sábado, 16 de outubro de 2010

O jogo da corte do costume



A proposta do Orçamento de Estado para 2011 está na Assembleia da República.

Com as cartas em cima da mesa, importa tentar perceber o que mudou em relação a anos anteriores.

A única mudança resulta apenas da actual situação ser ainda mais catastrófica, consequência de uma governação aventureira, incompetente e arrogante.

Tudo o resto não passa do habitual cartear do poder instalado habituado a ganhar a mão por força de todo o tipo de truques, como a entrega do orçamento incompleto, em que o trunfo tem a cor da chantagem.

Então, afinal, nada mudou?

Curiosamente, a principal mudança reside no facto dos principais inimigos de José Sócrates terem passado a ser os seus principais aliados na actual circunstância.

Vira-casacas?

Não. A mudança é explicada pelos ódios pessoais e pela convicção de que não se pode permitir ao primeiro-ministro alijar responsabilidades.

E o país, sim, será que se preocupam com o futuro do país?

Claro que sim, mas em segundo plano.

Para a corte do costume, mesmo para aquela parte que está momentaneamente arredada do poder, a prioridade é fritar José Sócrates, em lume brando, custe o que custar aos portugueses.

Nesta mesa de jogo, em que vale tudo, da mentira à ficção, do bluff à defesa de inconfessáveis interesses mesquinhos, José Sócrates tem razões para sorrir e para se sentir como peixe na água.

Não é por acaso que todo o debate sobre a aprovação do orçamento ficou balizado pela responsabilidade da oposição, quando a responsabilidade é do governo.

Também não é por acaso que o debate sobre a disponibilidade para a negociação passou a estar centrado no principal partido da oposição, quando é ao governo que cabe apresentar uma proposta capaz de gerar o consenso.

Neste jogo de sombras e interesses, em que falar de responsabilidade é obsceno, não há players inocentes.

sábado, 9 de outubro de 2010

Nova oportunidade

É cada vez mais previsível que a nova liderança do PSD não vai viabilizar o Orçamento de Estado para 2011 que José Sócrates julgou ter no bolso do casaco.

Apesar de uma campanha extraordinária, que tem reunido as vozes da corte do costume, quiçá os principais responsáveis pela situação a que o país chegou, Pedro Passos Coelho está a revelar um estofo de Estado ímpar.

O mais importante é evitar a repetição dos erros das últimas lideranças do PSD, que viabilizaram orçamentos delirantes, despesistas e irresponsáveis ao mínimo sinal de ameaça e chantagem.

Não vale a pena derramar lágrimas de crocodilo, nem fazer apelos patéticos à responsabilidade, sobretudo quando a actual situação é devida à total irresponsabilidade de quem nos tem governado.

E a pergunta sacramental é simples:
Vale a pena ter um Orçamento a todo o custo, mesmo que mau?

A resposta é óbvia: Não.

Claro que não. Os mercados estão com os holofotes em cima de nós. E a tradicional cosmética já não é suficiente.

É preciso dizer aos portugueses, mesmo que não o queiram ouvir (e quem quer?), que acabou o tempo em que bastava anunciar cortes e simular uma série de reformas no papel para enganar o pagode, interna e externamente.

Aliás, com ou sem orçamento aprovado, é cada vez mais provável que Portugal vai ter que recorrer à ajuda da União Europeia e à entrada do FMI com direito a passadeira rosa.

Eis a oportunidade para arrumar a casa, para acabar com as lideranças aventureiras e irresponsáveis,.

José Sócrates passou a ser uma irrelevância na solução que vai permitir ultrapassar a actual situação crítica em que mergulhou o país.

domingo, 3 de outubro de 2010

O preço da irresponsabilidade



A ruptura entre o PS e o PSD, para a viabilização do Orçamento de Estado para 2011, não pode iludir a questão fundamental: como chegámos à actual situação?

Estamos numa situação gravíssima porque temos um primeiro-ministro irresponsável que recusou a realidade durante demasiado tempo.

E como foi possível a um governo minoritário atirar o país para o abismo da banca rota?

O responsável tem um nome: Aníbal Cavaco Silva.

As sucessivas promulgações presidenciais dos delírios aventureiros de José Sócrates foram determinantes para agudizar a crise em que mergulhámos desde 2008.

O presidente da República lavou as mãos, com mais ou menos justificação pia, quando foi chamado a intervir, apostando no tradicional desenrascanço à portuguesa.

De facto, só a acção de Pedro Passos Coelho, que introduziu atempadamente uma posição responsável, frontal e transparente, colocou um travão à irresponsabilidade governamental que contou sempre com o ámen presidencial.

Os desenvolvimentos da actual crise passaram a ser imprevisíveis depois de José Sócrates ter escolhido Nova Iorque para ameaçar com a demissão se o orçamento não for aprovado.

Este gesto não surpreendeu, vindo de quem vem, sobretudo num momento em que já todos perceberam que o primeiro-ministro tudo fará para sacudir a responsabilidade do desastre para terceiros.

A "bomba atómica" constitucional que o presidente da República não foi capaz de usar, deixando arrastar uma situação de impasse evidente, estás prestes a rebentar nas suas mãos.

É o preço a pagar pela transigência com a mentira, em nome do calculismo eleitoral e de uma falsa estabilidade,

domingo, 12 de setembro de 2010

O país do fingimento



O adiamento das decisões e das escolhas claras e frontais tem sido uma das maiores chagas do país.

Do mais alto nível do Estado até ao cidadão anónimo, este atavismo crónico tem condenado o país à mediocridade.

O presidente da República finge que tudo está bem para garantir uma reeleição tranquila.

O primeiro-ministro finge que vivemos num país desenvolvido para assegurar o poder a todo o custo.

Manuel Alegre finge que o Estado Social depende da eleição do próximo presidente.

Os portugueses fingem que não percebem o que se está a passar para não terem que enfrentar a realidade.

De fingimento em fingimento, nem a Justiça escapa à condenação de ter de simular uma credibilidade perdida há muito tempo.

Apesar dos resultados da governação socialista, cuja manutenção só tem sido possível pelo mandato presidencial calculista de Aníbal Cavaco Silva, a verdade é que uma grande parte dos portugueses continua a revelar uma total identificação com ambos.

Não é por acaso, seguramente, que a crise política anunciada, que é apenas a consequência do estado de pré-falência em que estamos mergulhados, seja adiada para mais tarde, sempre para mais tarde.

Aliás, basta atentar ao que está a acontecer a Pedro Passos Coelho por tentar introduzir responsabilidade, transparência e frontalidade no debate político.

Não será difícil a Cavaco e a Sócrates fingirem que o dia 9 de Setembro nunca existiu.

Também não será difícil à maioria dos portugueses fingirem que o próximo orçamento será o instrumento ajustado para ultrapassar a crise.

O país do faz-de-conta não foi inventado por Cavaco e Sócrates, mas assenta-lhes que nem uma luva. Porventura, a única diferença que os distingue é que o primeiro tenta disfarçar e o segundo nem se dá a esse trabalho.

O maior constrangimento ao desenvolvimento de Portugal não é o caos no défice, na Justiça, na Educação e na Saúde, mas o fingimento que atravessa transversalmente o poder e a sociedade.