sábado, 30 de junho de 2012

O que não mudou em Portugal


Passos Coelho está a gripar. 

A poucos dias do debate do Estado da Nação, importa fazer o balanço sobre o que não mudou em Portugal:
 1. O bloco central de interesses;
 2. A falta de transparência e os negócios de Estado, com todos os olhos na TAP;
 3. As nomeações para cargos da maior relevância que potenciam o tráfico de influências;
 4. O favorecimento dos mesmos grupos económicos constituídos durante os governos PSD e reforçados pela governação do PS;
 5. A falta de determinação no combate à corrupção;
 6. A irresponsabilidade política dos titulares de cargos públicos;
 7. A burocracia e a imensa carga fiscal;
 8. A falta de um quadro claro de captação de investimento estrangeiro;
 9. O esmagamento dos pensionistas que vivem com rendimentos miseráveis;
10. Os cortes que afectam os mais necessitados, designadamente no SNS. 

Para quem considerou que o país já tinha batido tão no fundo que só poderíamos melhorar, os dez pecados mortais de Passos Coelho são tristes revelações.

Está tudo a correr mal?
Não!

Tal como o Estado, alguns cidadãos foram obrigados a uma atitude de maior contenção e racionalidade nas suas despesas e capacidade de endividamento.

Mas será que é suficiente?
Não!

Com a recessão instalada, os portugueses começam a duvidar que tanto sofrimento valha a pena.

E porquê?

Porque a governação continua a ser opaca; porque a distribuição dos sacrifícios não é equitativa; porque o descontrolo orçamental permanece apesar do esforço exigido aos cidadãos.

Se comparáramos as manchetes dos jornais de hoje com as do ano passado, constatamos que a promiscuidade continua ao mais alto nível, que as queixas dos cidadãos são iguais e que a liberdade continua no fio da navalha, como comprovam amplamente os casos das secretas e de Miguel Relvas.

Ninguém entende a poupança brutal e forçada se não existirem sinais reais de uma luz ao fundo do túnel.

Não admira que os cidadãos comecem a desconfiar da seriedade do governo, duvidem da determinação dos ministros para fazer o que tem de ser feito e questionem a capacidade do primeiro-ministro em aguentar o mandato de quatro anos.

Não basta recorrer às receitas do passado, papagueando slogans para mostrar que o governo está a trabalhar. O povo precisa é de ver e sentir que estão a ser alcançados resultados positivos no equilíbrio das contas públicas, no desenvolvimento da economia, nos serviços de saúde, ensino e justiça e na criação de um ambiente que permita às empresas criarem postos de trabalho e gerarem lucros.

Com a incerteza instalada, com mais ou menos remodelação à vista, ninguém aceitará, pacificamente, sobretudo os jovens, a manutenção da condescendência em relação às impunidades e iniquidades que estão na origem do empobrecimento do país.

A contestação popular, à beira de se transformar em agitação social, não é uma ameaça à estabilidade governamental, mas sim uma reacção legítima de quem já não ignora o impasse em que mergulhámos nem aguenta mais impostos.

Em síntese: A tolerância em relação ao governo passou a ser inversamente proporcional ao aumento das dificuldades da população no dia-a-dia.

As decisões da última cimeira europeia representam uma última oportunidade para evitar o desastre. Mas por mais ventos europeus favoráveis, o país só será capaz de mudar se estiver mobilizado colectivamente, se acreditar que o governo é liderado por um primeiro-ministro que não falha nos momentos decisivos, não pactua com os mais poderosos, não cede aos interesses particulares e não contemporiza com a mentira.

sábado, 23 de junho de 2012

ERC e a vidinha continua

            A deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o caso Relvas/Público é um tratado sobre o estado a que chegou o país e a comunicação social.

            Sob a capa dos factos e da ponderação do enquadramento legal não obstante algumas observações que abrem a porta a equívocos perigosos (ponto 174) , a deliberação obedeceu a uma única prioridade: salvar a face do poder.

 Em primeiro lugar, tentou salvar a face do ministro. A averiguação a propósito das pressões "ilícitas" de Miguel Relvas sobre o jornal Público abriu a porta ao branqueamento. O que estava em causa, e continua a estar, é apenas saber se existiu um ataque à liberdade de imprensa, se existiram pressões inaceitáveis sobre uma jornalista e se é possível a um detentor de um cargo público usar informação privilegiada para condicionar a actividade de um jornalista através da ameaça da divulgação de dados da sua vida pessoal.

Em segundo lugar, tentou salvar a face da direcção do "Público". Em todo o texto da deliberação, até parece que quem foi ameaçada foi Bárbara Reis, directora, e não Maria José Oliveira, jornalista. O descaramento é tal que basta verificar que o regulador abdica de fazer qualquer recomendação, ficando por vagas considerações que começam por aceitar a tese conspirativa do ministro Relvas.

Em terceiro lugar, tentou salvar a face da ERC. Quem conhece a história de Carlos Magno, presidente da reguladora, não podia esperar outra coisa, ou melhor, presume-se que não terá sido pela sua independência que foi escolhido para liderar a ERC. Aliás, a leitura cuidadosa do documento revela bem o estilo do seu primeiro signatário: reverencial com o poder, preocupado em parecer isento e cuidadoso com os detalhes.

Numa apreciação mais nua e crua, a deliberação é um hino à hipocrisia que está à altura de uma comunicação social mais vulnerável e dependente, que aprecia menos o trabalho do jornalista e valoriza mais a imagem de independência e distanciamento dos poderes institucionais e instituídos.

Para quem tivesse dúvidas basta atentar que é o próprio presidente da ERC que assume uma tentativa desesperada de «cozinhar ou manipular a deliberação», até ao último minuto, para conseguir a unanimidade no Conselho Regulador, ou seja para manter a fachada de independência da ERC.

Neste universo de todo o tipo de golpes de rins não podia faltar uma ponta de cinismo. Ao mesmo tempo que transborda de cuidados em salvar o ministro, a ERC consegue a suprema ironia de reabrir o caminho para o segundo funeral político de Miguel Relvas, ao admitir que sexa teve um comportamento «objecto de um juízo negativo no plano ético e institucional».

A deliberação da ERC é uma fraude pelo simples facto que apenas pretendeu consolidar a situação de precariedade que se vive há muito tempo nos órgãos de comunicação: a defesa do poder editorial da hierarquia. Não as condições de trabalho dos jornalistas, neste caso da jornalista, em relação ao poder político; não o do Público em relação ao governo; mas o da direcção do Público em relação aos seus jornalistas.

A ERC nunca defendeu a liberdade de imprensa e os jornalistas. Foi assim com Sócrates. Ficamos a saber que também assim é com Pedro Passos Coelho.

Agora, só falta saber o essencial: qual vai ser o futuro de Maria José Oliveira?

Certamente, a jornalista não vai passar pelos jardins de Belém e de São Bento, nem tão-pouco corre o risco de ser nomeada para presidir à ERC.

Falta pouco para todos se calarem.

A vidinha continua.

sábado, 16 de junho de 2012

O regresso ao passado


Há um frémito no ar, que se sente a léguas, por causa da ameaça grega, da iminente implosão do euro, da recessão económica e do desemprego.

Ao mesmo tempo, o impasse interno começa a fazer fluir a pré-desagregação do Estado, seja ele social ou do mínimo denominador comum dos valores democráticos, ao ritmo da entrada de capitais estrangeiros lavados pela extrema necessidade. Não é por caso que cada escolha pesa toneladas sobre os ombros de quem tem e não tem poder.

Ao longo dos últimos meses foi visível o início de uma espécie de mudança que sucumbiu ao primeiro grande desafio.

 Com o chão a fugir debaixo dos pés de pobres e ricos, anónimos e poderosos, cidadãos e governantes, o fosso cavado entre aqueles que teimaram em lidar com o nome próprio das coisas e aqueles que se continuam a esconder na ficção das generalidades voltou ao ponto de partida.

E o que vemos, quando queremos ver livremente?

Cavaco Silva está politicamente fragilizado e incapaz de assegurar o regular funcionamento das instituições, como atestam as críticas de vários partidos políticos e até algumas sondagens.

Passos Coelho, que começou bem e prometeu muito, está paralisado e condicionado por incoerências insanáveis, quiçá refém de um ministro que mente no parlamento e de altos funcionários que têm escapado aos órgãos de fiscalização. 

Paulo Portas mais parece um caixeiro-viajante (sem ofensa para o ministro e para os caixeiros-viajantes), exibindo um punhado de investimentos estrangeiros enquanto perdura a opacidade sobre os extraordinários negócios dos submarinos.

Os idosos com mais de oitenta anos percorrem quilómetros para aceder a uma consulta médica, sem a certeza de poderem pagar os tratamentos ou de comprar os medicamentos.

O direito à justiça passou a ser quase um privilégio dos poderosos, sendo que os restantes mortais têm de se contentar com as sobras do que resta do estado de direito.

Bancos e banqueiros encaixam empréstimos de um Estado falido e generoso com o sistema e impotente face às dificuldades dos cidadãos.

Muitos outros exemplos poderiam ser apontados para ilustrar esta fatalidade genética salazarenta que empata o presente e corrói o futuro. Por isso impõe-se a pergunta: regressamos à governação do passado, que encheu os bolsos de alguns ao ritmo que esvaziou os cofres do Estado? 

A sucessão dos últimos escândalos atesta que as mudanças não beliscaram o olímpico salve-se quem puder desde que não seja apanhado ou não dê nas vistas.

O mais grave é que não se vislumbra alternativa. No momento em que todos começam a olhar para a esquerda, lá veio a estafada estabilidade política, o velho argumento daqueles que não vivem, pois estão sempre à espera que a vida lhes bata à porta.

Eis a principal razão porque continuamos a viver no pântano, de crise em crise, de falência em falência, sem que sobrevenha uma alternativa, uma nova classe política, uma nova cidadania.

Este bloco central de interesses, que nos tem atirado para o abismo, com uma regularidade espantosa, continua vivo e sólido, contando com a influência serviçal  da corte do costume e com a cumplicidade de uma comunicação social que lá lhe vai abrindo as portas quando são atirados borda fora do poder.

Assim, não há alternativa que vingue. Até ao dia em que os portugueses comecem a perceber os custos da corrupção e a desconfiar destes "anjos" da democracia que se eternizam à medida dos seus jogos políticos, mais ou menos sujos, mas sempre à socapa.

Quem fica a perder?

O país e os portugueses.





sábado, 9 de junho de 2012

Exigência e excelência


Acabou a condescendência em relação ao governo de Passos Coelho, que alguns têm insistido em baralhar com estado de graça, passividade ou paciência.

O caso das secretas, que se confunde com o caso Relvas, ou vice-versa, foi a gota de água que fez transbordar o copo cheio de más notícias.

A auréola de Passos Coelho caiu face ao primeiro grande embate da governação: quando o país esperava a firmeza inquebrantável, digna de quem valoriza os valores democráticos, multiplicaram-se as hesitações, as cumplicidades, as ameaças, as mentiras e os ziguezagues.

Os resultados do último barómetro da Universidade Católica provam que o clima político está a mudar. E não foram os indicadores desastrosos, nomeadamente o desemprego, que provocaram esta mudança no estado de espírito geral. Muito pelo contrário. Na origem da descrença está a constatação que o governo por incapacidade, compromisso ou cobardia política não está a cumprir a verdadeira mudança prometida.

Não obstante a tentativa de desvalorizar as sucessivas revelações, que atestam a promiscuidade ao mais alto nível até à náusea, os próximos tempos comprovarão o rombo na credibilidade do governo. Há rótulos que se colam aos governantes para sempre, determinando o seu futuro, justa ou injustamente.

Resta saber como Passos Coelho vai tentar sair do atoleiro em que se meteu, voluntaria ou involuntariamente, mas seguramente por culpa própria.

Não vale a pena invocar a honra, a família e as intenções reformistas, nem tão-pouco tentar condicionar os jornalistas e os colunistas de opinião para tentar mascarar os próprios erros. O silenciamento das vozes críticas, de uma forma mais ou menos indirecta, é uma saída indigna de quem prometeu fazer a diferença.

Basta olhar para o passado para perceber que este tipo de ardil, ainda que com apoios no seio da bafienta nomenclatura, não tem qualquer viabilidade. Nunca tem futuro. Mais tarde ou mais cedo, a realidade impõe-se, expondo quem nunca olha a meios para atingir os fins.

Em democracia não há maiorias, estrelas e serviçais suficientes para apagar os factos, sejam eles económicos, financeiros, sociais ou de Estado. Por isso os cidadãos passaram a ter todas as razões para suspeitarem dos serviços de informações. E se o governo não pôde, ou não consegue, resolver o problema, então os portugueses também têm toda a legitimidade para desconfiar de quem os governa, a começar pelo primeiro-ministro, já que Miguel Relvas passou à condição de cadáver político ambulante. E não colhe quem tenta confundir a determinação do número dois político do governo em privatizar um canal da RTP (que sempre elogiei) com as trapalhadas em que se enredou, ou foi obrigado a enredar (que continuo a criticar).

Sacrificar as liberdades individuais às mãos de interesses particulares e de estratégias inexplicadas, quiçá por rendição a influências que não têm rosto nem nome, pode ser o artifício usado para servir de exemplo num momento em que se advinha um crescendo da contestação. Mas como a história já demonstrou, por diversas vezes, há caminhos que conduzem, inevitavelmente, a um beco sem saída e sem glória.

O país não tem tempo para novos impasses, que ontem nos conduziram ao estado de emergência e hoje nos colocam à beira do abismo.

Nos momentos críticos, os governantes têm de servir no poder em vez de se servir do poder, sejam quais forem as suas circunstâncias políticas e particulares.

No dia de Portugal a situação é tão séria que só pode ser enfrentada com exigência e excelência.