sábado, 12 de abril de 2014

Governo, oposição e sociedade civil: o restart


São inúmeros os momentos cruciais em que as grandes escolhas foram decididas nos corredores do poder, à revelia dos portugueses, contribuindo para que os cidadãos se fossem viciando num falsa protecção, tão ilusória que só agora começam a despertar para um Estado falido que ainda continua a dar prioridade às suas clientelas em vez de garantir os serviços universais essenciais como a Saúde, a Educação, a Justiça e a Segurança.

Independentemente da questão de saber se o curto prazo será, ou poderá ser, diferente dos tempos difíceis que vivemos, as elites continuam a achar que o povo português tudo continuará a consentir por não estar à altura de assumir as grandes escolhas.

O resultado está bem patente: a continuidade gerou imobilismo, falta de esperança e a manutenção de o Estado esbanjador que conduziu o país a mais uma falência e o povo à miséria.

Hoje, o recomeço quer dizer a ruptura com os hipócritas do presente que reclamam uma falsa soberania alicerçada nos vistos Gold e no dinheiro sujo de Angola, China, Guiné Equatorial e afins. E também quer dizer combate a um passado liderado por ladrões de colarinho branco que conseguiram vingar com o beneplácito, tácito ou cúmplice, de tantos e tantos que enchem a boca com o Estado Social.

Portugal continua a viver em permanente estado de falso restart, em que reina a confusão entre a continuidade e o recomeço, com a direita, o centro e a esquerda enredados nas suas próprias contradicções.

Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, por razões diversas, tentam convencer os portugueses que o novo restart se limita ao equilíbrio draconiano das contas públicas, esquecendo que nada pode ser conseguido sem transparência, sem a adesão das pessoas e sem atacar a corrupção de Estado.

Por sua vez, António José Seguro, por imposição interna no partido, promete aos portugueses o velho restart, navegando numa ficção em que nem ele nem os seus principais pares acreditam.

Por último, a esquerda mais radical limita-se a propalar o irresponsável restart, refém de um dogmatismo cujas consequências imediatas continua a esconder.

Na vida dos países, esta situação até pode ser considerada como fazendo parte da evolução natural, mas conduz inevitavelmente ao cepticismo em relação a tudo e a todos, ou seja, aos fundamentos de um permanente estado de sítio.

Não é possível cumprir o restart quando a Saúde não cuida dos cidadãos, a Educação não garante o futuro, a Justiça não é justa e a Segurança esmaga as liberdades individuais. 

De igual modo, não é possível prometer o restart com base numa demagogia política criminosa sobre a virtude do endividamento ilimitado, com mais ou menos engenharia financeira ou revolução anunciada.

O impasse em que o país vive não resulta apenas de mais ou menos défice, nem tão pouco tem origem na crónica incapacidade de uma nova geração alcançar o poder.

O que está a comprometer o futuro de Portugal, enquanto país livre, soberano e com aspirações ao progresso, ultrapassa a presença da Troika e os debates ideológicos avulsos, quantas vezes marcados por interesses particulares e corporativos, que, aliás, apenas têm servido para esconder o essencial.

O cerne do problema continua a ser o mesmo das últimas quatro décadas: a escolha de representantes eleitos que obedecem a velhos compromissos de mudar para tudo continuar na mesma, ou seja, está numa cidadania que já deixou de voar há muito tempo, pois sucumbiu ao conforto do paternalismo estatal e do trabalho remunerado a qualquer custo, tantas e tantas vezes em troca de uma vida sem dignidade e direito a sonhar. 



sábado, 8 de fevereiro de 2014

Portugal na lama: só falta Obiang


A mais recente iniciativa de Ana Gomes, eurodeputada eleita pelo PS, permitiu que Rafael Marques, jornalista angolano, e duas testemunhas dos crimes sanguinários do poder angolano nas Lundas – Linda Moisés da Rosa e Mwana Capenda –, realizassem uma conferência de imprensa, em Lisboa, na representação da União Europeia.

Cidadãos portugueses e angolanos, uns mais oficiais do que outros, gadgets à parte, assistiram aos relatos lancinantes das atrocidades perpetradas em nome de um regime miserável, alguns dos quais fazem parte do livro "Diamantes de Sangue - Corrupção e Tortura em Angola", de Rafael Marques, editado pela Tinta da China, em 2011.

Mas a conferência, intitulada "Diamantes, Milionários, Violência e Pobreza nas Lundas", revelou mais, muito mais.

Em primeiro lugar, revelou o tipo de Estado que existe, hoje, em Angola, o tal que tem as portas abertas, com mais ou menos passadeira vermelha, em Portugal.

Em segundo lugar, revelou que, entre os notáveis e o povo, há sempre alguém que resiste, que não se deixa intimidar e comprar, mesmo que tenha de pagar o preço da tortura, de todo o tipo de violência e até da brutal perda de entes queridos.

Em terceiro lugar, revelou que Portugal continua na lama, cada vez mais dependente dos capitais de países totalitários, mais ou menos sanguinários, desde a China a Angola.

Por último, revelou também, não obstante esta falta de sentido estratégico e de vergonha nacional, que um banco português – BANIF –, liderado por Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, pode estar à beira de servir de plataforma para um esquema de lavagem de dinheiro de um regime corrupto e criminoso como o da Guiné Equatorial, liderado por Obiang Nguema e pela sua família.

Nem mesmo o facto dos contribuintes portugueses terem injectado 1100 milhões de euros para salvar o banco português parece ser suficiente para garantir a atenção e a firmeza das entidades de regulação financeira.

Os portugueses precisam de saber quem são e o que representam os novos detentores particulares e institucionais de posições-chave na economia e nas finanças de Portugal, bem como os riscos que decorrem dos processos de transição nalguns países exportadores de capital para Portugal.

Determinados sectores, incluindo os órgãos de comunicação social, estão a ser tomados por aqueles que representam outro way of life: a ditadura, o crime, a corrupção, o nepotismo e a censura.

Mais do que a gritaria inflamada contra Pedro Passos Coelho, por estar a vender o país a retalho, é isto que vale a pena prevenir, denunciar e até combater.

E, como sempre, há quem esteja do lado certo da História: Ana Gomes, Rafael Marques Rafael Marques, Linda Moisés da Rosa e Mwana Capenda são exemplos de quem continua a manter-se no campo dos direitos humanos, da transparência, do diálogo, sempre no lado oposto do enriquecimento e  branqueamento de criminosos e facínoras.

Os órgãos de comunicação social, designadamente as televisões, pública e privadas, tinham obrigação de ter garantido uma ampla cobertura do acontecimento para informar os portugueses, porque é o nosso futuro que está em causa.

Será que podiam?

Felizmente, com mais ou menos qualidade, a verdade é que a Agência Lusa deu conta da iniciativa, permitindo umas breves avulsas na generalidade da imprensa. Mas não chega. É preciso mais da parte de quem tem o dever e a missão de informar, com rigor e isenção, sobre o que se está a passar dentro e fora de portas. 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

António José Seguro mais perto


O líder do PS tem dados sinais, nos últimos tempos, de distanciamento de uma certa forma de fazer política – tão cara a governos e governantes de esquerda e de direita – que tem comprometido o desenvolvimento do país e o futuro de sucessivas gerações.

Actualmente, é claro que a política de terra queimada, que marcou o início do mandato do actual secretário-geral dos socialistas, muito pela pressão desenfreada de uma certa facção minoritária do PS, chegou ao fim.

Finalmente, o líder do PS compreendeu que há opções que não trazem qualquer vantagem a médio e longo prazo.

Seguro está a abandonar, progressivamente, o caminho da gritaria, deixando a tarefa espalhafatosa a alguns rostos socialistas, comprovando que não mete a cabeça na areia face aos diferentes indicadores que têm desmentido as teses mais catastrofistas.

O líder do PS já percebeu que a vozearia inconsequente, sem consistência nem alternativas credíveis, pode vir a ser uma arma de arremesso fatal lá para 2015, pelo que tem deixado cair alguns órfãos do partido que, de semana para semana, perdem credibilidade pelo radicalismo estéril.

A evolução do pensamento do líder do maior partido da oposição, que traduz a preparação do PS para ser alternativa, tem passado pela afirmação de uma vontade de maior transparência, rompendo com o pântano em que a política se transformou.

António José Seguro compreendeu que chegou a hora da acção. E por isso está mais perto do seu objectivo.

A aprovação da reforma do IRC, as críticas directas aos quatro anteriores governos, do PS e do PSD, por manifesta falta de cumprimento das promessas eleitorais e a fleuma em relação à intriga partidária têm permitido a António José Seguro consolidar a sua candidatura a primeiro-ministro.

O PS tem de agir e pensar em Portugal, em vez de estar infantilmente obcecado em tentar reescrever a história. Quanto mais serena e construtiva for a oposição socialista, sem abdicar da frontalidade do seu pensamento e opções políticas, mas hipóteses o PS tem de chegar ao poder.

A pesada herança do resgate internacional, mais um, não desaparece com sound bytes avulsos ou com um discurso marketeiro mais ou menos colorido e agressivo.

O aventureirismo de mais e mais dívida, a confusão entre a Europa que temos e aquela que gostaríamos de ter e a fantasia de colher os benefícios da globalização sem estar preparado para pagar os seus paradoxos já custaram demasiado para ser possível equacionar, novamente, o regresso a atitudes imaturas e diletantes.

 Os socialistas precisam de trilhar um caminho com os pés bem assentes na terra para voltarem a ter a confiança dos portugueses. E antes dos interesses do PS têm de  estar os interesses daqueles que estão a pagar na carne, todos os dias, os erros dos socialistas no passado.

A oposição ancorada numa estratégia competente, firme e serena não é incompatível com acordos pontuais com a maioria que sustenta o governo de Pedro Passos Coelho, desde que esses compromissos sirvam um quadro de estabilidade que potencie a atracção de investimentos e a rápida criação de mais emprego.

O espírito de compromisso, as propostas realistas e a renovação dos rostos que dão visibilidade à alternativa socialista obrigam o governo a governar melhor. E mais: fazem parte do dever de construir um país mais justo e próspero.


Os próximos meses, com mais ou menos folclore com a saída da troika, vão ser decisivos para atestar se António José Seguro está preparado, finalmente, para o encontro que tem marcado com a história. 

sábado, 21 de dezembro de 2013

Passos Coelho já não manda



O clima de euforia que foi criado nas últimas semanas, artificialmente, não conseguiu abafar o estrondoso chumbo do Tribunal Constitucional ao regime de convergência das pensões.

Por maior que seja a evidência, é preciso tentar compreendê-la, desde logo colocando a questão principal: por que razão Pedro Passos Coelho insiste num caminho que o povo não quer seguir e que o Tribunal Constitucional não vai permitir que seja percorrido?

A resposta é simples: O primeiro-ministro já não manda.

Só assim é possível interpretar, racionalmente, a estratégia de perdedor que o chefe do governo teima, teima, teima em tentar levar por diante, por mais tombo em cima de tombo, qual líder esgotado e sem soluções que insiste em bater com a cabeça contra a parede.

A tentativa de ganhar tempo é evidente. Porém, há uma outra razão a montante deste comportamento politicamente suicida que não deve ser escamoteada: Pedro Passos Coelho já percebeu que não vai conseguir reformar o país pelo ataque aos privilégios de uma corte demasiado poderosa e habituada a estar sentada à mesa do orçamento.

Por isso, arrepiou caminho e optou por rapar o mais possível nos mais pobres e reformados, criando a ficção que os sacrifícios são para todos.

É verdade que o primeiro-ministro já afrontou alguns poderes instalados, mas quedou-se pelos cortes de algumas migalhas nas despesas que alimentam um enorme bando de sanguessugas que ora clamam por menos despesa, ora reivindicam mais e mais apoios e subsídios nos corredores do poder.

Obviamente, o povo não é parvo. E sabe que as cócegas aos mais ricos e poderosos não são suficientes, desde logo por não respeitarem a mais elementar regra de equidade.

De facto, por melhor que seja a intenção do primeiro-ministro – e por que não presumir que ela é verdadeira? –, ele ainda não conseguiu estar ao nível da emergência que herdou.

O país já não se contenta com um líder político que insiste numa política de remendos para deixar tudo mais ou menos na mesma, em disfarçar os benefícios atribuídos a uns quantos para massacrar os mesmos do costume.

Não chega, senhor primeiro-ministro. E já nem lá vai com mais truques de comunicação, portas abertas ao dinheiro sujo dos criminosos e controlo da imprensa. Aliás, para este tipo de embuste, do presente e do passado, não faltam outros políticos.

O limite da tolerância está no fim. O país está no limiar de manter a confiança na actual maioria. Não basta prometer, é preciso agir; não basta propalar a equidade, é fundamental começar por cima, demonstrar que os mais fortes e ricos estão a contribuir mais do que os mais fracos e pobres para ajudar a sair da crise.

A mudança não pode ser cosmética. Nem pode seguir, mutatis mutandis, o exemplo desastroso do último governo, com mais ou menos fuga em frente e pé no acelerador, que acabou em negociatas diversas e na condenação à miséria de várias gerações.

Não há dinheiro para continuar a sustentar a corrupção, o favorecimento, a incompetência e a falta de estratégia de futuro. E, já agora, a transparência não se decreta com formalismos.

Ou se tem vontade para levar por diante as reformas estruturais, ou se não tem. A questão não é de tempo, mas sim de substância; não importa se leva mais ou menos ano, o fundamental é que ataque os problemas diagnosticados há décadas.

E se o primeiro-ministro de Portugal não tem a força e a capacidade para as levar por diante, então o melhor serviço que pode prestar ao país é devolver a voz ao povo, enquanto guarda o mínimo de dignidade que lhe assiste.