sexta-feira, 18 de junho de 2010

Não há crimes políticos perfeitos

Pacheco Pereira prestou um serviço inestimável à Democracia.

Pelo menos um deputado da comissão parlamentar de inquérito ao negócio da TVI teve a coragem política de levar por diante o mandato que lhe foi conferido pelo presidente da Assembleia da República.

Usando legitimamente de todos os elementos que lhe foram colocados para análise, Pacheco Pereira fez o trabalho de casa e apresentou as conclusões:

«Sim, houve participação governamental (em particular com origem no primeiro-ministro e executada por quadros do PS colocados em posições cimeiras em empresas em que o Estado tem qualquer forma de participação directa ou indirecta) numa tentativa de, em ano eleitoral, controlar vários órgãos de comunicação social, nomeadamente a TVI»;

«Sim, o primeiro-ministro sabia, foi informado pessoalmente do que se passava e, por via indirecta, conhecemos indicações suas sobre o modo como os executantes deviam proceder. E, por isso, mentiu ao Parlamento. Ele não queria ter a fama (de controlar a comunicação social), sem ter o proveito (de a controlar de facto) e procedeu e permitiu que procedessem em consequência, conforme as suas intenções publicamente anunciadas no congresso do PS».

Pacheco Pereira fez um enorme favor à Assembleia da República.

Ao fazer uma declaração de voto limpa e inequívoca, o deputado do PSD salvou a face de uma comissão povoada por deputados obedientes aos directórios partidários mais interessados no cálculo político do que numa Democracia transparente e consequente.

De igual modo, desmentiu todos os cépticos em relação à utilidade das comissões parlamentares de inquérito.

Por último, Pacheco Pereira fez um enorme favor ao partido social-democrata.

Com uma nova liderança, a navegar à vista e em busca da credibilidade, a atitude do deputado social-democrata permite acalentar uma réstia de esperança no futuro do partido.

Com a espécie de relatório final da comissão, a verdade é que partir de agora qualquer primeiro-ministro de Portugal passou a ter condições para colocar-se acima da lei, por esta ou aquela oportuna e circunstancial razão de Estado.

Contudo, graças a Pacheco Pereira, e ainda que in extremis, ficámos a saber que não há crimes políticos perfeitos em Democracia.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal no imenso lodaçal



O alerta constante para os perigos decorrentes da crise económica e financeira – uma espécie de dramatização do presente para garantir a desresponsabilização do passado – tem tentado disfarçar o actual estado de imenso lodaçal.

Mais grave do que o espectro da banca rota, uma espécie de estado de letargia está a determinar uma caminhada a passos largos para o desastre colectivo.

Hoje, os portugueses celebram mais um dia especial, varrendo a evidência para debaixo do tapete na ilusão de estar a salvaguardar o futuro.

A liderança de um chefe de governo que perdeu a credibilidade, e que é tratado como um vulgar meliante na praça pública, provocou uma situação de impasse institucional inimaginável.

As políticas governamentais determinadas por uma navegação à vista, ou melhor, por eleições à vista, atingiram um tal nível de impunidade que começamos a descobrir a dimensão do brilho de algumas das novas pérolas do regime, nomeadamente o processo de financiamento do computador Magalhães e a consagração da retroactividade no aumento dos impostos.

Sempre em nome da salvação de Portugal.

Como se fosse possível disfarçar o imenso lodaçal, em que a corrupção foi transformada numa espécie de regra larvar do normal funcionamento das instituições da República.

Sem saída à vista, restam poucas razões para comemorar o dia de Portugal.

Ainda assim, os portugueses continuam a demonstrar uma dedicação ímpar. Até mesmo aqueles que foram obrigados a emigrar, para escapar à miséria, continuam a cantar a "Portuguesa".

Neste quadro de imenso lodaçal, em que a liberdade é cada vez mais uma palavra vã, só falta mesmo a consagração do crime político perfeito para matar a esperança.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Protesto oco ou fúria anticlerical?

A visita de Bento XVI é um acontecimento que deve ser observado com sentido de tolerância.

Os católicos e os crentes rejubilam com a deslocação da autoridade máxima da sua Fé.

Políticos e governantes aprumam-se para ficar na fotografia.

A cobertura mediática tem a mesma lógica do que qualquer outra visita de Estado ou acontecimento desportivo global.

Entre o folclore de Estado e as notícias sobre a realidade nua e crua, já se sabe quem fica sempre a ganhar.

Até aqui, não há novidade nenhuma.

Obviamente, nem o protocolo de Estado pode surpreender.

O argumento da laicidade do Estado, assente no formalismo constitucionalista, mais não serve do que tentar esconder um anticlericalismo purulento.

Aliás, é um argumento intelectualmente medíocre.

Os que invocam a Constituição, agora, esquecem-se dela em relação a outros direitos constitucionais consagrados, como o emprego, a educação, a justiça, a saúde, a liberdade de informação, etc...

Basta de cinismos em relação à Constituição.

A sua cotação actual é mais baixa de sempre.

Fazer de conta que ela existe, quando convém para defender isto ou aquilo, não impede que se tenha transformado no espelho da falência do regime.

Começa a ser tempo de uma revisão que acabe com a farsa constitucional, que acalenta oportunismos de esquerda e de direita.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Não há crimes perfeitos



A reunião entre José Sócrates e o novo líder do maior partido da oposição, Pedro Passos Coelho, durante mais de três horas, contribuiu para reforçar a suavização do discurso político.

O país voltou ao ram-ram habitual, depois do longo ciclo eleitoral.

O presidente da República prepara a reeleição, a Assembleia da República cumpre o ritual parlamentar, o governo está em funções, os restantes poderes instituídos mantêm a rotina do dia-a-dia e os cidadãos trabalham e tentam sobreviver à crise.

Se a calma está reinstalada, por que será que o ambiente continua pesado?

A resposta é a mesma de sempre: A consciência colectiva do adiamento da resolução dos problemas.

Nas finanças públicas, o espectro da falência é uma realidade, mas a prioridade continua a ser falácia.

Na economia, a retoma só é possível com mais empréstimos do exterior, mas o país já está endividado até ao limite.

Na política, o ritual institucional já não consegue esconder o abandalhamento da ética republicana e da responsabilidade política.

Na Justiça, a crescente opacidade não é suficiente para evitar a percepção do caos instalado e da governamentalização das principais instituições judiciárias.

Na Educação, Saúde, Administração Pública, entre outros, as reformas estruturais não resistem ao tempo.

A calma aparente não é saudável, muito pelo contrário, pode ser um mau prenúncio.

Os problemas, um a um, há mais de uma década, continuam por solucionar, com a corrupção a ganhar terreno de uma forma impune e assustadora.

Ainda que a sensação de progresso possa mitigar as dúvidas, mais tarde ou mais cedo o país vai ter de confrontar-se com os responsáveis pela criação de uma realidade negra.

Não há crimes perfeitos.