momento, nos pode varrer, a nós, portugueses, sem esquecer esta classe política que deveria mostrar menos ego e mais comprometimento, menos carreirismo e mais serviço público, menos mordomias e mais respeito pelos sacrifícios impostos ao povo, menos ânsia pelo poder e mais dedicação ao exercício da oposição democrática.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Adeus, velho PS



Os resultados das eleições legislativas de 4 de Outubro revelaram uma cristalina vontade colectiva dos portugueses, a saber:

O PSD e o CDS-PP têm toda a legitimidade para governar nos próximos quatro anos;

A esquerda tem legitimidade para colocar balizas à governação da maioria de direita, após alcançar uma maioria aritmética no parlamento;

Os velhos rostos do PS, de Sócrates a Costa, devem afastar-se de mote próprio, antes que estoirem com o que resta de um dos mais importantes partidos fundadores da Democracia.

Sejamos muito claros: há uma certa facção do Partido Socialista que jogou tudo, usou todos os meios disponíveis e perdeu.

Não há qualquer dúvida que aqueles que se habituaram a mandar no PS, nas últimas décadas, estão condenados a desamparar a loja e, a partir daqui, a fazer pela vida, como qualquer outro cidadão.

Obviamente, em política, a razão dos factos nunca é assim tão linear, pois ainda vai correr muita água debaixo das pontes.

A comunicação social, que andou com António Costa ao colo até o colocar na liderança do PS, quiçá, com o objectivo de o fazer chegar a São Bento, não vai desistir de justificar e até legitimar a incompreensível atitude do secretário-geral do PS de ainda não ter apresentado a demissão.

Os mesmos que tudo fizeram para enterrar politicamente António José Seguro – que, agora, até teve tempo para almoçar com a família e ver a bola depois de votar, ou seja, deve continuar a estar a rebolar a rir –, ainda vão prosseguir a tentar tudo para sustentar na secretaria os seus interesses pessoais, comerciais e financeiros, nem que seja à custa de lançar o país na instabilidade.

Ao obedecer aos barões socialistas que continuam a julgar o Estado e o partido como suas propriedades, ao vergar em relação ao pior do aparelho do PS e ao pactuar com os interesses que o acompanham desde o momento em que avançou para a Câmara de Lisboa, António Costa há muito que tinha deixado de ter condições para ser uma verdadeira alternativa.

Assumir o melhor e o pior do passado do PS é digno, merece respeito democrático, mas tal não significa branquear a história e a realidade.

Pior do que não assumir os erros foi tentar habilidosamente conviver com eles para manter o poder a qualquer custo, tomando os portugueses por parvos, como se a táctica em política fosse igual a uma qualquer estratégia instrumental que mais não é do que a política infantil dos truques.

António Costa começou a perder a partir do momento em que julgou que era possível enganar os portugueses com posições dúbias em relação ao passado e ao presente, afirmando o caminho do futuro com opções meramente oportunistas.

Os constantes zigue-zagues de António Costa não foram resultado de inépcia, falta de experiência ou de qualquer erro involuntário na campanha eleitoral, mas sim da mais profunda ausência de rumo, convicção e ética republicana.

Bastou assistir à sua declaração embaraçada e atabalhoada, após a divulgação de uma das mais estrondosas derrotas do PS, para perceber que o adeus, ao velho PS, é apenas uma questão de tempo.

E, ou emerge um novo PS, rapidamente, antes das eleições presidenciais, ou então o partido corre o risco, novamente, de implodir a curto prazo.

A ambição pessoal sem limites não colheu: António Costa, o último secretário-geral do velho PS, perdeu e mereceu perder.

E, já agora, em nome da dignidade democrática, não pode faltar a uma última promessa: regresse ao escritório de advocacia, pegue na toga e defenda todos aqueles que não têm meios para aceder à "justiça" que ajudou a construir nos últimos 16 anos. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Passos/Portas versus Costa: uma questão de credibilidade?


Ao entrar na recta final da campanha eleitoral, e a não existir um qualquer volte-face, que não é de excluir, a dupla Pedro Passos Coelho/Paulo Portas e António Costa apresentam-se como os únicos com capacidade para governar nos próximos quatro anos.

Este é o momento para escrutinar a credibilidade, ou o que resta dela, dos dois líderes da coligação Portugal à Frente (PAF) e do líder do maior partido da oposição.

Pedro Passos Coelho conseguiu impor disciplina financeira, livrar o país da troika e colocar o país na rota do crescimento.

Paulo Portas também conseguiu chegar a vice-primeiro-ministro, permanecer disciplinadamente na coligação e fabricar a dinâmica de um Estado ao serviço das empresas e do emprego.

António Costa conseguiu conquistar o PS, apostar num modelo económico arrojado e afirmar a existência de um caminho alternativo.

De um ponto de vista global, o que de positivo foi alcançado pela coligação PAF e pelo PS pode não ser suficiente, pois não é possível encobrir o muito que correu mal em cada uma das duas frentes.

É preciso recordar o incumprimento das promessas de Pedro Passos Coelho em 2011 e os soundbites que selaram a governação PSD/CDS-PP ("portugueses não podem ser piegas", em 6 de Fevereiro de 2012; "que se lixem as eleições", em 23 de Julho de 2012).

Também é preciso lembrar que Paulo Portas não se livra do fardo do dito pelo não dito, após a "irrevogável" birra de 2 de Julho de 2013, nem tão-pouco de ter falhado o guião da tão propalada reforma do Estado.

Por último, e do lado de António Costa, pesa como chumbo a sombra de José Sócrates, a traição a António José Seguro e a escolha de uma proposta que roça o aventureirismo irresponsável.

Se Pedro Passos Coelho carrega a cruz de um passado empresarial "obscuro", como acusou o líder do PS, então o que dizer do passado do próprio António Costa, marcado por ter sido o número dois de José Sócrates e por um silêncio ensurdecedor até ao descalabro do resgate financeiro? E alguém já esqueceu o passado de Paulo Portas, amplamente estigmatizado pelo escândalo da Universidade Moderna e pelas aquisições grandiosas de equipamento militar no consulado de Durão Barroso?

Não, não é esta espécie de campanha eleitoral, acéfala e maçadora, com a comunicação social a reboque, que vai ser decisiva. E, seguramente, não é por uma questão de credibilidade que qualquer um deles vai conquistar a vitória.

A chave da manutenção/conquista do poder está fora do alcance dos três políticos e das suas máquinas partidárias.

Cabe aos partidos que não pertencem ao arco da governação (PCP e Bloco de Esquerda), bem como a todos os outros pequenos partidos, a capacidade de conseguirem aglutinar o voto dos descamisados e daqueles que já não acreditam no sistema.

Isto sem esquecer os eleitores-fantasmas e a militância abstencionista, reforçada pela gigantesca vaga de portugueses que abalaram para o estrangeiro, que também podem fazer a diferença.

A vitória não vai ser decidida pelo balanço do melhor e do pior da governação, nem tão-pouco pela oposição feita pelo PS e muito menos pelo programa eleitoral e mais umas promessas avulsas que uns e outros anunciam despudoradamente à última da hora.

O que vai ser decisivo é a percepção de quem é capaz de consolidar/reforçar o que já foi alcançado nos últimos quatro anos, seja muito ou pouco, brilhante ou medíocre, justo ou injusto, pois quanto à credibilidade de Passos, Portas e Costa os portugueses já estão elucidados há muito tempo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Passos Coelho versus Costa: ainda falta muita campanha eleitoral


O debate foi o que era de esperar. E, se não teve um vencedor claro, teve um derrotado evidente: quem pretendeu reduzir o esclarecimento dos portugueses a um frente-a-frente entre Pedro Passos Coelho e António Costa, após um entendimento entre políticos, directores e patrões da comunicação social, em que nem faltou, infelizmente, o desrespeito pela política editorial de cada uma das estações televisivas generalistas.

É apenas mais um dos equívocos, entre muitos, da corrida para as eleições Legislativas do próximo dia 4 de Outubro.

O mais grave é que este partiu da própria comunicação social, designadamente das televisões generalistas que agenciaram um modelo que mina o serviço de informação aos cidadãos.

Em boa verdade tudo foi montado para um grande show televisivo, fazendo as delícias dos publicitários e dos marketeiros mais interessados em replicar modelos estrangeiros do que em reunir as condições para informar.

Um único debate televisivo foi suficiente?

Não, claro que não.

Só aqueles que querem à força uma bipolarização artificial, aliás, ao arrepio do modelo constitucional, podem ter ficado satisfeitos, mas, curiosamente, ninguém pareceu incomodado com a restrição do debate:

Pedro Passos Coelho, com Paulo Portas no bolso, jogou para alcançar uma maioria absoluta, a exemplo do que Aníbal Cavaco Silva conseguiu, sem apêndice, em 1987.

Por sua vez, António Costa, carregando Sócrates com galhardia, passe a ironia política do destino, lá teve de fabricar uma agressividade oca e cheia de chavões gastos em que, para já, nem os portugueses parecem querer acreditar.

Por último, as televisões garantiram uma emissão promovida até à exaustão, deixando cair, para já, a necessidade de realizar outros debates com audiências menos interessantes.

Falta mais, muito mais, falta um debate alargado a todos os líderes partidários, o qual permitirá o confronto entre propostas e, sobretudo, levantar o véu sobre as eventuais coligações pós-eleitorais.

Limitados a um único debate, conduzido por três jornalistas obrigados meter o Rossio na rua da Betesga, a discussão de alguns dos temas mais importantes ficou confinada a um par de escassos minutos, como se as eleições fossem a 10 de Setembro de 2015.

Só neste ambiente controlado, pouco dado a discussões abertas e plurais, foi possível alimentar outro equívoco monumental, como por exemplo a tentativa de ignorar e até deliberadamente contribuir para confundir um par de casos judiciais mediáticos com o indispensável escrutínio sobre a política da Justiça.

É um bom princípio afirmar:  à politica o que é da política, à Justiça o que é da Justiça.

E, então, por que razão não se debateu a Justiça?

Existe, ou existiu, pressão do poder político para controlar a Justiça?

Há cabalas mirabolantes para perseguir este ou aquele político notável, seja ele do PS ou do PSD?

Arredar do debate a Justiça, o combate à corrupção, a duração da prisão preventiva e a falta de meios e de autonomia financeira do Ministério Público, entre outras questões, é de tal forma incrível que até custa a acreditar que seja possível num país com mais de quatro décadas de vivência democrática.

Ficou muito por perguntar, por incomodar e responsabilizar os dois challengers e, obviamente, ainda faltam muitas respostas claras e compromissos dos dois líderes políticos para o futuro.

Quem quis condicionar uma campanha eleitoral a um debate televisivo limitado a dois dos protagonistas perdeu estrondosamente a aposta.

A manipulação não vingou.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Justiça versus Sócrates: a última esperança


António Costa, e muito bem, tem recusado participar na farsa – de quem continua a julgar que uns telefonemas, uma meia dúzia de comunicados e um punhado de jornalistas fazem milagres –, mantendo a declaração exemplar realizada no momento em que decidiu visitar José Sócrates.

Ao afirmar, em 31 de Dezembro passado, a necessidade de meios para a investigação poder executar o seu trabalho e a garantia dos direitos de defesa, o líder do PS percebeu, finalmente, que é preciso respeitar o trabalho dos magistrados e dos investigadores criminais.

É por isso que é preciso "guardar o guarda"?

Sim, claro que sim.

Nos dias de hoje, não há nenhum democrata, digno desse nome, que não pondere sobre a última fronteira da salvaguarda das liberdades individuais, tendo em conta o rol de erros judiciários e os constantes abusos do aparelho do Estado.

O escrutínio da Justiça é sempre necessário e legítimo, contudo é preciso afirmar, por maior que seja a campanha liderada por ingénuos ou lacaios colocados antecipada e estrategicamente em lugares-chave, que não há confusão entre o direito de defesa, consagrado na Lei, e o espalhafato processual e mediático que uma qualquer defesa usa, na maior parte das vezes em desespero de causa, para fazer valer a sua tese.

A liberdade também é isso mesmo: por um lado, acreditar que é possível existir quem é capaz de estar a cima das partes; por outro, nunca perder de vista a falibilidade de quem exerce essas funções.

O coro de órfãos e afins que, subitamente, desataram num coro de aleivosias, umas mais patéticas do que outras, não valem por si só, pois têm de demonstrar que as suas verdades têm razões e fundamentos sólidos.

É preciso afirmar que estes "campeões" chegaram tarde ao debate da salvaguarda dos direitos dos cidadãos, e só o fazem, agora, por questões pessoais, pois nunca tinham manifestado idêntico clamor quando estiveram em causa os mais pobres e desprotegidos com quem nunca se importaram.

A defesa das liberdades individuais não pode ser uma bandeira apenas quando os amigos estão em causa. Nem tão-pouco deve ser inquinada pela querela partidária ou por qualquer outro motivo inconfessável.

Quanto mais fala o preso número 44 do Estabelecimento Prisional de Évora, mais a investigação deve esfregar as mãos, tal é o rol de contradições e incongruências, já que fica clara, para já, a existência de uma campanha de comunicação/vitimização, aliás muito medíocre.

É preciso dar tempo ao tempo, distinguir entre o que faz parte do processo judicial e o resultado da investigação jornalística.

O ex-primeiro-ministro, felizmente, pode afirmar a sua verdade através da comunicação social, independentemente do seu patético passado em relação aos jornalistas que nunca se deixaram intimidar e amordaçar.

De igual modo, a Justiça continua firme e a fazer o seu trabalho. E surge aos olhos de todos os cidadãos como a última esperança para acabar com este status quo que tem sido dominado por cândidos, criados, meliantes, ladrões, oportunistas e demais amanuenses que ainda não conseguiram perceber que a Democracia nunca tem donos, sejam eles fundadores ou não, de esquerda ou de direita.

Até hoje, e salvo melhor opinião, não há um único facto relevante que leve um cidadão a desconfiar de qualquer abuso relativamente à prisão preventiva do ex-primeiro-ministro.

Ao rejeitar o recurso da defesa de José Sócrates que invoca a nulidade do despacho do juiz Carlos Alexandre que manteve o ex-primeiro-ministro em prisão preventiva, a mais recente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa constitui uma garantia que continuamos a estar perante um processo limpo e justo.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Grécia: entre as meias-tintas e a liberdade


Há muito tempo que a opinião pública assiste a um debate estéril, alimentado por políticos e governantes sem vergonha, por banqueiros e financeiros que mais parecem vampiros e por uma certa opinião publicada instrumentalizada.

Se a direita escolheu o caminho da austeridade draconiana, com uma clareza diáfana, a esquerda continua com um discurso pardo e dogmático, omitindo que há um preço muito elevado a pagar para enfrentar os tecnocratas de Bruxelas e os grandes banqueiros.

O debate tem de partir de uma escolha cristalina: ou os povos europeus são mobilizados para travar a batalha do século, consciente e voluntariamente, ou então a globalização vai continuar a prosperar num clima de selvajaria financeira.

O impasse entre a Europa dos ricos e a Grécia é muito mais do que uma questão europeia e de dívidas soberanas: é mais uma batalha pela liberdade.

Sem falar verdade aos povos, a esquerda vai continuar a abrir caminho à direita mais financista e retrógrada, a mesma que rejubila com os esquerdistas que defendem o fim das offshores e depois beneficiam desses mesmos paraísos fiscais para encobrir os gamanços à má fila.

A vitória do Syriza, em 26 Janeiro 2015, não foi nem mais nem menos do que a expressão da adesão popular a quem não está com meias-tintas, com meias verdades, ou seja, a vitória de uma certa extrema-esquerda e a forte penalização em relação aos políticos, governantes e partidos do arco da governação que atiraram os seus países e respectivos povos para o abismo.

A convocação dos gregos para o referendo do próximo dia 5 de Julho é uma consequência legítima de quem optou (ou já não tem outra alternativa) por enfrentar o monstro de caras, em campo aberto.

E não há volta a dar: só com mais democracia e cidadania é possível romper o ciclo vicioso instalado na Europa dos 19, a dos países que aderiram ao Euro, enquanto os restantes nove membros da União Europeia continuam a assobiar para o lado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Passos Coelho: os pequenos grandes detalhes


A cerca de cinco meses das eleições legislativas, Pedro Passos Coelho não conseguiu cumprir tudo o que prometeu, mas pode exibir a libertação do jugo da troika e o país na rota do crescimento.

É bem verdade que o desemprego continua alto e que uma parte considerável do "milagre" português se deveu à descida do preço do petróleo e à estratégia do Banco Central Europeu. Ainda assim, e factos são factos, a diminuição da brutal carga dos juros a pagar pela dívida pública permite-lhe continuar a exibir um sorriso (por vezes demasiado aberto), quando fala nos feitos da maioria no poder.

Apesar de ter tido o presidente da República ao seu lado, Paulo Portas mais ou menos acantonado e António Costa enredado no labirinto do PS que ajudou a construir, Pedro Passos Coelho falhou nos pequenos grandes detalhes. Quando se esperava uma nova atitude em relação à corrupção, ao compadrio e ao abuso do poder, a verdade é que nunca conseguiu fazer a ruptura com o passado. E como era fácil fazer a tal diferença com Sócrates.

A opacidade em relação ao seu passado profissional, a tolerância em relação às trapalhadas de ministros e secretários de Estado, nomeadamente Paulo Macedo e Paulo Núncio, a indiferença arrogante face à responsabilização das secretas em roda livre, entre outros altos serviços do Estado, a condescendência em relação a Manuel Dias Loureiro e a Marco António e a recondução de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal são apenas alguns dos muitos exemplos de casos que correram muito mal.

Afinal, em momentos decisivos, o primeiro-ministro, que gosta de afirmar que não tem estados de alma, parece sucumbir  às cumplicidades, desde os amigos a quem verdadeiramente manda confortavelmente instalado nos bastidores.

A coragem ficou pelo corte dos direitos adquiridos dos mais fracos e pobres. E falemos claro: não é a troika, a austeridade implacável, a detenção de José Sócrates e a queda de Ricardo Salgado que nos está a mudar a alma.

O que nos faz pensar de uma forma diferente, actualmente, é a realidade do que vemos e vivemos, é a percepção do regabofe do passado e ainda assim ter de continuar a assistir ao silêncio cúmplice de todos aqueles que sabem (sabiam) e nada fazem (fizeram) para tornar a nosso regime mais limpo e justo.

O funcionamento da Justiça nalguns casos não impede que o ambiente político continue pestilento. Assim, mesmo depois de obrigado à renovação da coligação com o CDS/PP, Pedro Passos Coelho tem de prestar contas. E que contas...

Em Outubro de 2015, o primeiro-ministro que gosta de parecer um cidadão comum e que apostou tudo nas contas públicas pode não ser suficiente para ganhar. E se assim for,  Pedro Passos Coelho – bafejado por uma reviravolta na conjuntura europeia e internacional – só se pode queixar de si próprio, de não ter estado à altura das suas promessas eleitorais e da extraordinária exigência do mandato que os portugueses lhe conferiram em 2011, em suma, de desvalorizar olimpicamente os pequenos grandes detalhes que fazem toda a diferença em Democracia.





segunda-feira, 2 de março de 2015

Passos Coelho e Portas: a última fronteira


O primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos com uma afirmação que ficou célebre: «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal».

O alcance desta declaração permitiu várias análises, embora tenha ficado consagrado que o primeiro-ministro pretendeu passar uma mensagem e um compromisso claros: respeitar os interesses do país.

Quase três anos depois da tirada, que tirou o apetite a alguns deputados social-democratas, o que lá vai lá vai, pois Pedro Passos Coelho continua a dar sinais que está cada vez mais preocupado com as eleições.

No momento em que se especula em relação ao iminente anúncio da renovação da coligação PSD/CDS-PP para as legislativas de 2015, a vantagem eleitoral dos dois partidos se apresentarem coligados pode ser um imperativo óbvio, mas será que tal implica obrigatoriamente a manutenção do ticket Passos Coelho/Portas?

Não deve haver um único português que acredite na bondade da renovação da coligação, tendo em conta os picos de crispação verificados entre os dois líderes e a governação à vista que tem sido efectuada pela simples necessidade de ter de ser encontrado constantemente um acordo entre ambos que, como é público, discordam em quase tudo e não se suportam pessoalmente.

Seja qual for a simpatia partidária e o ângulo de análise, não há qualquer dúvida: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aparecem aos olhos dos portugueses como activos tóxicos, mesmo até para aqueles que lhes reconhecem obra feita e algum sentido de responsabilidade.

Independentemente de saber se os dois teriam estômago suficiente para se aguentarem um ao outro durante mais quatro anos, a verdade é que pensar primeiro em Portugal implicaria no mínimo colocar em cima da mesa a hipótese de um ou dos dois cederem os seus respectivos lugares a novas lideranças refrescadas eleitoralmente no seio de cada um dos partidos.

Depois de Passos Coelho anunciar que se vai bater por uma maioria absoluta, sem dizer uma palavra sobre Portas, e de não fechar a possibilidade a um Governo de Bloco Central, o país só pode ter esperança que a promessa proferida a 23 de Julho de 2012 não tenha caído em saco roto, como tantas outras afirmadas durante a campanha eleitoral de 2011.

Ainda há quem não tenha percebido que a velha forma de fazer política tem os dias contados. Já não é mais possível encenar entendimentos, sacrificar o essencial por caprichos e vaidades pessoais e prometer uma coisa e fazer outra, pois os portugueses têm mais memória política. Que o diga António Costa, atracado à tralha socrática, que não cessa de desiludir as suas hostes e até todos aqueles que já não conseguem suportar a actual maioria por uma duplicidade de discurso que não cessa de surpreender.

Passos Coelho e Portas têm pela frente a última fronteira: qualquer político tem o dever de saber a hora exacta para sair de cena, mesmo que essa hora seja muito dolorosa.

Isso, sim, seria a confirmação que ambos estão convicta e verdadeiramente interessados em defender Portugal.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

À boleia da Grécia


A vitória da extrema esquerda grega é um facto político que implicará profundas mudanças. E Alexis Tsipras, líder do Syriza, passou a ser o nome da esperança para a maioria dos gregos.

Atolados na corrupção, fartos das mentiras da direita e da esquerda, desde os socialistas à Nova Democracia, os gregos conseguiram implodir o sistema político tradicional que os têm governado, ou seja, um recado cristalino para os partidos do arco da governação dos restantes membros União Europeia.

Nem a "bazuka" tardia os demoveu.

Os gregos estão determinados em assumir o futuro nas suas mãos, carregando com orgulho o peso de terem sido o berço da civilização ocidental e os fundadores da democracia.

E é da maior relevância que a implosão do "centrão" tenha acontecido na Grécia, precisamente o país mais endividado e em maiores dificuldades da União Europeia.

Enquanto Portugal continua distraído com a detenção de um ex-primeiro-ministro, aceitando com indulgência salazarenta as alarvidades dos "barões" e afins, todos os holofotes do poder e do grande capital europeus estão concentrados no previsível abanão que veio da Grécia.

Nos últimos anos, os gregos não desistiram de lutar pela dignidade e de colocar a renegociação da gigantesca dívida sempre em cima da mesa.

Nunca cederam. E, por isso, pagaram uma redobrada factura!

Mas a resposta está aí, chama-se Syriza, que acaba de derrotar e humilhar politicamente a esquerda e a direita tradicionais.

Contrariamente ao caso irlandês, português e espanhol, a Grécia escolheu um caminho de desafio permanente aos mercados. E nem os dois resgates de 240 mil milhões de euros (em 2010 e 2012) e o posterior perdão de parte da dívida implicaram qualquer tipo de capitulação.

Para o bem ou para o mal, o resultado eleitoral grego vai determinar o futuro de cerca de 500 milhões de pessoas que residem nos 28 Estados membros da União Europeia.

A identidade dos gregos é forte e suficientemente sólida para enfrentar os grandes senhores da Europa, mas será que alguém de bom senso acredita que qualquer um deles vai dar a Alexis Tsipras, de mão beijada, a possibilidade de ser um novo herói para os críticos da austeridade?

Regada com sangue, suor e lágrimas, a escolha dos gregos não pode ser desperdiçada por Portugal. Apesar de Pedro Passos Coelho ter optado pelo escrupuloso cumprimento do memorando da Troika, acatando as ordens de Bruxelas, agora chegou o momento de começar a olhar para Berlim com outros olhos de ver.

Não se trata de repetir as aventuras politicamente criminosas dos dois últimos Executivos socialistas que nos levaram ao abismo, nem tão-pouco abrir os cordões à bolsa para ganhar as próximas legislativas.

Com os portugueses fartos de incerteza, PSD/CDS-PP ainda têm uma janela de oportunidade para demostrarem que têm fôlego para aproveitar a onda grega.

É preciso criar uma nova perspectiva, uma nova fronteira. Sem repetir os erros do passado. Nem que seja à boleia da Grécia.