segunda-feira, 8 de julho de 2013

Portas, Passos, Cavaco e elites: e agora?


 Do lado de fora do poder, o jornalista Paulo tentou mudar o país com trabalho e irreverência; à medida que o tempo foi passando, o político Portas foi fazendo um caminho com mentirolas oportuníssimas; hoje, o governante Paulo Portas, cada vez mais instalado na máquina do poder, passou a ser confundido com o sistema na sua dimensão mais medíocre e venal.

A demissão "irrevogável" do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi clarificadora: com a visão instrumental que o impede de passar da lógica de poder à lógica do serviço, Paulo Portas até pode continuar a ressuscitar politicamente, insistindo no mesmo "catecismo", mas deixou de fazer parte da esperança, passou a engrossar o pelotão da desilusão, entre tantos e tantos outros ministros, primeiros-ministros e presidentes da República.

A crise política em que o país mergulhou é o espelho de uma nova geração de governantes que replica o que foi feito anteriormente, apesar de todas as encenações, ou seja, segue a cartilha do vale tudo para conquistar, exercer e manter o poder.

O penacho passou a ser o exemplo de referência, com mais ou menos exibição parola, com mais ou menos mordomia, com mais ou menos legitimação à custa de uma visibilidade fabricada e às vezes rasca; e a impunidade passou a ser um atestado de força e influência, palavra a palavra, acordo a acordo, peão a peão, negociata a negociata, notícia a notícia.

Sejamos claros: a crise institucional não foi desencadeada por causa de mais ou menos austeridade, nem tão-pouco pela escolha deste ou daquele ministro, mas sim pelo reequilíbrio de forças entre o Estado e alguns centros de poder que permanecem totalmente indiferentes às necessidades dos portugueses.

Há mais de 30 anos que a estabilidade de fachada e a dança de cadeiras é apresentada como a única solução. Não terá chegado a hora de promover e dar uma oportunidade às elites que não estão conspurcadas pelo manto de lixo que envolve o sistema que tem hipotecado país?

Sair por sair, não é construtivo; ficar por ficar, não acrescenta rigorosamente nada. A sobrevivência do actual governo, seja qual for a sua recomposição, está minada pela quebra do elo de confiança com os portugueses e os credores externos.

O país vive desesperado e em agonia por três razões fundamentais: o entendimento do exercício do poder, a composição do espectro partidário e a qualidade da cidadania. Por isso, para mais do mesmo, face a entendimentos precários e de última hora, a melhor resposta é dar um sinal de confiança a todos aqueles não se deixaram iludir e condicionar pelos salões do poder que estão tão distantes do povo que já nem conseguem disfarçar as suas próprias idiossincrasias.

Ninguém tem dúvidas sobre a urgência de líderes com competência, de políticos sem ligação a quem nos atirou para o abismo e agora para o caos e de governantes com capacidade, seriedade e dignidade para dar prioridade ao interesse colectivo em detrimento das clientelas e de interesses particulares.

Se não for dada uma oportunidade a esta nova energia, se não for aberta a porta a novos rostos que tenham respeito pela miséria e o sofrimento do povo, então só resta pagar a factura que decorre da teimosia em acobertar os infractores do costume e continuar a viver à mercê das imposições determinadas no exterior.

O paradoxo do regime atingiu o limite. Portas, Passos Coelho, Cavaco e o que resta das elites com as mãos limpas não podem fugir, durante mais tempo, às suas responsabilidades. 

segunda-feira, 1 de julho de 2013

E depois de Vítor Gaspar?



Os sucessivos sinais de fragilidade política de Pedro Passos Coelho e os termos da carta de demissão de Vítor Gaspar indiciam que o país poderá mudar de rumo, passando a trilhar um caminho mais simpático em termos de opinião pública e até com potencial para poder fazer renascer os estafados pactos de regime entre PSD, PS e CDS/PP tão ao gosto presidente da República.

A confirmar-se este cenário, importa relançar, desde já, o debate sobre a principal questão de fundo: Quem tem ganho com a estratégia de mais investimento público e de mais apoios estatais ao sector privado?

Políticos, patrões e sindicalistas, numa estranha aliança, têm multiplicado os pedidos de mais dinheiro do Estado para a economia e mais afago ao sector privado, sem nunca terem manifestado a mínima preocupação em fazer o balanço da produtividade de décadas de investimentos públicos politicamente criminosos e de sucessivas linhas de crédito bonificado para os mesmos destinatários de sempre.

O mais extraordinário é que este tipo de reivindicação, ora de fato e gravata, ora de mangas arregaçadas, é apresentada como se os recursos do Estado proviessem de uma fonte inesgotável, sempre com base num raciocínio simplista: se não há dinheiro, então pede-se emprestado ao exterior.

Nas últimas décadas, a cartilha do investimento público e a estratégia de incentivos e subsídios às empresas tiveram um resultado conhecido: em termos médios, Portugal registou indicadores miseráveis, não obstante o país ter beneficiado de muitas dezenas de milhar de milhões de euros de fundos comunitários.

Sejamos claros: o pedido de assistência externa não foi mais nem menos do que a consequência de anos e anos de dinheiro atirado para cima da economia, sem uma estratégia a médio e longo prazo, beneficiando uma superestrutura unida pela cor do dinheiro, servindo objectivos políticos e partidários e fomentando o mais iníquo dos impostos: a corrupção.

O mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) não deixa quaisquer dúvidas em relação à falta de vontade política para aplicar a legislação sobre a corrupção transnacional e as sucessivas recomendações para travar um fenómeno que continua a condenar os portugueses à miséria. E vai mais longe, identificando que Portugal tem ligações importantes com países considerados de alto risco em termos de corrupção, como Angola, uma conclusão que estilhaça o actual muro de silêncio interno sobre os investimentos angolanos, sobre os quais têm feito falta opiniões firmes e credíveis e até um jornalismo mais independente.

A remodelação do ministro das Finanças não é o fim do mundo. O que pode ser preocupante é o facto de ter caído o único governante a quem era reconhecida, interna e externamente, a competência, a seriedade e a independência para mudar o status quo que tem hipotecado o futuro de Portugal.

Dois anos após a tomada de posse do XIX governo constitucional, o país caiu, novamente, na incerteza, embora as opções que estão em cima da mesa continuem a ser as mesmas de 2011: ou relançamos a actividade económica, com base numa regulação competente e credível, numa concorrência efectiva e transparente, num sistema fiscal justo e competitivo e numa justiça moderna e eficiente, ou voltamos ao passado, com mais propaganda e circo, consolidando a enorme nebulosa que continua a envolver as relações entre o Estado e os privados, em suma, abrindo caminho a um novo desastre.

Não há ninguém insubstituível em Democracia. Resta saber se a substituição de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque não é a abertura da caixa de Pandora.


sábado, 25 de maio de 2013

Portugal é assim: o país dos legalistas de ocasião


As suspeitas generalizadas sobre a classe política, a falta de credibilidade das instituições e o abandalhamento do regime estão a provocar há muito tempo o crescimento de uma onda de repulsa, transversal a toda a sociedade, em relação aos detentores de cargos políticos.

Não obstante este sentimento colectivo – que não se confunde com o desespero em relação à austeridade, pois é muito mais profundo, enraizado e sentido –, poucos têm sido aqueles que têm prestado a devida atenção ao léxico do debate público, às declarações sobre os representantes dos órgãos de soberania e aos insultos veiculados nas últimas manifestações.

Vale a pena reflectir sobre esta conjuntura, no momento em que o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, apresentou uma queixa na procuradoria-geral da República por causa de uma opinião de Miguel Sousa Tavares, que o comparou a Beppe Grillo, ou seja, a um palhaço.

É-me completamente indiferente saber se o jornalista ofendeu involuntariamente ou deliberadamente o presidente da República, ou mesmo se as suas declarações violam o número 1 do artigo 328º do Código Penal – «Quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa». Essa é uma questão que deve ser analisada no momento certo e em sede própria.

O que realmente me importa, hoje como ontem, é saber se o direito à liberdade de opinião continua a fazer parte do ADN da Democracia portuguesa; e se os cidadãos, jornalistas ou não, ainda têm o direito de criticar os governantes, ou melhor, mutatis mutandis, se estamos perante a possibilidade de regressar ao delito de opinião, público ou privado, e a episódios grotescos como aqueles que envolveram Fernando Charrua ou o estudante universitário que repetiu o que o povo dizia sobre Miguel Relvas.

Num país em que milhares de manifestantes chamam "ladrões", "gatunos" e "vigaristas" ao presidente da República, ao primeiro-ministro e demais altas figuras do regime, sem que se tenha vislumbrado qualquer assomo de defesa da honra da parte dos visados, a qual implicaria a imediata demissão/exoneração/renúncia, só faltava que a comparação de um político à digna profissão de palhaço permitisse ao establishment o descaramento de o considerar um insulto de lesa-majestade, elegendo assim um bode expiatório, porventura para tentar travar a verbalização da repugnância generalizada em relação aos detentores do aparelho do Estado.

O Ministério Público pode abrir um inquérito a propósito das declarações de Miguel Sousa Tavares ou de qualquer outro cidadão, mas não há justiça, com ou sem critérios selectivos, que seja capaz de abafar a indignação dos portugueses, sobretudo no momento em que a esquerda e a direita, os ricos e os pobres, as elites e o povo convergem num ponto tão concreto quanto perigoso: o descrédito das instituições.


É nestes momentos que os defensores do direito à liberdade de expressão, mesmo quando ela roça algum eventual desprimor, têm de marcar presença no debate, não podem vacilar em relação a qualquer tipo de acção selectiva, em suma, não podem ceder ao discurso hipócrita do mainstream e aos legalistas de ocasião, caso contrário, um dia, ainda se arriscam a ter de voltar a enfrentar um político, profissional ou não, determinado a tentar usar a lei para proibir a divulgação do que os portugueses pensam, dizem e chamam àqueles que elegeram para governar.

sábado, 18 de maio de 2013

Portugal é assim: faltam mais homens livres



Ao longo das últimas semanas, a falta de argumentos racionais e credíveis dos "suspeitos" do costume, que passaram a liderar a informação política, permitiram a orquestração de uma campanha perigosa, como se fosse possível, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, que governantes adoptassem medidas com o intuito deliberado, quiçá gozo, de fazer sofrer o povo.

Ultrapassámos o grau zero da política. O debate público, o exercício do contraditório e o calor da oposição não podem ser feitos a partir da sede do poder e dos interesses pessoais, mesquinhos ou corporativos.

A política está transformada numa amálgama indigente e abjecta, com a agravante de sujar indiferenciadamente quem nela participa, face à ausência do escrutínio rigoroso e independente da comunicação social, cada vez mais transformada numa correia de transmissão de todas as jogadas, das mais limpas às mais sujas, das mais acéfalas às mais elaboradas, das partidárias às empresariais.

É verdade que é cada vez mais difícil aceitar as últimas trapalhadas governamentais, mas reduzir o desnorte, a incompetência e a intriga palaciana a uma espécie de sadismo compulsivo roça o foro psiquiátrico.

Para quem tem interesse em mudar de vida, em escolher novos caminhos, em garantir um país com um futuro melhor, certamente existe a necessidade de contrariar a actual fuga vertiginosa ao debate racional, que não nos leva a nenhum lado.

Não é possível relançar o país com os "velhos" protagonistas e dificilmente poderemos alcançar uma nova energia mobilizadora com base numa opinião pública intoxicada pelos responsáveis pelo estado a que chegámos.

Enquanto não houver uma consciência política e social da necessidade de varrer esta gente, Portugal continuará a arrastar-se no pântano, com mais ou menos folclore à mistura, da direita e da esquerda.

O erro não está na escolha de uma nova geração de governantes, mas na triste constatação que eles, afinal, pautam as suas decisões pelos mesmos parâmetros dos seus antecessores. E, por isso, não conseguimos sair deste impasse – em que o Governo está à beira de cair quase a um ritmo semanal –, com o futuro do país comprometido durante as próximas décadas.

É preciso assumir a realidade, não vale a pena disfarçar o óbvio. Se o Governo está moribundo, então é chegada a altura de dar a palavra ao povo. Não há que ter medo da alternativa. Quem vier a seguir, se não estiver à altura da sua missão, então o povo voltará a ser chamado. Em Democracia, é assim.

Pactuar com o faz-de-conta e dar ouvidos a quem sempre serviu os lóbis do bloco central tem um custo elevado. Ele está à vista. E não foi por falta de maiorias e da tal propalada estabilidade. Muito pelo contrário.

A crise está instalada. E as aventuras passadas têm responsáveis identificados. Não vale a pena tentar reescrever a história, nem prometer soluções falsas ou de duvidosa implementação. Nem tão-pouco fugir, infantilmente, ao assumir das consequências.

A teorização do "terrorismo social", para explicar os erros da governação de Pedro Passos Coelho, é uma forma simplista e politicamente cobarde de evitar o ataque ao cerne do problema, que se resume à idiossincrasia salazarenta de um povo que continua a tolerar este status quo caracterizado pela aparência, pela mediocridade e pela corrupção.

Infelizmente, continua a ser bem mais fácil e confortável olhar para o lado ou inventar "papões", mais ou menos delirantes. Portugal é assim: faltam mais homens livres, com capacidade para enfrentar a realidade.