sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O risco de instabilidade

Imediatamente a seguir à tomada de posse do XVIII governo constitucional, liderado por José Sócrates, o regime desceu ao nível do lixo e da sucata.

Novamente, a corrupção, o tráfico de influências e o nepotismo surgiram em todo o esplendor, com a revelação dos primeiros detalhes da operação policial – "Face Oculta".

Ainda antes de enterrar os escândalos financeiros dos últimos anos, que alimentaram todas as suspeições ao mais alto nível do Estado, o novo ciclo político ficou desde já marcado por novas suspeições, tão sujas quanto a matéria prima que alimentou as negociatas e as luvas pagas à custa dos contribuintes.

Tal como aconteceu com o 'cavaquismo', o "Estado Rosa" de José Sócrates apodrece, lentamente, à medida que chegam ao conhecimento público os indícios de enriquecimento ilícito de alguns dos seus mais ilustres e proeminentes pares.

Depois de um ciclo eleitoral extenuante, em que os portugueses foram chamados a eleger os eurodeputados, o governo e os autarcas, chegou a hora de perguntar: ainda há esperança na mudança?

A resposta colectiva não se forma de um dia para o outro, nem ninguém se pode arrogar o direito de a avançar antes do tempo.

Todavia, começa a ser evidente que o futuro do segundo governo de José Sócrates vai depender mais da capacidade de regeneração do Estado do que da implementação desta ou daquela política governamental.

E que não haja ilusões: Com a oposição parlamentar demasiado comprometida com o sistema e com Aníbal Cavaco Silva ferido de morte, é cada vez mais evidente que a mudança a curto prazo só pode passar por um saneamento do poder, pois a crise económica e financeira estão instaladas e para durar por um bom par de anos.

Como nunca no passado, o risco de instabilidade governativa depende da crescente tomada de consciência do estado a que chegou a República.

sábado, 3 de outubro de 2009

Rio de sonho



Os 'cariocas' vão organizar as olimpíadas de 2016.

À primeira vista, não há ninguém no mundo que possa ficar triste com tal vitória, nem mesmo os responsáveis das candidaturas derrotadas de Chicago, Londres e Madrid.

Os que já puseram o pé na cidade mais bonita do mundo, que ainda poderia ser mais maravilhosa não fora a vergonha festiva das 'favelas', exortaram com o feito de monta.

Além da imediata festa em Copacabana, após o anúncio da escolha do comité olímpico, e a sete anos de distância, importa perguntar: quem vai ganhar com a realização do evento planetário?

Os 'cariocas'? Os brasileiros? O espírito olímpico? A paz entre os povos?

Não!

Os ganhadores serão os bancos, os construtores, as sociedades de advogados e as teias da corrupção que fazem do sétimo país mais rico do mundo uma das sociedades mais pobres e desiguais da América do Sul.

A fabulosa máquina criada para promover este tipo de mega eventos não tem qualquer preocupação com os princípios desportivos e universais. Aliás, não será de estranhar que um dia destes se fale de corrupção e de 'luvas' pagas aos responsáveis pela escolha do Rio de Janeiro, a exemplo do que sucedeu em casos anteriores.

Mais do que a mensagem universalista, de paz e convívio entre nações, a realização dos Jogos Olímpicos há muito que se transformou numa gigantesca máquina de promoção de negócios e regimes, democráticos ou ditatoriais, como a China.

No frenesi da globalização selvagem, os povos vão sucumbindo à ilusão 'patrioteira', magnificamente montada pelas máquinas da propaganda oficial, cada vez mais refinadas nos apelos aos argumentos serôdios.

Infelizmente, o preço a pagar é uma factura para mais tarde recordar, certamente com ignorância, analfabetismo e samba à mistura.

Aliás, basta perguntar aos portugueses qual foi o real benefício da realização da Expo'98 e do Euro 2004, cuja factura ainda está a ser paga pelos contribuintes, hoje, sem que tenha havido apuramento de responsabilidades em todas as trapalhadas e vigarices promovidas à sombra do Estado.

É caso para dizer: o dilema continua a ser sempre o mesmo, de um lado e do outro do Atlântico, seja ao ritmo do fado ou do samba.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Quem tem medo das 'secretas'?

Os serviços de informações passaram a ser uma presença regular nos media, sempre pelas piores razões.

Desde a revolução silenciosa que o governo levou a cabo, a partir de 12 de Março de 2005, nunca tal se tinha visto no Portugal democrático.

As suspeitas de escutas ilegais na Presidência da República aí estão, em todo o seu esplendor, entre muitas outras, para atestar a gravidade da crise que se abateu sobre o regime.

Num dia triste para o jornalismo, em que fontes de informação são estampadas na manchete, as palavras de Aníbal Cavaco Silva, em Cascais, são a prova de que todas as dúvidas são verosímeis, apesar da própria declaração ser quase tão intolerável como o fundamento que a motivou.

E varrer uma situação tão complexa para debaixo do tapete enquanto o país vai a votos é a todos os títulos inacreditável.

Aliás, o sistemático adiamento de um apuramento cabal do que se está a passar nesta matéria apenas tem contribuído para o apodrecimento da Democracia.

A situação não é de hoje, nem de ontem.

Em 2 de Fevereiro de 2006, assinei um artigo, intitulado “A secreta oculta de Sócrates”, que o tempo tem vindo corroborar.

Passados mais de três anos, o que mudou?

Nada!

Os serviços de informações viram reforçados os seus meios e instrumentos de acção, sem o equivalente reforço do efectivo controlo democrático.

Para ser rigoroso apenas uma coisa mudou: o discurso de Francisco Louçã.

A mudança é surpreendente, pelo que impõe uma questão: O que sabe o líder do Bloco de Esquerda para fazer tais afirmações tão categóricas, que contrariam os indícios de vigilâncias e de escutas selvagens que têm vindo a ser denunciadas por jornalistas e até por magistrados?

O silêncio de uns e as piruetas de outros revelam até que ponto o regime está refém de um calculismo sem limites, em que os princípios parecem cair por terra ao sabor das expectativas.

No dia 27 de Setembro de 2009, é caso para perguntar: quem tem medo das 'secretas'?

sábado, 29 de agosto de 2009

PGR está acima da Lei?


Com mais ou menos humor e bandeira hasteada pela calada da noite, Portugal é uma República que pretende viver num Estado de direito.

Não há dúvidas em relação ao regime democrático, apesar das suas imperfeições, mas há incertezas quanto à força da Lei.

O Ministério Público não tem rei. E o procurador-geral da República não se pode comportar com tal.

Fernando Pinto Monteiro nem é monarca, nem é a Lei. Deve obediência à Lei.

Ao recusar, imperialmente, investigar a denúncia da Ana Jorge, ministra da Saúde, sobre os casos de contágio doloso da gripe A, Fernando Pinto Monteiro cavou ainda mais fundo o descrédito.

Mais de que um precedente grave, em que um responsável máximo se arrogou o direito de se substituir à Lei, é o atestado de um padrão de actuação, tristemente confirmado na delonga do anúncio da abertura de um inquérito no dia do acidente na Praia Maria Luísa ou nos ouvidos moucos às suspeitas públicas de escutas e vigilância aos assessores do Presidente da República.

Tal como no passado, o temor da hierarquia do Ministério Público em assumir inequivocamente o seu dever, em investigar implacavelmente os detentores do poder Executivo e os altos quadros da Administração, designadamente quando estão em funções, continua a ser um dos cancros da justiça.

O caso Freeport é, aliás, um dos mais escandalosos exemplos dessa atitude reverencial.

O rol de atrasos, hesitações, incúrias e trapalhadas só contribuem para arrasar ainda mais a credibilidade da justiça.

Salvo raríssimas excepções, como no inquérito ao caso de Santa Maria, nem a opinião unânime sobre o falhanço do sistema deu origem a uma mudança de atitude do topo da hierarquia do Ministério Público.

Não, o povo não é estúpido, quando alguns políticos a contas com a justiça são legitimados pelo voto popular.

É o sinal da desconfiança em relação à Justiça.