domingo, 8 de novembro de 2009

Corrupção: moral ou justiça social?

Os indícios de corrupção alargada ao mais alto nível do Estado estão aí para quem os quiser ver e escrutinar.

Nos últimos trinta anos de Democracia, governos de esquerda e de direita estiveram sob a mira criminal e debaixo do escrutínio dos media.

Depois dos sucessivos casos que saltaram para a ribalta pública, bem como dos sinais de alarme escarrapachados nos relatórios de organizações internacionais, o poder político continua impune e indiferente, apesar das constantes palavras vãs e mansas.

A realidade é o que é, mas ninguém pode ficar indiferente à tentativa de desvalorização da investigação criminal que continua a fazer, lentamente, um caminho infame.

Em vez de responsabilizar os sucessivos governos que têm o poder de legislar e de exigir responsabilidades, aqui e ali, sobretudo quando os escândalos chegam à opinião pública, surgem imediatamente os ataques aos investigadores criminais e magistrados.

Normalmente, e apesar de existirem alguns fundamentos para esta avaliação, a verdade é que quem tão selectivamente aponta o dedo a quem combate a corrupção na primeira linha não tem o mesmo critério na exigência ao governo de leis claras e atribuição de meios adequados para responder à sofisticação do crime de 'colarinho branco'.

Com o desenvolvimento da operação "Face Oculta", a actualidade revelou um novo e surpreendente patamar de debate, que passa por reduzir o combate à corrupção a uma mera questão de moralização do sistema, supostamente levada a cabo por heróis imbuídos de um espírito messiânico.

Ora, o combate à corrupção não é uma questão de moralidade e de coragem, é um caso de justiça social, de perseguir quem rouba o dinheiro do bolso dos outros.

Que não haja qualquer confusão: há uma diferença abissal entre pugnar por mais justiça social, com mais solidariedade e menos corrupção, e pactuar, quiçá promover a gritante promiscuidade e tráfico de influências que estão na origem da corrupção.

É uma questão de cultura e de civilização.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O risco de instabilidade

Imediatamente a seguir à tomada de posse do XVIII governo constitucional, liderado por José Sócrates, o regime desceu ao nível do lixo e da sucata.

Novamente, a corrupção, o tráfico de influências e o nepotismo surgiram em todo o esplendor, com a revelação dos primeiros detalhes da operação policial – "Face Oculta".

Ainda antes de enterrar os escândalos financeiros dos últimos anos, que alimentaram todas as suspeições ao mais alto nível do Estado, o novo ciclo político ficou desde já marcado por novas suspeições, tão sujas quanto a matéria prima que alimentou as negociatas e as luvas pagas à custa dos contribuintes.

Tal como aconteceu com o 'cavaquismo', o "Estado Rosa" de José Sócrates apodrece, lentamente, à medida que chegam ao conhecimento público os indícios de enriquecimento ilícito de alguns dos seus mais ilustres e proeminentes pares.

Depois de um ciclo eleitoral extenuante, em que os portugueses foram chamados a eleger os eurodeputados, o governo e os autarcas, chegou a hora de perguntar: ainda há esperança na mudança?

A resposta colectiva não se forma de um dia para o outro, nem ninguém se pode arrogar o direito de a avançar antes do tempo.

Todavia, começa a ser evidente que o futuro do segundo governo de José Sócrates vai depender mais da capacidade de regeneração do Estado do que da implementação desta ou daquela política governamental.

E que não haja ilusões: Com a oposição parlamentar demasiado comprometida com o sistema e com Aníbal Cavaco Silva ferido de morte, é cada vez mais evidente que a mudança a curto prazo só pode passar por um saneamento do poder, pois a crise económica e financeira estão instaladas e para durar por um bom par de anos.

Como nunca no passado, o risco de instabilidade governativa depende da crescente tomada de consciência do estado a que chegou a República.

sábado, 3 de outubro de 2009

Rio de sonho



Os 'cariocas' vão organizar as olimpíadas de 2016.

À primeira vista, não há ninguém no mundo que possa ficar triste com tal vitória, nem mesmo os responsáveis das candidaturas derrotadas de Chicago, Londres e Madrid.

Os que já puseram o pé na cidade mais bonita do mundo, que ainda poderia ser mais maravilhosa não fora a vergonha festiva das 'favelas', exortaram com o feito de monta.

Além da imediata festa em Copacabana, após o anúncio da escolha do comité olímpico, e a sete anos de distância, importa perguntar: quem vai ganhar com a realização do evento planetário?

Os 'cariocas'? Os brasileiros? O espírito olímpico? A paz entre os povos?

Não!

Os ganhadores serão os bancos, os construtores, as sociedades de advogados e as teias da corrupção que fazem do sétimo país mais rico do mundo uma das sociedades mais pobres e desiguais da América do Sul.

A fabulosa máquina criada para promover este tipo de mega eventos não tem qualquer preocupação com os princípios desportivos e universais. Aliás, não será de estranhar que um dia destes se fale de corrupção e de 'luvas' pagas aos responsáveis pela escolha do Rio de Janeiro, a exemplo do que sucedeu em casos anteriores.

Mais do que a mensagem universalista, de paz e convívio entre nações, a realização dos Jogos Olímpicos há muito que se transformou numa gigantesca máquina de promoção de negócios e regimes, democráticos ou ditatoriais, como a China.

No frenesi da globalização selvagem, os povos vão sucumbindo à ilusão 'patrioteira', magnificamente montada pelas máquinas da propaganda oficial, cada vez mais refinadas nos apelos aos argumentos serôdios.

Infelizmente, o preço a pagar é uma factura para mais tarde recordar, certamente com ignorância, analfabetismo e samba à mistura.

Aliás, basta perguntar aos portugueses qual foi o real benefício da realização da Expo'98 e do Euro 2004, cuja factura ainda está a ser paga pelos contribuintes, hoje, sem que tenha havido apuramento de responsabilidades em todas as trapalhadas e vigarices promovidas à sombra do Estado.

É caso para dizer: o dilema continua a ser sempre o mesmo, de um lado e do outro do Atlântico, seja ao ritmo do fado ou do samba.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Quem tem medo das 'secretas'?

Os serviços de informações passaram a ser uma presença regular nos media, sempre pelas piores razões.

Desde a revolução silenciosa que o governo levou a cabo, a partir de 12 de Março de 2005, nunca tal se tinha visto no Portugal democrático.

As suspeitas de escutas ilegais na Presidência da República aí estão, em todo o seu esplendor, entre muitas outras, para atestar a gravidade da crise que se abateu sobre o regime.

Num dia triste para o jornalismo, em que fontes de informação são estampadas na manchete, as palavras de Aníbal Cavaco Silva, em Cascais, são a prova de que todas as dúvidas são verosímeis, apesar da própria declaração ser quase tão intolerável como o fundamento que a motivou.

E varrer uma situação tão complexa para debaixo do tapete enquanto o país vai a votos é a todos os títulos inacreditável.

Aliás, o sistemático adiamento de um apuramento cabal do que se está a passar nesta matéria apenas tem contribuído para o apodrecimento da Democracia.

A situação não é de hoje, nem de ontem.

Em 2 de Fevereiro de 2006, assinei um artigo, intitulado “A secreta oculta de Sócrates”, que o tempo tem vindo corroborar.

Passados mais de três anos, o que mudou?

Nada!

Os serviços de informações viram reforçados os seus meios e instrumentos de acção, sem o equivalente reforço do efectivo controlo democrático.

Para ser rigoroso apenas uma coisa mudou: o discurso de Francisco Louçã.

A mudança é surpreendente, pelo que impõe uma questão: O que sabe o líder do Bloco de Esquerda para fazer tais afirmações tão categóricas, que contrariam os indícios de vigilâncias e de escutas selvagens que têm vindo a ser denunciadas por jornalistas e até por magistrados?

O silêncio de uns e as piruetas de outros revelam até que ponto o regime está refém de um calculismo sem limites, em que os princípios parecem cair por terra ao sabor das expectativas.

No dia 27 de Setembro de 2009, é caso para perguntar: quem tem medo das 'secretas'?