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sexta-feira, 8 de junho de 2012

Cidadania mais forte

A tensão entre o governo e o PS regressou à agenda mediática. As diferentes receitas para salvar o país e uns quantos papéis enviados para Bruxelas, sem o conhecimento do parlamento, explicam esta agitação política. Todavia, este clima pesado também não deve ser alheio a outras questões da maior sensibilidade: por um lado, os estilhaços provocados pela acusação no caso das secretas, que resultou, por ora, na constituição de três arguidos, dois ex-espiões e um empresário; por outro, as conversações que estão a decorrer nos bastidores para substituir Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, e Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), bem como para encontrar os novos juízes que o parlamento vai voltar a indicar para o Tribunal Constitucional.
O PS está determinado a participar nestes processos, pelo que o crescendo de radicalização da oposição a Passos Coelho poderá permitir a António José Seguro aspirar a marcar pontos nestas e noutras frentes.
Com o governo a dar sinais evidentes de desgaste, o líder do PS aparenta estar tão empenhado em dissimular os erros da anterior governação socialista, de forma a pacificar internamente o partido, como obrigado a forçar o regresso ao poder no mais curto prazo, através de um acordo com a maioria ou de eleições antecipadas.
Esta estratégia tem pela frente dois obstáculos de monta: por um lado, uma parte do Ministério Público, independentemente de mais ou menos meios, quer reaparecer de cara lavada aos olhos dos cidadãos, recusando qualquer complacência em relação aos políticos e governantes; por outro, existem sinais de uma cidadania mais forte que não está disponível para participar no branqueamento do passado, que vai obrigar o país a anos e anos de grande austeridade.
A competência e a credibilidade de Maria José Morgado, que lidera o DIAP de Lisboa, garantiam à partida o fracasso de qualquer tentativa para abafar o escândalo das secretas, que, aliás, não merecia o inexplicável silêncio presidencial. Por sua vez, a iniciativa do ACP (Automóvel Clube de Portugal), que apresentou uma queixa-crime por causa da renegociação dos contratos das antigas Scut, constitui a prova de que um grupo de cidadãos pode baralhar o tradicional silenciamento cúmplice do bloco central de interesses.
Existindo suspeitas públicas sobre três antigos governantes (Mário Lino, António Mendonça e Paulo Campos) de não terem defendido o interesse público deliberadamente, sendo por isso passíveis de responsabilização por um prejuízo da ordem dos vários milhares de milhões de euros, Carlos Barbosa, presidente do ACP, prestou um enorme serviço ao país: provou que os cidadãos podem evitar que seja passada uma esponja sobre os negócios, quiçá negociatas, dos últimos anos.
Para já, António José Seguro está a ganhar o controlo interno do PS, mas não está a ganhar o país, porque está a falhar a prioridade das prioridades: ocupar a primeira linha do combate à corrupção e ao desperdício dos dinheiros públicos, independentemente de qualquer tipo de responsabilidades poderem ser assacadas a camaradas de partido.
É preciso estar muito condicionado para menosprezar a indignação colectiva. Os portugueses não só têm direito a saber toda a verdade como também têm a expectativa de poder contar com o PS na consolidação de uma democracia exigente, transparente e madura, e por isso não abdicam do apuramento de responsabilidades, sejam elas mais ou menos secretas.