segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A debandada socrática

Há muito tempo que José Sócrates não tem condições para ser primeiro-ministro de Portugal.

Na biografia não-autorizada – "José Sócrates - O homem e o líder" – fiz várias referências documentadas sobre a sua estranha tendência para misturar a vida pessoal e o plano institucional no exercício do poder.

Fazer determinadas afirmações à revelia do status quo reinante pode ser penalizador, mas é reconfortante constatar que o tempo nos dá razão.

De facto, as revelações do semanário "Sol" confirmam uma actuação que obedece a um padrão aventureiro, mesquinho e perigoso, tantas são as tropelias (indícios de crimes?) escarrapachadas em documentos timbrados e assinados por investigadores da PJ, confirmados por um procurador do MP e ratificados por um juiz.

Ainda que muitos possam ter ficado surpreendidos com os sinais de abuso de poder, de cobardia e de mentira, há muito tempo que entre o "homem" e o "líder" não há fronteiras, valendo tudo para tentar consolidar um projecto político de poder pessoal.

José Sócrates passou à condição de CPP (Cadáver Político Potencial), à mercê de todos aqueles que o ajudaram a dar um dos maiores golpes na credibilidade da democracia dos últimos 30 anos.

Enquanto não surgir uma alternativa credível, porventura ainda vai governar durante mais algum tempo, com a corte do costume a fazer de conta que ainda o respeita.

O futuro político de José Sócrates passou a depender dos que estiveram ao seu lado e que, não tarda nada, vão começar a olhar para ele de soslaio, como se não tivessem feito parte do seu projecto e da sua incomensurável falta de cultura democrática.

Mais uma vez, e sem receio de voltar a ser penalizado por não considerar o status quo reinante, é preciso antecipar as consequências da previsível debandada socrática, cujos principais representantes, assumidos ou encapotados, já perceberam que quanto mais tarde se distanciarem do primeiro-ministro mais dificilmente poderão aspirar a ter uma réstia de credibilidade profissional e politica.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Wake up

A instabilidade governamental é assacada aos partidos políticos, mas também ao Presidente da República.

Com o fim da monumental encenação da aprovação do Orçamento de Estado, Aníbal Cavaco Silva pode começar, com toda a tranquilidade, a preparar a recandidatura presidencial.

Com uma oposição incapaz, temerosa, quiçá também rendida aos grandes interesses, o resultado até seria idêntico mesmo que o défice de 2009 atingisse, ainda mais miraculosamente, valores superiores.

De facto, os 9,3% anunciados até podiam ter chegado aos 10,3% do PIB – uma percentagem igual à do desemprego –, pois esta espécie de direita seria impotente para obrigar o governo a assumir as manigâncias politicamente descaradas.

Agora, pasme-se, mesmo as promessas de mais investimentos públicos, designadamente os grandes projectos do novo aeroporto e do TGV, podem ser sacrificados por quem os prometeu desenfreadamente, obviamente com base no álibi da 'nova' realidade orçamental.

A política do vale tudo venceu, perante uma oposição de rastos e uma comunicação social limitada à espuma do dia-a-dia.

Para trás fica uma campanha eleitoral politicamente mentirosa – mais uma! –, em que o governo escondeu a verdadeira dimensão da crise financeira, económica e o buraco das contas públicas.

Mais uma vez, José Sócrates venceu uma batalha política, obrigando os adversários políticos a trabalhar para si e por si.

Tal só foi possível com Fernando Teixeira dos Santos, até ao dia em que José Sócrates se fartar do ministro das Finanças que se 'engana' muitas vezes.

Ainda atónitos com a 'nova' realidade orçamental, os portugueses preparam-se para começar a pagar a factura, sem instabilidade governamental nem responsabilização de quem atirou o país para o abismo, de anúncio em anúncio e de truque em truque.

É caso para perguntar: Quanto tempo ainda será preciso para acordar para a governação mais politicamente irresponsável e opaca dos últimos 30 anos?

domingo, 17 de janeiro de 2010

Quem será o senhor que se segue?

O 'patrão' da RTP pode começar a sonhar com o descanso aos domingos.

Seis anos depois do início das "Escolha de Marcelo", o comentador não merecia cair às mãos de uma administração da estação pública.

O afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa está na linha de actuação do governo, pelo que só pode ter surpreendido os mais distraídos ou ingénuos.

Depois de meticulosamente preparada, com um álibi politicamente descarado, a opinião pública e publicada quase não reagiu a mais uma nova baixa em termos de liberdade de opinião.

Apenas alguns, os mesmos de sempre que continuam a resistir, levantaram a voz e a caneta para protestar por tão conveniente e súbito critério de alegada equidade da administração da RTP.

Os ataques à liberdade de expressão, opinião e imprensa, que se verificaram no passado recente, estão a começar a produzir os efeitos anestesiantes.

Tudo parece normal e fundamentado, perante uma entidade supostamente reguladora que diz não ter meios para investigar, quiçá só pode investigar o que lhe deixam investigar.

Na origem de mais um caso de condicionamento gritante está um pecado original: a atribuição de um palco mediático a figuras relevantes do espectro partidário.

Salvo raríssimas excepções, entre as quais incluo Marcelo Rebelo de Sousa, a opinião que se pretendia livre e independente tem sido entregue a "barões" partidários, com mais ou menos vocação mediática, que se limitam a uma gestão cuidadosa do respectivo tempo de antena.

Quem será o senhor que se segue?

sábado, 2 de janeiro de 2010

2010: Ano de mudança

A crise continua a arrastar-se, penosamente, consolidando uma situação de impasse no regime democrático.

Ao mesmo tempo que a fábrica de ilusões começa a dar sinais de esgotamento, as alternativas não têm palco, apenas vingando aqui e ali por força da inércia do próprio sistema.

É assim, hoje, tal como o foi no passado, de crise em crise, sempre sem se vislumbrar uma solução consistente.

Em qualquer área – da política à economia, da justiça aos media, da segurança à saúde – impera o sindroma Titanic: enquanto o barco se afunda, o maestro continua exuberante a liderar uma orquestra indiferente ao desastre.

Para onde quer que se vire o olhar, um poder desmesurado, por vezes asfixiante, generoso com a corte e implacável com os agentes da mudança, ignora o plano perigosamente inclinado para o abismo.

Não é por acaso que o debate político, mais ou menos crispado, assusta tanto o poder instituído que tudo faz para impor as águas calmas, fiadoras da manutenção do status quo, do arbítrio e da opacidade, ainda que correndo o risco de criar, inevitavelmente, charcos putrefactos.

O esticar da corda leva a excessos que podem tornar a realidade, tantas vezes oculta, mais facilmente apreendida.

Paradoxalmente, quanto mais incompetência mesquinhez e falsidade maior é a probabilidade de se fazer luz, condição essencial para qualquer fase de regeneração.

É tempo de chalangers assumidos, águas revoltas, debates acalorados e, sobretudo, de mais escrutínio e de novos agentes capazes de assumir a ruptura e propor alternativas.