sábado, 2 de janeiro de 2010

2010: Ano de mudança

A crise continua a arrastar-se, penosamente, consolidando uma situação de impasse no regime democrático.

Ao mesmo tempo que a fábrica de ilusões começa a dar sinais de esgotamento, as alternativas não têm palco, apenas vingando aqui e ali por força da inércia do próprio sistema.

É assim, hoje, tal como o foi no passado, de crise em crise, sempre sem se vislumbrar uma solução consistente.

Em qualquer área – da política à economia, da justiça aos media, da segurança à saúde – impera o sindroma Titanic: enquanto o barco se afunda, o maestro continua exuberante a liderar uma orquestra indiferente ao desastre.

Para onde quer que se vire o olhar, um poder desmesurado, por vezes asfixiante, generoso com a corte e implacável com os agentes da mudança, ignora o plano perigosamente inclinado para o abismo.

Não é por acaso que o debate político, mais ou menos crispado, assusta tanto o poder instituído que tudo faz para impor as águas calmas, fiadoras da manutenção do status quo, do arbítrio e da opacidade, ainda que correndo o risco de criar, inevitavelmente, charcos putrefactos.

O esticar da corda leva a excessos que podem tornar a realidade, tantas vezes oculta, mais facilmente apreendida.

Paradoxalmente, quanto mais incompetência mesquinhez e falsidade maior é a probabilidade de se fazer luz, condição essencial para qualquer fase de regeneração.

É tempo de chalangers assumidos, águas revoltas, debates acalorados e, sobretudo, de mais escrutínio e de novos agentes capazes de assumir a ruptura e propor alternativas.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Comunicação terrorista

A informação tornou-se numa selva.

O tal "sistema", que impera nos bastidores, saltou para a ribalta de uma forma cristalina.

Ninguém ignora que os negócios com o Estado se transformaram num imenso mar condicionante da agenda mediática, arrastando na rede as empresas de comunicação, directores-gerais, directores de informação, chefias editoriais e jornalistas.

Hoje, ninguém tem dúvidas que existe uma mão (in)visível do governo que põe e dispõe nos media, castigando aqueles que publicam notícias desfavoráveis, como revelou à saciedade o affaire TVI e o afastamento de Manuela Moura Guedes, entre outros.

Mais grave ainda, e também na linha da intervenção estatal, é o novo padrão de comunicação governamental, em que a promoção da informação e contra-informação passou a um patamar tipicamente terrorista.

Depois do dossiê da vigilância à presidência da República, que marcou a última campanha eleitoral, eis que o caso "Face Oculta" deu origem a uma reacção governamental que passou pela acusação pública de «espionagem política».

Enquanto a vara vai e vem, minimizam-se os estragos, passando de algoz a vítima, sempre na esperança de que a vergonha caia rapidamente no esquecimento.

Tal como a propaganda, este tipo de estratégia de comunicação tem os dias contados, aliás, pela sua própria insustentabilidade racional.

O grande problema é que as suas consequências têm tendência a perdurar no tempo, minando a réstia de credibilidade que as instituições ainda têm junto dos cidadãos.



domingo, 15 de novembro de 2009

Fernando Pinto Monteiro a mais


No dia 28 de Outubro foi dado um passo no sentido da regeneração de um Estado associado à alta corrupção.

Dezoito dias depois das primeiras buscas da operação "Face Oculta", Fernando Pinto Monteiro passou a ser parte do problema.

Desde logo, começa a ser pouco compreensível que o procurador-geral da República tenha metido na gaveta – mais uma vez! – um caso de Estado da maior sensibilidade: as conversas de Armando Vara com José Sócrates.

Fernando Pinto Monteiro continua a revelar incapacidade para lidar com as investigações que envolvem governantes e poderosos.

Basta atentar que após as declarações politicamente destemperadas do chefe do governo – em relação a um caso em que o plano pessoal mais uma vez se confundiu com o plano de Estado – Fernando Pinto Monteiro só precisou de 24 horas para fazer o que não tinha conseguido fazer durante meses: um esclarecimento rigoroso.

Mais incómodo ainda é que o esclarecimento, participado minutos antes do jogo de Portugal com a Bósnia, só surgiu depois da manchete do "Correio da Manhã": «Sócrates suspeito de crime grave – Atentado contra o Estado de Direito – Conclusão do Ministério Público de Aveiro aponta para crime que prevê pena de prisão até oito anos de prisão. Em causa, segundo magistrados, está a manipulação da comunicação social».

Agora, ao prometer uma decisão «até ao fim da próxima semana», fica a sensação que o procurador-geral da República está a preparar a opinião pública para a eventual destruição das escutas, não conseguindo evitar a percepção de que anda a reboque das exigências do primeiro-ministro e das manchetes dos jornais, qual subordinado reverente e atormentado.

Como se não fosse suficiente, Fernando Pinto Monteiro ainda não reagiu ao ataque de um "aparatchik" de segunda linha do PS, que caracterizou uma investigação criminal da maior relevância para o país como «espionagem política».

Fernando Pinto Monteiro está a mais. E já deixou de ser uma parte da solução para o imbróglio que ajudou a alimentar na opinião pública.

domingo, 8 de novembro de 2009

Corrupção: moral ou justiça social?

Os indícios de corrupção alargada ao mais alto nível do Estado estão aí para quem os quiser ver e escrutinar.

Nos últimos trinta anos de Democracia, governos de esquerda e de direita estiveram sob a mira criminal e debaixo do escrutínio dos media.

Depois dos sucessivos casos que saltaram para a ribalta pública, bem como dos sinais de alarme escarrapachados nos relatórios de organizações internacionais, o poder político continua impune e indiferente, apesar das constantes palavras vãs e mansas.

A realidade é o que é, mas ninguém pode ficar indiferente à tentativa de desvalorização da investigação criminal que continua a fazer, lentamente, um caminho infame.

Em vez de responsabilizar os sucessivos governos que têm o poder de legislar e de exigir responsabilidades, aqui e ali, sobretudo quando os escândalos chegam à opinião pública, surgem imediatamente os ataques aos investigadores criminais e magistrados.

Normalmente, e apesar de existirem alguns fundamentos para esta avaliação, a verdade é que quem tão selectivamente aponta o dedo a quem combate a corrupção na primeira linha não tem o mesmo critério na exigência ao governo de leis claras e atribuição de meios adequados para responder à sofisticação do crime de 'colarinho branco'.

Com o desenvolvimento da operação "Face Oculta", a actualidade revelou um novo e surpreendente patamar de debate, que passa por reduzir o combate à corrupção a uma mera questão de moralização do sistema, supostamente levada a cabo por heróis imbuídos de um espírito messiânico.

Ora, o combate à corrupção não é uma questão de moralidade e de coragem, é um caso de justiça social, de perseguir quem rouba o dinheiro do bolso dos outros.

Que não haja qualquer confusão: há uma diferença abissal entre pugnar por mais justiça social, com mais solidariedade e menos corrupção, e pactuar, quiçá promover a gritante promiscuidade e tráfico de influências que estão na origem da corrupção.

É uma questão de cultura e de civilização.