domingo, 24 de julho de 2016

Terrorismo: a pedrada no charco



Não há ninguém insensível à carnificina miserável e ao assassinato de vítimas inocentes, desde Nice a Cabul, sem esquecer Munique, para recordar os mais recentes.

Se não podemos pedir muito a quem perdeu num destes atentados, tragicamente, o ente querido, o amigo, o futuro, devemos exigir que governantes e cidadãos não se fiquem pela indignação sentida e mais umas quantas declarações patrioteiras avulsas.

Aliás, a velha conversa fiada dos papagaios do costume que repetem que temos de nos habituar a poder levar com uma bomba, um camião, uma rajada ou um tiro ao virar da esquina é totalmente inaceitável.

Não, não queremos nem podemos conviver com a barbárie, venha ela de onde vier, seja ela perpetrada no ocidente ou no oriente.

Este é o cerne do problema que tem de ser enfrentado, sem demagogia, nem o cinismo do monstruoso terrorismo de Estado.

E não há nenhum coro afinado, com mais ou menos órgão de comunicação social satisfeito por ser um mero eco, que possa disfarçar o mundo que criámos e em que vivemos.

Se continuarmos a insistir em lamentos lancinantes, a assistir ao saltitar de dirigentes e operacionais dos serviços de informações para a política e o poder Executivo e vice-versa e numa resposta securitária e bélica, enquanto a segregação e a desigualdade crescem a um ritmo alucinante por esse Mundo fora, corremos o risco de ver a legitimação da violência mais brutal e gratuita a ganhar terreno.

O artigo de Arnaldo de Matos, intitulado “Resistência Não É Terrorismo!”, que coloca os atentados numa lógica de olho por olho, dente por dente, tem uma mensagem cristalina: «Os actos de resistência dos povos explorados, oprimidos e agredidos não são actos terroristas; são actos legítimos de guerra, sejam praticados na frente de combate, se houver frente de combate, sejam praticados no interior do país imperialista agressor».

Se o artigo tem o único mérito de representar uma pedrada no charco no reino da hipocrisia reinante, também representa a defesa de uma lógica infernal que não podemos aceitar em nenhuma circunstância, pelo que é urgente mudar o paradigma, para não cair no caos, na banalização sanguinária e na ratoeira da resposta musculada.

Face ao que tem sucedido, mesmo à frente dos nossos olhos, urge tomar partido, claramente, cada um de nós, contra todo o tipo de terrorismos e contra os Estados dentro dos Estados que escapam ao escrutínio das instituições democráticas e agem no secretismo dos mais diferentes e difusos interesses.

Não há atentados terroristas bons e maus.





segunda-feira, 11 de julho de 2016

A minha alegre casinha



Anda por aí uma felicidade alucinante que só incomoda quem não tem o mínimo contacto com a realidade dos portugueses, os de cá e os de lá de fora.

E não percebeu, nem em directo, nem agora, a transcendência do momento em que milhares e milhares de emigrantes portugueses em França celebraram a vitória no Euro, o do futebol, está claro, no Stade de France, em Saint-Denis, cantando em delírio "A minha casinha", dos Xutos & Pontapés.

Os craques da selecção conseguiram muito mais do que a taça, libertaram o país, durante um mês, de uns malvados que continuam a ameaçar Portugal com sanções por não sermos capazes de cumprir as regras da União Europeia, consagradas num tratado que foi baptizado, sem ironia, com o nome de Lisboa.

Não faltaram elogios para qualificar os novos heróis da bola e até adjectivos para castigar os diabos azuis, os de Bruxelas comandados pelos alemães, evidentemente.

Até já lhes chamaram terroristas, aos “meliantes” de Bruxelas, inquestionavelmente. Nem mais. Portugal está sob ataque cerrado, mas conseguimos ganhar o Euro 2016, contra tudo e todos.

Também não faltaram outras explicações para condenar os monstros impiedosos, os da Europa insensível, pois claro, à medida que se adivinhava uma espécie de Cavalgada das Valquírias com tons lusos (alemão à parte) na final das finais.

É um escândalo!

Não querem pagar o nosso Estado Social e as nossas aventuras salteadas com muita corrupção.

E ainda nos querem vergar, sobretudo as esquerdas que se juntaram para apoiar um governo que tarda em encontrar a prometida receita mágica do fim da austeridade.

No Euro, o outro, o de futebol, depois de uma prestação sofrida conseguimos a desejada vitória na final.

De Griezmann, Draxler, Giroud e até de Dimitri Payet não reza a História, e a luta continua contra quem ainda não nos venceu: Angela Merkel e Wolfgang Schäuble.

Podemos estar à beira de um novo resgate, de ficar de fora do Euro, o da moeda, manifestamente, mas não precisamos de lições sobre o défice, as contas públicas, os clubes falidos e os estádios abandonados.

Com os novos heróis do Euro, o da bola, pois claro, e José Manuel Durão Barroso na liderança do maior Banco do Mundo, o Goldman Sachs, só há um limite: a memória.

José Saramago escreveu a “Jangada de Pedra” em 1986. No momento oportuno. No preciso momento em que as actuais virgens ofendidas com Bruxelas e com o aproveitamento do futebol se lambuzavam com a promessa de milhões e milhões de ajudas comunitárias. 

 E com a glória do Euro, o da moeda, obviamente.