sábado, 5 de outubro de 2013

Sobreviventes, mercenários e o resto



As autárquicas confirmaram as expectativas daqueles que não querem nem têm de obedecer ao pensamento único.

Por muito que o establishment disfarce, a abstenção e os votos em branco e nulos atingiram os 54,22%, revelando uma atitude de indiferença dos eleitores, quiçá de protesto.

A enfermidade do regime democrático português é evidente, confirmando que a crise portuguesa está a montante das economia e das finanças públicas.

Não é por acaso que os vencedores branquearam o divórcio entre a política e os cidadãos; não é por acaso que Rui Machete disse o que disse e continua em funções; não é por acaso que  aqueles que se calaram face às pressões nos casos Freeport e voos da vergonha da CIA, entre outros, agora pedem a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros; e não é por acaso que as cerimónias do 5 de Outubro registaram os assobios no momento dos discursos e do içar da bandeira nacional.

Além dos sobreviventes e dos mercenários, que têm condenado o país ao subdesenvolvimento e à miséria, começou a emergir o resto que pode fazer a diferença, corporizado pelos candidatos independentes que conquistaram a presidência de 13 câmaras municipais, mais seis do que em 2009.

A eleição de Rui Moreira, no Porto, merece o maior destaque, pois evidenciou um sinal de esperança no fim do diktat dos partidos políticos alimentado pelas teias de corrupção e pela impunidade garantida por uma justiça cada vez mais atolada nas suas reformas de papel.

Ninguém pode ignorar que alguns destes "independentes" não são mais do que militantes desavindos com os respectivos partidos, pelo que ainda é prematuro afirmar que o país enviou um sinal suficientemente forte para obrigar as direcções partidárias a uma profunda reforma interna.

Apesar de a taxa de abstenção em vários municípios ter ultrapassado os 60%, os resultados eleitorais de domingo passado estiveram longe do terramoto que poderia acelerar a indispensável reforma do sistema político, eleitoral e partidário.

O caminho a seguir é óbvio: reforçar o escrutínio dos governantes e autarcas e aprofundar a cobertura política e partidária de forma a poder informar com mais rigor um número de pessoas cada mais maior.

Para alcançar este desígnio, um dos mais importantes do regime democrático, é indispensável que as instituições de controlo funcionem. E, sobretudo, que os jornalistas tenham condições para trabalhar, sem a ameaça permanente de desemprego, sem pressões abjectas e com condições para manter independência face aos mais diversos poderes instituídos e fátuos.

O que se passou, à vista de todos, a propósito da cobertura da campanha eleitoral das autárquicas, foi muito mais do que o atestado que faltava para comprovar a fragilidade do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o silêncio cúmplice de alguns dos outros líderes partidários.

Em bom rigor, a grosseira violação da lei por parte das televisões pública e privadas roçou o insulto a todos os portugueses, desde logo por ter ocorrido fora do tempo e por prejudicar a informação e o debate.

As reacções corporativas, por convicção ou interesse, para servir a maioria no poder, beneficiar uma certa oposição ou salvaguardar interesses próprios, não leva o país a lado nenhum. Sem equidade no tratamento editorial dos grandes e pequenos partidos, das grandes e pequenas cidades, o resto, a tal minoria de "independentes" que foi a jogo, indispensável para forçar a mudança em Portugal, dificilmente poderá vingar e crescer.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eleições autárquicas 2013: a escolha da abstenção



O actual clima bafiento pode dar origem a uma resposta histórica dos portugueses nas próximas eleições. Porventura, chegou o momento de mostrar o cartão vermelho à corrupção, à incompetência, à falta de cultura democrática e respeito pelos valores da ética republicana.

Pedro Bacelar de Vasconcelos, no artigo de opinião intitulado o "Voto é nosso", sublinha que «temos a obrigação de fazer ouvir a nossa própria voz para que outros não se arroguem o direito de falar em nosso nome ou que o silêncio seja interpretado como desistência ou rendição».

A perspectiva do constitucionalista é legítima, mas não é a única.

Face ao panorama político e partidário dos últimos anos, que levou à crise brutal, os portugueses têm o direito de manifestar a sua indignação de uma outra forma, tão legítima como qualquer outra.

Se não há confiança nos candidatos e nos partidos políticos que representam, incluindo os da maioria que governa o país, então a abstenção pode ser uma opção de liberdade, consciente e responsável.

O voto de protesto já não corresponde à penalização dos partidos que estão no poder e à escolha de quem está na oposição, pois a alternância democrática dos últimos anos provou que o regime entrou há muito tempo num beco sem saída.

Ainda que os elevados índices de indiferença da parte dos eleitores não sejam um bicho-papão para a generalidade da classe política, como comprova a indiferença de Aníbal Cavaco Silva em relação ao facto de ter sido eleito por menos de metade dos portugueses, a verdade é que uma elevada taxa de abstenção pode ser um forte sinal de alerta que não pode ser escamoteado ou abafado. E mais: é um factor, como qualquer outro, que contribui e fomenta o debate.

A leitura dos resultados do próximo Domingo não passa apenas pela vitória em número de presidentes de Câmaras, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia; não se limita ao triunfo deste ou daquele autarca mais mediático; também não começa e acaba na eleição de candidatos mais ou menos independentes; nem mesmo a percentagem deste ou daquele partido tradicional esgota a importância da noite eleitoral.

Por mais que se tente iludir a inevitável leitura nacional dos resultados, tentando fazer esquecer a demissão de António Guterres, em Dezembro de 2001, depois de uma derrota estrondosa dos socialistas, o número de eleitores que vão marcar presença nas urnas assume uma importância decisiva num momento em que o país vive uma situação dramática, em que milhões de portugueses estão a ser abandonados à sua sorte.

As sucessivas eleições e a escolha de várias combinações de partidos políticos não estiveram à altura da exigência dos grandes desafios de Portugal. Chegou a hora dos políticos e dos governantes perceberem que a Democracia não é uma questão de fé, não é um dogma. Ela existe para servir os cidadãos e não para se servir dos cidadãos de uma forma mais ou menos descarada.

Desde 1975, nunca os valores da abstenção e dos votos nulos tiveram tanta importância e significado. Porventura, a classe política precisa de um terramoto eleitoral através da abstenção para mudar, para enveredar por caminhos e opções mais responsáveis e transparentes, para compreender que os portugueses estão fartos dos mesmos jogos políticos de bastidores, para interiorizar que os cidadãos merecem ser tratados com respeito.


A taxa de abstenção é a grande incógnita das eleições de 29 de Setembro. Em jogo estão duas fasquias: os 41% das autárquicas de 2009 e os 53,37% das presidenciais de 2011.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Pedro Passos Coelho condenado?




Os mais recentes indicadores apontam para uma ténue recuperação da economia e para a sobrevivência da maioria política que governa o país.
                                
À beira de entrar na campanha eleitoral para as autárquicas, que as principais televisões querem reduzir a uma passerelle de “notáveis”, quem segue a informação escrita e falada não poderia ter ficado mais surpreendido com estes dados que valem o que valem, mas que deveriam merecer a maior ponderação dos partidos políticos da oposição parlamentar, nomeadamente do Partido Socialista.

Não obstante os ex-governantes “chocados” com as medidas governamentais e demais populistas que se limitam a chafurdar na onda mediática, como é possível que o PSD e o CDS-PP mantenham índices tão elevados junto dos portugueses?

O país está farto de assistir aos palpites de quem cavou a crise; e já não tolera mais o radicalismo de uma oposição que está mais interessada em regressar ao poder a todo o custo do que em defender os interesses dos portugueses.

O passado revela que são os governos a perder as eleições, não são as oposições a vencê-las. Todavia, com a crise, tudo mudou. Os portugueses já não acreditam neste sistema partidário, nos partidos do chamado “arco da governação”, numa Constituição de fachada que distingue os funcionários públicos dos trabalhadores do sector privado.

No momento em que a troika voltou a aterrar em Portugal, António José Seguro deveria antecipar os riscos de adoptar uma atitude de crítica pela crítica; deveria saber o preço a pagar por se deixar confundir com alguns dos seus compagnons de route; e deveria ponderar os custos da colagem ao extremismo do PCP e ao Bloco de Esquerda.

Num país intervencionado, dependente dos credores externos, a acção do maior partido da oposição não pode ser feita da mesma forma que num país soberano e independente. Porventura, os resultados das próximas eleições autárquicas ajudarão o líder socialista a percebê-lo. Só resta saber se já não será demasiado tarde.

Ao insistir na demagogia fácil, de tudo prometer, e na recusa de assumir os erros do passado, com base na ingenuidade que o marketing político tudo fará esquecer, os socialistas dão sinais que ainda não estão preparados para regressar ao poder. O mais grave é que permitem que a maioria, que já deu bastas provas de impreparação, desnorte e falta de coesão, continue a ter condições para liderar o país, face a uma alternativa que está mais concentrada nos acertos de contas e nas tricas internas do que em preparar um caminho alternativo sério e fundamentado.

Ninguém pretende que o PS abrace uma espécie de união nacional. Nem tão-pouco é admissível esperar que renegue aos seus princípios. O que os portugueses esperam do PS é uma atitude consentânea com as suas responsabilidades no estado em que deixou o país e, sobretudo, que ajude o Governo e a troika a aceitar um plano de recuperação razoável e justo.

 Neste momento, e passados mais de dois anos da eleição de um novo Governo, Pedro Passos Coelho está condenado a manter o poder?

A resposta cabe aos portugueses quando forem chamados a votar em 2015, mas tudo depende de uma nova atitude da oposição, designadamente do PS. E das duas uma: ou António José Seguro e os socialistas ajudam o país a sair da crise, poupando os portugueses a mais sacrifícios desnecessários, ou então serão ambos responsabilizados por contribuir para a sustentação de um Governo que confunde a inevitável austeridade com a governação sustentada por um discurso cada vez mais politicamente mesquinho. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Portugal é assim: o país em constante risco



O primeiro-ministro está determinado a enfrentar qualquer obstáculo à estratégia que traçou para a governação.

Confortado pelos últimos indicadores económicos, Pedro Passos Coelho, no discurso do Pontal, versão de 2013, avançou de peito aberto para qualquer eventual contrariedade, dramatizando a situação económica e financeira para deixar todo o tipo de recados aos portugueses, aos juízes do Tribunal Constitucional, aos membros do Governo e até aos partidos da oposição.

Pedro Passos Coelho não deixou quaisquer dúvidas sobre as suas intenções, mas será que tem autoridade pessoal e política para continuar a governar como se nada se tivesse passado nos últimos dois anos de governação?

A resposta é: sim!

Enquanto o maior partido da oposição viver em permanente delírio e refém dos homens do passado que atiraram o país para o desastre, a divisão no seio do Governo, a cedência ao clientelismo partidário, a distribuição desigual dos sacrifícios e os fumos de corrupção não serão suficientes para derrubar o Executivo.

As últimas sondagens, mesmo no pico de uma crise política imprevisível, revelam que o PS apenas consegue uma pequena vantagem em relação ao PSD, mas muito longe da maioria absoluta. Ou seja, será que alguém de bom senso pode acreditar na robustez de uma alternativa socialista quando os principais rostos que dão a cara pelo actual secretário-geral são precisamente aqueles que foram corridos do poder em 2011?

É claro que não!

Afastados os cenários de entendimento entre os três maiores partidos e de eleições antecipadas, os portugueses ficaram entalados entre a governação incapaz e a alternativa desacreditada.

É neste quadro dantesco, agravado pela crise económica e financeira, que surge a ameaça da desistência, da indiferença, da abstenção, consequência natural da perda de confiança no Governo e das dúvidas em relação ao maior partido da oposição.

Por muita tolerância que se possa ter em relação à maioria no poder, por causa do protectorado em que o país mergulhou, a verdade é que os sucessivos falhanços, as constantes trapalhadas, as permanentes hesitações e as consecutivas intrigalhadas evidenciam o esgotamento de Pedro Passos Coelho.

Por sua vez, por muita esperança que se possa ter na alternativa, a verdade é que António José Seguro perdeu a capacidade mobilizadora e não consegue libertar-se das sombras do passado que, aliás, continuam a ser os rostos do líder e do partido em público.

Por mais que a troika se vá embora e que o país regresse aos mercados, tudo indica que Portugal continuará a manter os mesmos estrangulamentos a montante de todos os seus problemas conjunturais. Com este ou outro Governo qualquer, enquanto a democracia portuguesa não amadurecer, promovendo um combate implacável contra a corrupção, o nepotismo e a impunidade, nada mudará para melhor.

O enorme pântano em que o país está transformado há várias décadas está a dar lugar a um imenso deserto, onde escasseiam as novas ideias, os novos protagonistas, a confiança, a transparência, a competência, o serviço de missão e, sobretudo, a esperança num futuro melhor.

Ainda que alguns tenham a expectativa que a troika nos obrigue a fazer à bruta o que esta classe política nunca será capaz de fazer por mote próprio e com tempo, Portugal está numa encruzilhada que ultrapassa a recessão económica, a questão do défice e o desemprego.

É preciso olhar para o país com um horizonte de pelo menos uma década. Se não for possível fazê-lo em Democracia, então Portugal continuará a ser o país em constante risco.