segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A subversão do regime

A mais recente crise política, provocada pelo endurecimento das declarações do governo e dos partidos da oposição, a propósito da aprovação do Orçamento de Estado para 2011, merece um esclarecimento e uma palavra de confiança da parte do presidente da República.

A questão é simples: o funcionamento regular das instituições está suspenso em períodos de crise económica e financeira?

A relevância do esclarecimento assume uma proporção cada vez maior à medida que é colocada a hipótese da dissolução da Assembleia da República, até 9 de Setembro, como forma de ultrapassar o eventual impasse na aprovação do próximo Orçamento.

De facto, urge clarificar até que ponto o governo, sustentado por uma maioria relativa, pode pretender obrigar as oposições a ceder a todo o tipo de devaneios e chantagens, em nome da crise e da credibilidade externa do país.

De igual modo, também é necessário que o presidente da República esclareça se os seus poderes constitucionais estão diminuídos em período de pré-campanha eleitoral para sua reeleição.

De facto, não é compreensível que Aníbal Cavaco Silva assista, em silêncio, a declarações inflamadas que traduzem o esvaziamento dos poderes presidenciais pelo facto de o país estar mergulhado numa crise sem precedentes.

O presidente da República jurou a Constituição. E não pode ficar mudo quando é feita tábua rasa, publicamente, dos seus poderes constitucionais.

Independentemente da avaliação sobre se é melhor ou pior um governo desnorteado em funções ou um governo em gestão, importa dar uma palavra de confiança aos portugueses em como a subversão do funcionamento das instituições não passará.

Nem antes, nem depois das próximas eleições presidenciais, nem tão pouco em nome de um qualquer caos anunciado no caso de serem convocadas eleições antecipadas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Justiça: As forças cada vez mais visíveis

A actual crise na Justiça é tão profunda que a polémica sobre os poderes de Fernando Pinto Monteiro está a abafar o debate sobre os mistérios da investigação do processo Freeport, entre muitos outros casos mais ou menos mediáticos.

De um momento para o outro, a crise na Justiça já não é devida à profusão de legislação, à falta de meios e à interferência escandalosa do poder político, entre outros, na esfera judicial.

Subitamente, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses surgem como os algozes da Justiça.

E, para pasmo geral, até são os próprios socialistas a criticar a Justiça de um país que governam há mais cinco anos ininterruptamente.

Como em todas as polémicas, mais ou menos artificiais, felizmente as opiniões dividem-se, mas importa impedir que os detentores do poder sacudam a água do capote criando bodes expiatórios de circunstância.

Independentemente de todos os riscos de corporativismo exacerbado, que devem ser contidos, a acção de João Palma, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, e de António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tem contribuído para que os problemas da Justiça não continuem abafados nos corredores do poder político e judicial

Por diversas vezes, e com toda a propriedade, os dois magistrados têm assumido posições públicas que nos permitem, hoje, dizer com mais certeza que o rei vai nu.

A protecção dos seus pares, a exigência de transparência e a denúncia do que está mal no sistema judicial é um imperativo para qualquer responsável digno da aplicação da Justiça.

Mais importante do que qualquer reforma judicial, é saber o que aconteceu à investigação do Freeport durante anos a fio, sem o mais leve sinal de perturbação da parte do poder político e judicial.

Mais importante do que alterar o estatuto do Ministério Público, é a garantia de transparência e de cumprimento da legalidade no funcionamento da Procuradoria-geral da República.

Mais importante do que qualquer reforço de poderes do procurador-geral da República, a reboque da situação insustentável a que chegámos, é garantir que nunca será possível sacrificar a autonomia dos titulares da investigação criminal em nome do topo de uma hierarquia aparentemente vulnerável a forças cada vez mais visíveis.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Freeport: as areias movediças

O mais recente episódio do caso Freeport é a confirmação da validade de toda a investigação feita por alguns dos principais meios de comunicação social, em que é justo destacar o diário "Público", os semanários "O Independente" e "Sol" e a estação de televisão "TVI".

Apesar das tentativas de intoxicação da opinião pública, levada a cabo por uns e por outros, há um facto indesmentível: os investigadores não puderam (ou não quiseram) descobrir o rasto do dinheiro.

A última comunicação ao país do primeiro-ministro seguiu o padrão de actuação de José Sócrates em situações de crise: reagir preventivamente para desviar as atenções da questão fulcral.

É extraordinário que o primeiro-ministro tenha manifestado alívio e contentamento com os termos da decisão de arquivamento que vieram a público.

Aliás, que fique claro que um arquivamento forçado é muito diferente de um arquivamento por falta de provas.

Quem espera Justiça, não pode ficar satisfeito com uma decisão que relança todas as dúvidas sobre o que se terá passado em relação ao licenciamento do Freeport.

O despacho de arquivamento do Ministério Público equivale à condenação mais vil de José Sócrates.

As questões que ficaram por responder correspondem a uma inevitável sentença em termos políticos, sem direito a defesa nem recurso.

O caso Freeport é muito mais do que saber se o país é governado por corruptos. É a prova que Portugal está a transformar-se em ilhas de segredos rodeadas por areias movediças.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Começar pelo princípio

A proposta de revisão constitucional do PSD é um sinal positivo da liderança de Pedro Passos Coelho.

A revisão do texto constitucional é um dos passos mais importantes para restaurar a credibilidade do regime.

A consagração de um rol de boas intenções não é suficiente, quando na prática tudo é muito mais injusto.

Embora ainda falte conhecer os pontos principais da proposta de revisão constitucional do PSD, a iniciativa de alteração dos poderes presidenciais é um excelente ponto de partida.

Pedro Passos Coelho revela consistência quando começa pelo princípio, identificando os estrangulamentos na origem, com abertura de espírito e sem pressas.

A actual situação política é a prova que é preciso fazer alguma coisa para evitar que o país fique nas mãos de quem tem apenas um entendimento formal da Democracia.

Face a um poder que ganhou as eleições à custa do ilusionismo, é necessário encontrar uma forma de desbloquear a situação sem que o presidente da República tenha de usar a bomba atómica constituicional – a dissolução da Assembleia da República.

Ao contrapor o prolongamento do mandato presidencial e da legislatura à flexibilização dos mecanismos para a criação de maiorias alternativas no quadro parlamentar, Pedro Passos Coelho aponta um caminho de maior exigência, rigor e seriedade.

Obviamente, quem entende as eleições como um cheque em branco para quatro anos (Governo) ou cinco anos (Presidente da República) não pode estar de acordo.

A experiência dos últimos anos dá razão ao legislador da constituinte, que revelou a prudência de atribuir ao presidente da República os poderes para evitar que o país caísse no pântano.

Hoje, mais do que nunca, é preciso regressar às origens da Constituição, mudando o que o tempo e a verdade exigem que seja mudado, de forma a garantir que Portugal não está condenado a cair nas teias da mais abjecta forma de oportunismo político.