quinta-feira, 1 de julho de 2010

A queda dos anjos

Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os dois principais responsáveis da equipa que administra a Portugal Telecom (PT).

Os cerca de 7 milhões de euros que o dream team recebeu, em 2009, entre salários e prémios, são reveladores do reconhecimento e estatuto ímpar que ambos alcançaram.

De um momento para outro, ambos apareceram envolvidos em casos polémicos: o assalto de José Sócrates à TVI e a proposta hostil da Telefónica para comprar a brasileira Vivo.

Sobre a compra da participação na estação de televisão já tudo foi dito, sendo que ambos conseguiram manter uma atitude angelical até ao fim desta espécie de reinvenção do milagre das rosas.

No segundo caso, e apesar de todos os apelos patrioteiros, a maioria dos accionistas da PT votaram pela venda dos 50% da Vivo à Telefónica, ignorando as recomendações dos dois gestores de topo.

Henrique Granadeiro e Zeinal Bava conseguiram agarrar-se às respectivas cadeiras celestiais, tendo assegurado a manutenção dos cargos por força de terem surgido sempre ao lado das posições de José Sócrates.

Esta atitude de identificação, quiçá subserviência, até pode ser explicada pelo estatuto especial do accionista Estado, que detém as 500 acções douradas da PT, mas lança um manto de dúvidas sobre a real defesa dos interesses dos accionistas, dos grandes e dos pequenos verdadeiros accionistas.

Desde a falhada OPA de Belmiro de Azevedo, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava só continuaram na liderança da PT por terem seguido sempre o brilho rosa, o que diz tudo sobre o funcionamento e a gestão das grandes empresas em Portugal.

À medida que chega a hora da alternância no poder político, ninguém estranhará que o futuro da PT não passe por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Não há crimes políticos perfeitos

Pacheco Pereira prestou um serviço inestimável à Democracia.

Pelo menos um deputado da comissão parlamentar de inquérito ao negócio da TVI teve a coragem política de levar por diante o mandato que lhe foi conferido pelo presidente da Assembleia da República.

Usando legitimamente de todos os elementos que lhe foram colocados para análise, Pacheco Pereira fez o trabalho de casa e apresentou as conclusões:

«Sim, houve participação governamental (em particular com origem no primeiro-ministro e executada por quadros do PS colocados em posições cimeiras em empresas em que o Estado tem qualquer forma de participação directa ou indirecta) numa tentativa de, em ano eleitoral, controlar vários órgãos de comunicação social, nomeadamente a TVI»;

«Sim, o primeiro-ministro sabia, foi informado pessoalmente do que se passava e, por via indirecta, conhecemos indicações suas sobre o modo como os executantes deviam proceder. E, por isso, mentiu ao Parlamento. Ele não queria ter a fama (de controlar a comunicação social), sem ter o proveito (de a controlar de facto) e procedeu e permitiu que procedessem em consequência, conforme as suas intenções publicamente anunciadas no congresso do PS».

Pacheco Pereira fez um enorme favor à Assembleia da República.

Ao fazer uma declaração de voto limpa e inequívoca, o deputado do PSD salvou a face de uma comissão povoada por deputados obedientes aos directórios partidários mais interessados no cálculo político do que numa Democracia transparente e consequente.

De igual modo, desmentiu todos os cépticos em relação à utilidade das comissões parlamentares de inquérito.

Por último, Pacheco Pereira fez um enorme favor ao partido social-democrata.

Com uma nova liderança, a navegar à vista e em busca da credibilidade, a atitude do deputado social-democrata permite acalentar uma réstia de esperança no futuro do partido.

Com a espécie de relatório final da comissão, a verdade é que partir de agora qualquer primeiro-ministro de Portugal passou a ter condições para colocar-se acima da lei, por esta ou aquela oportuna e circunstancial razão de Estado.

Contudo, graças a Pacheco Pereira, e ainda que in extremis, ficámos a saber que não há crimes políticos perfeitos em Democracia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal no imenso lodaçal



O alerta constante para os perigos decorrentes da crise económica e financeira – uma espécie de dramatização do presente para garantir a desresponsabilização do passado – tem tentado disfarçar o actual estado de imenso lodaçal.

Mais grave do que o espectro da banca rota, uma espécie de estado de letargia está a determinar uma caminhada a passos largos para o desastre colectivo.

Hoje, os portugueses celebram mais um dia especial, varrendo a evidência para debaixo do tapete na ilusão de estar a salvaguardar o futuro.

A liderança de um chefe de governo que perdeu a credibilidade, e que é tratado como um vulgar meliante na praça pública, provocou uma situação de impasse institucional inimaginável.

As políticas governamentais determinadas por uma navegação à vista, ou melhor, por eleições à vista, atingiram um tal nível de impunidade que começamos a descobrir a dimensão do brilho de algumas das novas pérolas do regime, nomeadamente o processo de financiamento do computador Magalhães e a consagração da retroactividade no aumento dos impostos.

Sempre em nome da salvação de Portugal.

Como se fosse possível disfarçar o imenso lodaçal, em que a corrupção foi transformada numa espécie de regra larvar do normal funcionamento das instituições da República.

Sem saída à vista, restam poucas razões para comemorar o dia de Portugal.

Ainda assim, os portugueses continuam a demonstrar uma dedicação ímpar. Até mesmo aqueles que foram obrigados a emigrar, para escapar à miséria, continuam a cantar a "Portuguesa".

Neste quadro de imenso lodaçal, em que a liberdade é cada vez mais uma palavra vã, só falta mesmo a consagração do crime político perfeito para matar a esperança.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Protesto oco ou fúria anticlerical?

A visita de Bento XVI é um acontecimento que deve ser observado com sentido de tolerância.

Os católicos e os crentes rejubilam com a deslocação da autoridade máxima da sua Fé.

Políticos e governantes aprumam-se para ficar na fotografia.

A cobertura mediática tem a mesma lógica do que qualquer outra visita de Estado ou acontecimento desportivo global.

Entre o folclore de Estado e as notícias sobre a realidade nua e crua, já se sabe quem fica sempre a ganhar.

Até aqui, não há novidade nenhuma.

Obviamente, nem o protocolo de Estado pode surpreender.

O argumento da laicidade do Estado, assente no formalismo constitucionalista, mais não serve do que tentar esconder um anticlericalismo purulento.

Aliás, é um argumento intelectualmente medíocre.

Os que invocam a Constituição, agora, esquecem-se dela em relação a outros direitos constitucionais consagrados, como o emprego, a educação, a justiça, a saúde, a liberdade de informação, etc...

Basta de cinismos em relação à Constituição.

A sua cotação actual é mais baixa de sempre.

Fazer de conta que ela existe, quando convém para defender isto ou aquilo, não impede que se tenha transformado no espelho da falência do regime.

Começa a ser tempo de uma revisão que acabe com a farsa constitucional, que acalenta oportunismos de esquerda e de direita.