sexta-feira, 8 de junho de 2012

Limpar Portugal

A queda dos juros da dívida pública portuguesa é um sinal inequívoco de que Passos Coelho está no caminho certo, fruto de uma estratégia firme de Vítor Gaspar, ministro das Finanças, e da lenta retoma do ambiente de confiança na União Europeia.

Por mais que doa ao PS e ao resto da oposição, o alívio nos juros abona a estratégia governamental, que parece não se compadecer com o velho jogo da banca, que suspira pelos velhos tempos de mais e mais dívida, de mais e mais crédito, de mais e mais projectos megalómanos.
A governação da maioria do PSD/CDS-PP tem sido pautada por hesitações e até erros pontuais graves, mas no essencial o balanço continua a ser positivo.
A folga conquistada é um passo importante, pois representa mais tempo para continuar a fazer o que já devia ter sido feito há muito tempo; contudo os sacrifícios que estão a ser impostos aos portugueses exigem a consolidação de uma dinâmica de mudança para limpar Portugal.
Se é verdade que o país começou a mudar a partir de 21 de Junho de 2011, porque o Estado e os privados perceberam que não podiam continuar a gastar à tripa-forra, nove meses depois da tomada de posse de Passos Coelho a grande novidade é o alastrar desta dinâmica de mudança a outros sectores.

A notícia de que os casos da anterior governação estão a passar do espaço do debate político para a esfera da justiça é um sinal de que o ambiente de mudança também já começou a chegar aos magistrados, tradicionalmente avessos a escrutinar o poder político e executivo.
O salto qualitativo é enorme, desde logo porque garante uma poupança imensa a todos os contribuintes. E mais. É pedagógico, pois os actuais governantes ficam a saber que a partir de agora lhes pode acontecer o mesmo quando abandonarem o poder.
A vigilância da governação está a fazer o seu caminho por força dos desperdícios criminosos que nos colocaram de mão estendida, ou seja, a percepção de que o crime não compensa passou a ser extensível aos titulares do poder. E quanto mais cristalina for esta realidade, mais dificilmente se repetirá o descalabro, independentemente de os seus responsáveis insistirem na fuga às responsabilidades com base num discurso intelectualmente desonesto de pretender confundir o escrutínio legítimo com um qualquer vulgar acerto de contas.

Passos Coelho pode descansar à sombra dos pequenos grandes êxitos?

Não. A mudança alcançada não é suficiente nem compatível com a brutalidade policial sobre manifestantes e jornalistas, em dia de greve geral, que, aliás, deveriam ter merecido uma reacção mais célere e firme da parte do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, quiçá uma palavra do primeiro-ministro.

A debilidade da situação exige que o governo não substitua o confronto com as cumplicidades instaladas pelo autoritarismo com os mais fracos e descontentes.

Maior rigor com as contas públicas, com as nomeações políticas e com os negócios de Estado constituiu uma viragem de monta, mas é preciso continuar a ir mais além, ousando afirmar a ruptura com os vícios da mercearia partidária e com o polvo do bloco central de interesses que gira à sua volta.

No momento do 34.º congresso do PSD seria bem mais importante marcar a diferença com o passado do que assistir a aclamações e ao folclore habitual.

Por isso, qualquer mexida no statu quo seria histórica, sobretudo se servisse para diminuir a confusão entre o Estado e os partidos.

O desafio é simples: Passos Coelho é capaz de deixar de acumular a chefia do governo com a presidência do partido?

terça-feira, 20 de março de 2012

Vale tudo por Sócrates

Entre a estupefacção e a indignação, o país assistiu a uma vozearia inaudita após a demissão de Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia, por causa da suposta cedência do governo em relação às rendas milionárias atribuídas à EDP, ou seja, os responsáveis pela descomunal subsidiação da eléctrica, firmada através de contratos blindados, são os mesmos que agora têm o desplante de criticar o governo por não cortar depressa e a eito na empresa presidida por António Mexia.
O foguetório verbal atingiu mesmo limites revoltantes após ter sido divulgada uma auditoria à Parque Escolar, responsável pela requalificação das escolas e pela gestão de um projecto da ordem dos 2,4 mil milhões de euros. Enquanto se descobriu que o custo unitário estimado por escola passou de 2,82 milhões de euros, em 2007, para 15,45 milhões de euros, em 2011, uma derrapagem superior a 400%, as mesmas vozes socialistas desataram a vociferar, precipitadamente, por causa de quatro milhões de euros que entraram nos cofres da Lusoponte.
Como se não bastasse, os mesmos socialistas, cada vez mais convulsivos, insurgiram-se contra a Associação Sindical dos Juízes Portugueses depois de ter sido divulgado que a instituição liderada pelo magistrado António Martins apresentou uma participação ao Ministério Público por causa do regabofe das despesas dos gabinetes governamentais.
Estes três exemplos são suficientemente paradigmáticos, pelo que nem é necessário falar do tiro falhado em torno de quem manda mais no que sobra dos fundos comunitários do QREN ou do prefácio do livro “Roteiros VI”, de Cavaco Silva, que, aliás, dissipou qualquer dúvida em relação à governação anterior.
Se é verdade que o escrutínio deve estar concentrado em quem exerce o poder, a situação do país exige a desmontagem deste súbito frémito, alimentado por uma espécie de oposição pirómana que pode colocar em perigo o cumprimento do memorando da troika.
A verdade nua e crua é evidente: este PS, liderado por um secretário-geral cada vez menos seguro, está disposto a tudo para salvar a pele de José Sócrates, politicamente exilado em Paris, mas suficientemente atento para perceber que está a chegar a hora da verdade, após uma governação repleta de casos políticos e pessoais que estão muito longe de estar esclarecidos.
Eis a verdadeira razão que está por trás desta súbita turbulência provocada por quem continua a mandar no Largo do Rato e está aterrado com as ondas de choque dos casos judiciais que envolvem o nome do ex-primeiro-ministro, sobretudo depois da última decisão do Tribunal Constitucional que acautelou o destino das escutas das conversas entre José Sócrates e Armando Vara.
Depois de sucessivas tentativas falhadas de vitimização do ex-primeiro-ministro, os órfãos políticos de Sócrates parecem estar dispostos a tudo para tentar inverter a situação, a partir do controlo da bancada parlamentar socialista e de uma presença desmesurada em alguns órgãos de comunicação social.
A governação tem de ser escrutinada por uma oposição livre de amarras e com humildade para aceitar os erros do passado, sejam eles da responsabilidade de quem for. E não pode, em nenhum caso, fazer depender a sua acção política da evolução deste ou daquele caso judicial.
O futuro do país ou de qualquer instituição, pública ou privada, não pode depender de lealdades caninas. A política do vale tudo tem de acabar.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Cortinas de fumo


É bem mais fácil lançar cortinas de fumo para enterrar o passado, quiçá exigir a Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia, que continue a fazer o jogo de sempre, do que seguir o caminho que se impõe: perceber como e porquê o anterior governo falhou; conhecer os projectos e os destinatários dos incentivos atribuídos; e responsabilizar quem falhou, está a falhar ou beneficiou de favores políticos e partidários.

Distraídos com o acessório, não é de estranhar que a análise do fundamental continue a escapar à classe política, ou melhor, continuam a escassear vozes autorizadas a colocar o dedo na ferida relativamente à execução de um programa que deveria ter sido crucial para garantir o crescimento económico e o desenvolvimento estrutural.

Enquanto o diz-que-diz abafa o essencial, Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, anunciou mudanças na lei da política criminal, com destaque para a prioridade em relação aos crimes de colarinho branco e aos cometidos por titulares de cargos públicos.

De facto, num país marcado transversalmente pela corrupção, é inadmissível que, entre os cerca de nove mil reclusos das cadeias portuguesas, estejam apenas 17 corruptos (13 por corrupção activa e quatro por corrupção passiva), quatro por branqueamento de capitais, quatro por peculato, dois por abuso de poder, um por enganar o fisco e outro por tráfico de influências, de acordo com os mais recentes dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

O poder dos lóbis e a complexidade do crime económico são argumentos que já passaram o prazo de validade. É preciso investigar os responsáveis por este fracasso, porventura criminoso, e sobretudo perceber como continuam a saltitar descontraidamente do poder executivo para outros cargos de alta responsabilidade, tanto no sector público como no privado.

Não vale a pena perder um único segundo com os discursos manhosos que visam disfarçar o indisfarçável. Nem é possível continuar a fingir que não se conhece o que se passa por esse mundo fora. Entre outros casos, de sublinhar dois exemplos actuais: Christian Wulff, presidente da República alemão, demitiu-se à mínima suspeita pública; e Geeir H. Haarde, ex-primeiro-ministro islandês, está a ser julgado.

Para reconstruir a casa da democracia é preciso começar pelos alicerces, desde logo exigindo ao Ministério Público uma resposta inequívoca e transparente que contrarie a percepção generalizada da impunidade reinante.

O país não pode conviver, como se nada se passasse, com as dúvidas sobre os negócios milionários da família Cavaco Silva com as acções do BPN; nem pode aceitar passivamente que a polémica decisão de destruição de escutas continue a dificultar o esclarecimento do processo “Face Oculta”; nem tão--pouco pode ficar indiferente ao facto de José Sócrates, a estrela dos julgamentos da Universidade Independente e do Freeport, nunca ter sido ouvido em sede de inquérito.

Tudo o que é demais enjoa. Por isso é muito mais urgente perceber como é que Fernando Pinto Monteiro, procurador-geral da República, continua a merecer a confiança do Presidente da República para continuar em funções do que saber quem manda mais no que sobra dos fundos comunitários do QREN.

domingo, 18 de março de 2012

Seguro por um fio


Não obstante os sacrifícios impostos pelo governo, António José Seguro continua sem afirmar a liderança e uma alternativa credível. E pior: está cada vez mais enredado numa estratégia política errática, aparecendo como um perdedor à beira de esgotar o prazo de validade.

O líder do maior partido da oposição nunca foi capaz de romper com a desastrosa governação de Sócrates, de que, aliás, se distanciou atempadamente. Desde a sua eleição, a 23 de Julho de 2011, António José Seguro sempre fugiu desta imprescindível e saudável clarificação partidária.

O compromisso com a maioria da bancada parlamentar do PS, que lhe é claramente hostil, foi o álibi político para afirmar, inicialmente, uma estratégia cómoda de cooperação com o governo, fundamentada pela necessidade de respeitar os compromissos assumidos anteriormente. A tentativa de conciliar o inconciliável não podia dar bons resultados. O líder do PS deixou-se encostar às cordas, ficando numa posição em que é preso por ter cão e por não ter.

Já em desespero político, e evitando sempre clarificar a questão primordial, ou seja, o corte com o passado, António José Seguro começou a dar passos largos em direcção ao abismo, prometendo o que sabe não ser possível dar neste momento. Aliás, qualquer cidadão já percebeu cristalinamente que o aumento do desemprego e a recessão são consequências da irresponsabilidade e do aventureirismo da anterior governação.

O primeiro sinal evidente do paradoxo em que se deixou aprisionar aconteceu no momento em que criticou o histórico acordo laboral que o governo alcançou com o apoio da UGT, a central sindical historicamente associada aos socialistas.

Acantonado no partido e sem apoio popular, o líder do maior partido da oposição acabou de cometer uma espécie de haraquiri político: o voto contra a reforma da administração local apresentada pelo governo, depois de ter elogiado a mini-reforma em Lisboa que o seu principal rival, António Costa, conseguiu em tempo útil.

Ainda que a proposta da maioria esteja longe de ser perfeita, é factual afirmar que corresponde à exigência de redução do número de freguesias que consta do Memorando que António José Seguro jurou aos sete ventos honrar, independentemente da afirmação tardia de discordância de fundo em relação aos seus fundamentos.

A estocada final era inevitável: António Costa, sem qualquer surpresa, já veio a público apoiar a reforma apresentada por Miguel Relvas, deixando António José Seguro numa situação politicamente insustentável.

O ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares conseguiu assim, facilmente, matar dois coelhos com uma só cajadada: por um lado, tem facilitada a aprovação de mais uma reforma estrutural; por outro, conseguiu colocar António José Seguro na soleira da porta do Largo do Rato.

O líder do PS está entre a espada e a parede: por um lado, não podia deixar cair de qualquer maneira o aparelho do PS que o elegeu; por outro, não pode deixar passar em claro a facada política do presidente da Câmara de Lisboa.

Chegou o momento da verdade para António José Seguro. O PS merece-o. E o país exige-o, pois precisa de um líder do maior partido da oposição livre de amarras e capaz de uma alternativa coerente.

Não falta futuro a António José Seguro, mas sim coragem política para definir claramente o caminho para reconquistar a credibilidade perdida do PS.