terça-feira, 30 de junho de 2015

Grécia: entre as meias-tintas e a liberdade


Há muito tempo que a opinião pública assiste a um debate estéril, alimentado por políticos e governantes sem vergonha, por banqueiros e financeiros que mais parecem vampiros e por uma certa opinião publicada instrumentalizada.

Se a direita escolheu o caminho da austeridade draconiana, com uma clareza diáfana, a esquerda continua com um discurso pardo e dogmático, omitindo que há um preço muito elevado a pagar para enfrentar os tecnocratas de Bruxelas e os grandes banqueiros.

O debate tem de partir de uma escolha cristalina: ou os povos europeus são mobilizados para travar a batalha do século, consciente e voluntariamente, ou então a globalização vai continuar a prosperar num clima de selvajaria financeira.

O impasse entre a Europa dos ricos e a Grécia é muito mais do que uma questão europeia e de dívidas soberanas: é mais uma batalha pela liberdade.

Sem falar verdade aos povos, a esquerda vai continuar a abrir caminho à direita mais financista e retrógrada, a mesma que rejubila com os esquerdistas que defendem o fim das offshores e depois beneficiam desses mesmos paraísos fiscais para encobrir os gamanços à má fila.

A vitória do Syriza, em 26 Janeiro 2015, não foi nem mais nem menos do que a expressão da adesão popular a quem não está com meias-tintas, com meias verdades, ou seja, a vitória de uma certa extrema-esquerda e a forte penalização em relação aos políticos, governantes e partidos do arco da governação que atiraram os seus países e respectivos povos para o abismo.

A convocação dos gregos para o referendo do próximo dia 5 de Julho é uma consequência legítima de quem optou (ou já não tem outra alternativa) por enfrentar o monstro de caras, em campo aberto.

E não há volta a dar: só com mais democracia e cidadania é possível romper o ciclo vicioso instalado na Europa dos 19, a dos países que aderiram ao Euro, enquanto os restantes nove membros da União Europeia continuam a assobiar para o lado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Passos Coelho: os pequenos grandes detalhes


A cerca de cinco meses das eleições legislativas, Pedro Passos Coelho não conseguiu cumprir tudo o que prometeu, mas pode exibir a libertação do jugo da troika e o país na rota do crescimento.

É bem verdade que o desemprego continua alto e que uma parte considerável do "milagre" português se deveu à descida do preço do petróleo e à estratégia do Banco Central Europeu. Ainda assim, e factos são factos, a diminuição da brutal carga dos juros a pagar pela dívida pública permite-lhe continuar a exibir um sorriso (por vezes demasiado aberto), quando fala nos feitos da maioria no poder.

Apesar de ter tido o presidente da República ao seu lado, Paulo Portas mais ou menos acantonado e António Costa enredado no labirinto do PS que ajudou a construir, Pedro Passos Coelho falhou nos pequenos grandes detalhes. Quando se esperava uma nova atitude em relação à corrupção, ao compadrio e ao abuso do poder, a verdade é que nunca conseguiu fazer a ruptura com o passado. E como era fácil fazer a tal diferença com Sócrates.

A opacidade em relação ao seu passado profissional, a tolerância em relação às trapalhadas de ministros e secretários de Estado, nomeadamente Paulo Macedo e Paulo Núncio, a indiferença arrogante face à responsabilização das secretas em roda livre, entre outros altos serviços do Estado, a condescendência em relação a Manuel Dias Loureiro e a Marco António e a recondução de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal são apenas alguns dos muitos exemplos de casos que correram muito mal.

Afinal, em momentos decisivos, o primeiro-ministro, que gosta de afirmar que não tem estados de alma, parece sucumbir  às cumplicidades, desde os amigos a quem verdadeiramente manda confortavelmente instalado nos bastidores.

A coragem ficou pelo corte dos direitos adquiridos dos mais fracos e pobres. E falemos claro: não é a troika, a austeridade implacável, a detenção de José Sócrates e a queda de Ricardo Salgado que nos está a mudar a alma.

O que nos faz pensar de uma forma diferente, actualmente, é a realidade do que vemos e vivemos, é a percepção do regabofe do passado e ainda assim ter de continuar a assistir ao silêncio cúmplice de todos aqueles que sabem (sabiam) e nada fazem (fizeram) para tornar a nosso regime mais limpo e justo.

O funcionamento da Justiça nalguns casos não impede que o ambiente político continue pestilento. Assim, mesmo depois de obrigado à renovação da coligação com o CDS/PP, Pedro Passos Coelho tem de prestar contas. E que contas...

Em Outubro de 2015, o primeiro-ministro que gosta de parecer um cidadão comum e que apostou tudo nas contas públicas pode não ser suficiente para ganhar. E se assim for,  Pedro Passos Coelho – bafejado por uma reviravolta na conjuntura europeia e internacional – só se pode queixar de si próprio, de não ter estado à altura das suas promessas eleitorais e da extraordinária exigência do mandato que os portugueses lhe conferiram em 2011, em suma, de desvalorizar olimpicamente os pequenos grandes detalhes que fazem toda a diferença em Democracia.





segunda-feira, 2 de março de 2015

Passos Coelho e Portas: a última fronteira


O primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos com uma afirmação que ficou célebre: «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal».

O alcance desta declaração permitiu várias análises, embora tenha ficado consagrado que o primeiro-ministro pretendeu passar uma mensagem e um compromisso claros: respeitar os interesses do país.

Quase três anos depois da tirada, que tirou o apetite a alguns deputados social-democratas, o que lá vai lá vai, pois Pedro Passos Coelho continua a dar sinais que está cada vez mais preocupado com as eleições.

No momento em que se especula em relação ao iminente anúncio da renovação da coligação PSD/CDS-PP para as legislativas de 2015, a vantagem eleitoral dos dois partidos se apresentarem coligados pode ser um imperativo óbvio, mas será que tal implica obrigatoriamente a manutenção do ticket Passos Coelho/Portas?

Não deve haver um único português que acredite na bondade da renovação da coligação, tendo em conta os picos de crispação verificados entre os dois líderes e a governação à vista que tem sido efectuada pela simples necessidade de ter de ser encontrado constantemente um acordo entre ambos que, como é público, discordam em quase tudo e não se suportam pessoalmente.

Seja qual for a simpatia partidária e o ângulo de análise, não há qualquer dúvida: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aparecem aos olhos dos portugueses como activos tóxicos, mesmo até para aqueles que lhes reconhecem obra feita e algum sentido de responsabilidade.

Independentemente de saber se os dois teriam estômago suficiente para se aguentarem um ao outro durante mais quatro anos, a verdade é que pensar primeiro em Portugal implicaria no mínimo colocar em cima da mesa a hipótese de um ou dos dois cederem os seus respectivos lugares a novas lideranças refrescadas eleitoralmente no seio de cada um dos partidos.

Depois de Passos Coelho anunciar que se vai bater por uma maioria absoluta, sem dizer uma palavra sobre Portas, e de não fechar a possibilidade a um Governo de Bloco Central, o país só pode ter esperança que a promessa proferida a 23 de Julho de 2012 não tenha caído em saco roto, como tantas outras afirmadas durante a campanha eleitoral de 2011.

Ainda há quem não tenha percebido que a velha forma de fazer política tem os dias contados. Já não é mais possível encenar entendimentos, sacrificar o essencial por caprichos e vaidades pessoais e prometer uma coisa e fazer outra, pois os portugueses têm mais memória política. Que o diga António Costa, atracado à tralha socrática, que não cessa de desiludir as suas hostes e até todos aqueles que já não conseguem suportar a actual maioria por uma duplicidade de discurso que não cessa de surpreender.

Passos Coelho e Portas têm pela frente a última fronteira: qualquer político tem o dever de saber a hora exacta para sair de cena, mesmo que essa hora seja muito dolorosa.

Isso, sim, seria a confirmação que ambos estão convicta e verdadeiramente interessados em defender Portugal.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

À boleia da Grécia


A vitória da extrema esquerda grega é um facto político que implicará profundas mudanças. E Alexis Tsipras, líder do Syriza, passou a ser o nome da esperança para a maioria dos gregos.

Atolados na corrupção, fartos das mentiras da direita e da esquerda, desde os socialistas à Nova Democracia, os gregos conseguiram implodir o sistema político tradicional que os têm governado, ou seja, um recado cristalino para os partidos do arco da governação dos restantes membros União Europeia.

Nem a "bazuka" tardia os demoveu.

Os gregos estão determinados em assumir o futuro nas suas mãos, carregando com orgulho o peso de terem sido o berço da civilização ocidental e os fundadores da democracia.

E é da maior relevância que a implosão do "centrão" tenha acontecido na Grécia, precisamente o país mais endividado e em maiores dificuldades da União Europeia.

Enquanto Portugal continua distraído com a detenção de um ex-primeiro-ministro, aceitando com indulgência salazarenta as alarvidades dos "barões" e afins, todos os holofotes do poder e do grande capital europeus estão concentrados no previsível abanão que veio da Grécia.

Nos últimos anos, os gregos não desistiram de lutar pela dignidade e de colocar a renegociação da gigantesca dívida sempre em cima da mesa.

Nunca cederam. E, por isso, pagaram uma redobrada factura!

Mas a resposta está aí, chama-se Syriza, que acaba de derrotar e humilhar politicamente a esquerda e a direita tradicionais.

Contrariamente ao caso irlandês, português e espanhol, a Grécia escolheu um caminho de desafio permanente aos mercados. E nem os dois resgates de 240 mil milhões de euros (em 2010 e 2012) e o posterior perdão de parte da dívida implicaram qualquer tipo de capitulação.

Para o bem ou para o mal, o resultado eleitoral grego vai determinar o futuro de cerca de 500 milhões de pessoas que residem nos 28 Estados membros da União Europeia.

A identidade dos gregos é forte e suficientemente sólida para enfrentar os grandes senhores da Europa, mas será que alguém de bom senso acredita que qualquer um deles vai dar a Alexis Tsipras, de mão beijada, a possibilidade de ser um novo herói para os críticos da austeridade?

Regada com sangue, suor e lágrimas, a escolha dos gregos não pode ser desperdiçada por Portugal. Apesar de Pedro Passos Coelho ter optado pelo escrupuloso cumprimento do memorando da Troika, acatando as ordens de Bruxelas, agora chegou o momento de começar a olhar para Berlim com outros olhos de ver.

Não se trata de repetir as aventuras politicamente criminosas dos dois últimos Executivos socialistas que nos levaram ao abismo, nem tão-pouco abrir os cordões à bolsa para ganhar as próximas legislativas.

Com os portugueses fartos de incerteza, PSD/CDS-PP ainda têm uma janela de oportunidade para demostrarem que têm fôlego para aproveitar a onda grega.

É preciso criar uma nova perspectiva, uma nova fronteira. Sem repetir os erros do passado. Nem que seja à boleia da Grécia.