terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Batemos no fundo


Estes alertas, pelo significado e concentração no tempo, não podem passar em claro: 62% dos inquiridos pelo Centro de Sondagens da Universidade Católica consideram mau (33%) ou muito mau (29%) o desempenho do executivo; 73% não confiam em qualquer partido da oposição parlamentar para fazer melhor; a Comissão Europeia reviu em baixa as previsões para a evolução da economia portuguesa, estimando que o produto interno bruto vai sofrer uma contracção de 3,3% em 2012; e o eurobarómetro revela que 97% dos portugueses consideram a corrupção o maior problema e 63% consideram os políticos corruptos.

Num momento decisivo da batalha para ultrapassar a crise, ninguém tem dúvidas de que alguns tiques de autoritarismo não só não ajudam, como revelam a indisponibilidade da maioria para corresponder ao agendamento potestativo e a um novo inquérito parlamentar ao escândalo do BPN.
De igual modo, o isolamento crescente do país na União Europeia também não só não serve para nada, como revela o silêncio governamental em relação a questões tão importantes como, por exemplo, a flexibilização da meta do défice exigida por Mariano Rajoy e a promessa de Nicolas Sarkozy de aplicar a taxa Tobin sem esperar que os outros países europeus cheguem a acordo para a implementar.

Num momento crucial de viragem, há mais vida que o acantonamento envergonhado no nosso cantinho. A exigência obriga a que estejamos atentos ao que se passa à nossa volta, bem como a consolidar o rigor orçamental, a estar mais atentos aos casos sociais extremos e, sobretudo, a acabar com as hesitações em relação aos que continuam a fugir aos sacrifícios.

O caso das fundações, públicas e privadas, é um exemplo gritante. As isenções fiscais e as contribuições de milhões e milhões de euros para estas entidades, que já ultrapassaram a fasquia das seis centenas, têm de ser escrutinadas até ao último cêntimo, tanto mais que as polémicas sobre a Fundação para a Prevenção Rodoviária, a Fundação das Comunicações Móveis e a Fundação Cidade de Guimarães perduram na memória de qualquer cidadão. E não bastam meias-medidas, é preciso acabar com mais esta farra esbanjadora à custa dos contribuintes.

Um país dividido entre os que pagam, os que conseguem habilidosamente escapar e os que emigram não tem viabilidade.

A questão não é de discurso, nem de comunicação, nem tão-pouco de imagem. É de atitude, transparência e capacidade para enfrentar os mais fortes, que em tempos excepcionais tardam a ser chamados a contribuir mais que os mais fracos.

Transformar uma conversita entre Vítor Gaspar e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, num seguro de vida é risível, sobretudo para quem ainda continua a ter a maior e a melhor expectativa no desempenho de um político ocasional, como lhe chamou Mário Soares.

Nunca foi tão vital como agora, que batemos no fundo, que Vítor Gaspar consiga encontrar a determinação e o apoio para aplicar, com bom senso, a sua competência e seriedade.

A percepção de uma política de um peso e de duas medidas num momento de crise só pode levar a um cenário idêntico ao da Grécia, em que as ruas estão cheias de desesperados e de desiludidos. E mais. Em Portugal, como já vimos no passado, uma maioria parlamentar não garante estabilidade governamental. Para bom entendedor, meia palavra basta.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Custe o que custar

«São cada vez mais escutadas as vozes que criticam a política de rigor orçamental que a chanceler alemã, Angela Merkel, continua a impor aos estados membros da União Europeia, designadamente aos países da zona euro que rebentaram a escala do défice e do endividamento.

A este propósito, o aviso propalado a semana passada por George Soros, o multimilionário norte-americano que, através de ataques especulativos, conseguiu vergar o Banco de Inglaterra (1992) e provocar a grande crise asiática (1997), entre outras façanhas certamente para criar um mundo melhor, merecem uma atenção muito especial.

O manda-chuva do grande capital defendeu a “reanimação da conjuntura nos Estados europeus em crise através da injecção de dinheiro, mais do que forçar os governos à poupança”, deixando uma espécie de aviso final: “Caso contrário, vamos repetir os erros que mergulharam a América de 1929 na Grande Depressão. É isso que Angela Merkel não compreende.”

Curiosamente, há cerca de quatro anos, em plena crise do subprime, no programa “Roda Viva” da TV Cultura de São Paulo, o magnata alertava veementemente para o facto de o “crédito estar a crescer mais que a economia”, considerando tratar-se de uma “tendência que não pode continuar indefinidamente”.

Contradição à parte, a mais recente posição do maior especulador de sempre revela desde logo um facto extraordinário: George Soros e a esquerda estão de acordo quanto à forma de sair da crise.
Este coro de indignados de barriga cheia, alguns dos quais confortavelmente instalados à custa dos Estados gordos e esbanjadores, estão a consolidar impunemente uma aliança espúria com os verdadeiros indignados, as vítimas da falta de supervisão e de sucessivas governações aventureiras que atiraram os países para uma situação de perda de soberania e os povos para a pobreza crescente.
Por isso, e independentemente do debate mais ou menos interesseiro, é imperioso recordar que a crise excepcional que vivemos foi provocada pela expansão do crédito, que deu origem à gestão irresponsável da banca, à ganância bolsista, e sobretudo permitiu que a especulação nos mercados de capitais valesse quatro vezes mais que a economia real.

Não é possível omitir esta realidade, permitindo que os críticos de Merkl manipulem progressivamente as opiniões públicas com base em indicadores que estão a aterrorizar os cidadãos.
Em Portugal, por exemplo, ninguém pode ignorar os terríveis números de um dos maiores flagelos sociais da actualidade: 1,2 milhões de portugueses estão no desemprego; na última década, o país perdeu 460 mil empregos; mais de um em cada três jovens está sem emprego; o Algarve lidera o desastre com uma taxa de 17,5% da população activa; o desemprego de longa duração afecta 405 mil cidadãos.

Em boa verdade, também ninguém pode contestar que a receita amarga está a ser difícil de digerir. Mas será que o inevitável ajustamento pode ser alcançado através da repetição da fórmula que nos conduziu ao desastre?

A resposta é sim ao rigor orçamental, mas sem menosprezar os terríveis dramas sociais e humanos que estão a varrer o país. E sem nunca esquecer que alimentar artificial e indefinidamente uma falsa solução, ainda que em nome dos brutais sacrifícios que estão a pôr em causa o estilo de vida das democracia ocidentais, só poderia resultar numa catástrofe ainda maior.

Portugal está a engolir a pílula alemã, mas precisa de mais tempo para garantir a recuperação económica e acautelar a estabilidade social. Custe o que custar à troika».

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

À beira do inimaginável



A resposta formal é não, mas a percepção é contrária, tendo em conta que Pedro Passos Coelho e outros membros do governo ainda não respeitaram uma dupla decisão do Supremo Tribunal Administrativo (7 de Dezembro de 2011 e 24 de Janeiro de 2012) que obriga à disponibilização de documentos relativos às despesas e subsídios auferidos pelos elementos dos gabinetes governamentais no exercício de funções.

Ambas as decisões judiciais, que resultam de uma acção interposta pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, honram o exercício dos direitos de cidadania e os deveres da administração. E os magistrados até vão mais longe, com base no direito constitucional dos cidadãos à informação. Isto é, a partir de agora, por exemplo, um qualquer jornalista pode escrutinar a actividade do governo, exigindo ao primeiro-ministro, a um ministro ou a qualquer outro elemento de um gabinete governamental que revele, detalhadamente, como, quando e com que fundamento gastou o dinheiro dos contribuintes.

As duas decisões corroboram também o alerta da auditoria aos gabinetes governamentais levada a cabo pelo Tribunal de Contas (Relatório n.o 13/2007 – 2.a Secção): “Para além das componentes remuneratórias atrás referidas, encontram-se ainda atribuídos ao pessoal dos gabinetes outros benefícios suplementares para os quais não existe um quadro legal que regulamente a sua atribuição.”
Não obstante a recomendação ignorada e as duas decisões fundamentadas de um tribunal superior, Passos Coelho continua a fazer orelhas moucas à revelação dos gastos com recurso a cartão de crédito, ao uso de viaturas e telefones móvel e fixo, enquanto vai apregoando aos sete ventos a necessidade de disciplina e rigor para os outros. Ou seja, são exigidos sacrifícios máximos aos portugueses e disciplina financeira férrea à administração e às empresas do sector público, mas o regabofe despesista nos gabinetes dos titulares do poder executivo continua no maior e mais injustificado segredo.

O primeiro-ministro passou a poder evitar os deputados quando chamado vinculativamente a uma comissão parlamentar, respaldado na interpretação regimental de Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, ratificada em plenário pela maioria. Mas só faltava que tentasse escapar às decisões judiciais com base no silêncio, num expediente processual ou até através da alteração da lei in extremis para tentar acautelar a interposição legítima de queixas-crime por encobrimento ou desobediência.

A manter-se esta incompreensível recusa de ceder a documentação exigida, com particular destaque para Vítor Gaspar, ministro das Finanças, estamos à beira de um braço-de-ferro inimaginável, que põe em crise a separação de poderes.

Para quem ambiciona afirmar a imagem de rigor nas despesas do Estado não há qualquer margem de manobra, pois já não se trata apenas da prestação de contas política. A não ser que se pretenda liquidar a réstia de transparência na governação, escondendo deliberadamente aos portugueses a realidade dos gastos nos gabinetes governamentais.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Nas mãos das secretas?



Neste quadro interno arrepiante importa também olhar para lá das nossas fronteiras. Não é preciso regressar à Guerra Fria, em que a CIA e o KGB se digladiavam no palco internacional, para demonstrar que a santa aliança entre o poder executivo e os operacionais não é um exclusivo das ditaduras. Nem tão--pouco invocar os mais recentes ataques à liberdade de imprensa, como comprovam as agressões abjectas aos direitos dos jornalistas, amplamente atestados, por exemplo, pelos casos ocorridos em 2010, com os jornalistas Nuno Simas (jornal “Público”) e Gérard Davet (“Le Monde”). Para ilustrar este poder crescente e descontrolado basta reavivar a memória do caso Clearstream (2004), que envolveu os espiões franceses na guerra entre Dominique de Villepin (ex-primeiro-ministro francês) e Nicolas Sarkozy (presidente de França) e sobre a promessa de Obama de encerrar Guantánamo (2008) que continua a esbarrar nas agências norte-americanas.





sábado, 28 de janeiro de 2012

Mais cidadania, melhor Estado


A notícia é tão chocante como banal nos dias que correm, mas continua a exigir a reacção de todos aqueles que ainda guardam o sentido de humanidade, independentemente de manifestações à porta de Belém ou de quaisquer outros números mediáticos.

O problema começa na forma como encaramos estas tragédias. E já não basta culpar comodamente o Presidente, o governo, o ministro, os deputados, a administração pública, a crise e a austeridade. Também não serve de consolo clamar pelo dinheiro esbanjado no passado para alimentar as clientelas, que tanta falta faz agora para acorrer aos mais necessitados. Nem mesmo a estafada discussão ideológica sobre quem é mais sensível às questões de solidariedade faz qualquer sentido, pois tanto a esquerda como a direita têm falhado constantemente em relação aos mais desvalidos.

O desafio é outro. Começa em cada um de nós, em cada gesto para contribuir para a reforma deste Estado falido e exaurido e para a mudança das mentalidades de uma sociedade viciada no vale tudo para atingir o sucesso instantâneo, esquecendo o essencial: os valores da civilização.

Este tipo de desgraças não é um exclusivo de Portugal. A organização do Estado nas democracias ocidentais está mais vocacionada para atender os mais ricos e influentes que para cuidar dos mais pobres e isolados. Por todo o mundo, e até nos países europeus mais ricos, sobretudo nas épocas mais frias do ano, as mortes dos sem-abrigo, por exemplo, continuam a alimentar a imprensa pelo lancinante abandono a que são votados, especialmente no fim da vida.

Amanhã, o caso da morte destas duas irmãs idosas que viviam na freguesia das Mercês já não é notícia, porventura porque outros casos idênticos assaltam a agenda mediática. Por isso é preciso não baixar a capacidade de denunciar a indignidade por mais frequente que possa ser. E ninguém pode atirar para debaixo do tapete a estatística impressionante destes casos extremos: só em Lisboa, desde o início do ano, foram encontrados mortos em casa 11 idosos. Certamente, cada um deles era um caso especial, apenas com o denominador comum de não terem amigos no governo, nos partidos políticos, no Serviço Nacional de Saúde ou nas instituições públicas de solidariedade e protecção social.

O papel da comunicação social assume contornos decisivos para contribuir para mudar esta realidade hedionda, mas para isso não pode ficar cingido ao relato inconsequente de casos sórdidos. É preciso ir ao fundo dos problemas para continuar a manter viva a esperança de que mais cidadania obrigue a melhor Estado. Não basta atirar mais e mais dinheiro para cima dos problemas. É fundamental saber se a organização instalada é suficiente para responder às exigências e às necessidades de proximidade ou se está a ser minada pela irresponsabilidade facilitada pela burocracia reinante.

A morte de qualquer cidadão anónimo nestas circunstâncias pode não contar para as jogadas de bastidores do poder, mas convoca-nos a todos de uma forma brutal para a questão primordial: que Estado é este que promove uma sociedade tão insensível e egoísta, ou melhor, que sociedade é esta que tolera governantes incapazes de assegurar uma das mais elementares funções do Estado.

Passos de gigante

A mudança consubstanciada pelo despedimento facilitado, pela diminuição das indemnizações, pela adaptação proporcionada pela criação do banco de horas e pela diminuição do período de férias resulta na inequívoca flexibilização tantas e tantas vezes reclamada.
O entendimento entre o governo, os patrões e a UGT é um instrumento decisivo para a clarificação: por um lado, os trabalhadores não podem voltar a ser acusados de ser os carrascos da competitividade; por outro lado, os empresários deixam de ter margem de manobra para continuar a choramingar no ombro do Estado para obter mais e mais subsídios.
Num primeiro momento, qualquer tipo de ajustamento estrutural implica agitação social. Quem no governo acredita que comprou a paz social à custa do pragmatismo da central sindical próxima do PS, quiçá de mais uns milhões para formação, está redondamente enganado. A paz social apenas se consegue alcançar com uma governação credível e com sentido de equidade.
Os passos de gigante para garantir mais desenvolvimento económico começaram a construir um caminho seguro. No entanto, é cedo para hosanas e aleluias. Ainda há muito para fazer nesta terra. A alteração do paradigma só ficará concluída se outros aspectos do acordo assinado em 18 de Janeiro passado, tais como o apoio à internacionalização e à captação de investimento, a promoção do empreendedorismo e a inovação, a reforma da justiça, o combate à economia paralela, o reforço do financiamento das empresas e a redução dos custos de contexto, entre outros, forem postos em prática.
Se este acordo servir para romper a política de paternalismo estatal e de subsidiação artificial da economia, que tem beneficiado amigos, promovido clientelas e alimentado a corrupção, então podemos afirmar que estamos perante um momento histórico para Portugal. A partir de agora, a rigidez laboral deixou de ser argumento suficiente para justificar apoios e empréstimos a determinados tipos de investimentos estrangeiros em Portugal, como por exemplo o do grupo catalão La Seda, que, aliás, foi brandido no parlamento pelo deputado independente da bancada socialista Basílio Horta, sem um pingo de pudor político.
Os trabalhadores vão ter de prescindir de direitos adquiridos justos e legítimos. Agora chegou a hora de encerrar o ciclo em que o Estado anda com os empresários ao colo. Acabaram os tempos em que o Estado tentou substituir os empresários e entrou no jogo económico como agente económico e regulador ao mesmo tempo. Esta evidência não resulta de qualquer opção ideológica. Decorre apenas da constatação de que este modelo falhou, como atesta o crescimento medíocre de Portugal nas últimas décadas, não obstante a chuva de subsídios comunitários.
Não é possível ignorar que a sociedade está a chegar ao limite da tolerância em relação a esta democracia. Os resultados do recente estudo do Instituto de Ciências Sociais dizem tudo em relação ao estado de espírito dos portugueses: 15% acreditam que um governo autoritário pode ser melhor que o sistema democrático e apenas 56% acreditam que a democracia é o melhor sistema político.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O regime ao espelho



Com a chegada de Sócrates e Passos Coelho renasceu a esperança de que uma geração mais nova no poder cumprisse o Portugal prometido. Ora, hoje, o país já interiorizou o legado politicamente criminoso da última liderança socialista. E começa a duvidar que Passo Coelho tenha capacidade, força e vontade para vergar a influência acumulada dos culpados pelos erros dos últimos 25 anos. Como se esta realidade não bastasse, os portugueses estão ainda a ser bombardeados com debates protagonizados por alguns dos maiores responsáveis pelo estado a que o país chegou.

Vejamos alguns casos paradigmáticos: os críticos dos cortes nos direitos adquiridos calaram-se no passado para agora esbracejarem os princípios; os ex-governantes passeiam tachos multimilionários ao mesmo tempo que multiplicam dicas sobre como sair da crise que cavaram; aqueles que negaram o descontrolo dos serviços de informações culpam agora a maçonaria, omitindo o comprometimento dos governantes que nomearam as suas chefias; enquanto se cavalga a onda de acusações sobre determinadas lojas maçónicas, as ligações do lóbi de Macau à maçonaria, liberal e regular, escapam ao debate da actualidade; à manifestação de indignação com a entrada do capital angolano e líbio em Portugal sucedeu um pesado silêncio em relação à entrada do Estado chinês na EDP; por último, e a propósito da vozearia sobre a escolha de personalidades para a eléctrica portuguesa, em vez de se apontar ao cerne da questão, ou seja, saber quais as vantagens que os privados esperam obter depois de nomear gestores só da cor do governo, a polémica resvalou para a retórica parlamentar, ainda por cima liderada por socialistas que deveriam corar de vergonha de cada vez que abrem a boca sobre o nepotismo partidário.

Com mais ou menos manipulação, quanto mais se fala nos velhos tiques da República maior é a percepção da existência de uma democracia formal vulnerável a interesses particulares e a poderes não eleitos. Aliás, o pragmatismo tantas vezes invocado começa a ser olhado mais como um pretexto para salvar clientelas à custa dos dinheiros públicos do que para ajustar o país aos novos desafios.

Os debates que estão a dominar a agenda mediática podem estar inquinados, misturando conceitos e não servindo para um aprofundamento das responsabilidades, mas pelo menos estão a permitir ver com mais nitidez o reflexo do regime ao espelho. E, neste momento, a imagem revela desnorte em relação aos assuntos de Estado, novas trapalhadas nas contas públicas e renovadas suspeições sobre os negócios de Estado que têm como base um Ministério Público de rastos. E o que parece, não obstante a intervenção tardia do primeiro-ministro, é suficiente para minar a credibilidade do governo até junto daqueles que ainda continuam a acreditar que PSD/CDS-PP têm um encontro marcado com a mudança em Portugal.

De um momento para o outro, e após um início credível, novos erros e hesitações governamentais incompreensíveis justificam o regresso daquela estranha sensação de que o país não tem solução no actual quadro partidário e institucional.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Secretas: Bomba ao retardador


O funcionamento ilegal das secretas continua a ocupar a ribalta mediática e a alimentar todo o tipo de suspeições, arrastando na lama a classe política, os governantes, os deputados, o Estado e um dos seus departamentos mais sensíveis.

O caso é gravíssimo e a ausência de medidas exemplares para cortar o mal pela raiz está a provocar um mal-estar generalizado e a maior perplexidade, interna e externa.

Se já era preocupante saber que as secretas funcionaram em roda livre durante anos a fio, mais grave ainda é constatar que a 1ª comissão parlamentar (Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias) se deixou enredar no branqueamento de conclusões óbvias.

A notícia de que fiscalizador e fiscalizado pertencem à mesma loja maçónica apenas reforça o que todos já dão como certo: a culpa vai morrer solteira nas secretas. Aliás, este caso não é ímpar. Há muito tempo que Paulo Morais, ex-vereador da Câmara do Porto, tem vindo a denunciar as ligações de deputados aos mais diferentes interesses ao arrepio das mais elementares regras de transparência.

De facto, o rei vai nu. No poder e nos mais diversos sectores de actividade privados não faltam exemplos desta espécie de amiguismo, de lealdades opacas e caninas, que continua a ser entendido como um seguro de vida para fazer carreira ou para escapar ao arbítrio.

Na origem de toda a controvérsia está a crónica falta de cultura democrática e o desrespeito pela responsabilização política de quem prevarica no exercício das mais altas funções de Estado. E mais. Revela que o tráfico de influências continua a ser um dos problemas mais graves da democracia, alimentando todos os desperdícios e impunidades.

Neste momento, já não é possível escamotear a situação surrealista em que o país vive: Como é possível que o chefe dos serviços de informações continue em funções depois de tudo o que se sabe, e porventura ainda virá a saber, sobre o funcionamento das secretas?

A questão não teve resposta até ao momento, o que deixa Pedro Passos Coelho, o primeiro responsável pelos Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP), numa situação politicamente desconfortável. De igual modo, é preciso não esquecer, nem deixar passar em claro, o silêncio sepulcral do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, sobre uma matéria que está a suscitar as maiores inquietações na sociedade portuguesa e a manchar o nome do país a nível externo.

Ao permitirem o arrastamento desta situação, que cria um vazio que permite todo o tipo de especulações, o presidente da República e o primeiro-ministro estão a contribuir para o avolumar de uma situação explosiva que lhes pode rebentar nas mãos mais tarde ou mais cedo.

No momento em que a credibilização das instituições e da governação é essencial para o futuro do país, e em que os sacrifícios severos são impostos aos portugueses, a estranha e aparente brandura em relação à comunidade dos espiões é incompreensível e até chocante.

A forma como o chefe do governo lidou, e continua a lidar, com um caso de Estado da maior sensibilidade é mais do que um desvio colossal, é uma enorme irresponsabilidade política. E obriga, obviamente, à seguinte questão: Pedro Passos Coelho está refém de alguma coisa que os serviços de informações sabem?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Liberdade ameaçada em Macau

A comunicação social portuguesa e chinesa continua a viver sob os constrangimentos legados pela administração portuguesa. Apesar dos evidentes sinais de mudança da nova face de Macau, os jornalistas continuam a trabalhar sem o enquadramento de um estatuto próprio, sem uma credencial profissional e sob uma lei da imprensa em processo de revisão.

É neste quadro, só explicado por uma realidade informativa marcada pela autocensura, que a Federação dos Jornalistas de Língua Portuguesa conseguiu romper o marasmo, promovendo o primeiro congresso de jornalistas de Macau, uma proeza só possível pelos esforços da Associação de Imprensa em Português e Inglês, presidida por Paulo Azevedo, ex-jornalista da TSF e fundador do grupo Macau Business.

Mas não há bela sem senão. Ao mesmo tempo que os jornalistas portugueses e ingleses vindos de todo o mundo debatiam a realidade da informação do delta do rio das Pérolas, fazendo fé na existência de liberdade de imprensa no território, a associação chinesa Novo Macau, a mais influente e representativa eleitoralmente, denunciou casos de censura, manipulações, pressões, processos disciplinares abusivos e até ameaças de morte contra os jornalistas chineses, com base em relatos de profissionais da TDM – Televisão de Macau (canal em chinês), que constam de um relatório elaborado sobre o respeito dos direitos humanos na Região Administrativa Especial de Macau.

A passividade da imprensa portuguesa até poderia ser entendida à luz da implacável censura na República Popular da China, não fora as garantias consagradas no âmbito da Lei Básica, que resultou do entendimento entre Portugal e a China, o generoso subsídio governamental da ordem de um milhão de patacas (cerca de 100 mil euros) que os jornais portugueses recebem anualmente e a comparação com os órgãos de comunicação social de Hong Kong, cuja autonomia editorial e qualidade são unanimemente reconhecidos.

A explicação deste atavismo da imprensa portuguesa (de dimensão paroquial, pois é destinada a menos de 1% da população do território), está a montante do momento presente. De facto, os últimos anos da presença de Portugal no Oriente nunca conseguiram fomentar uma identidade própria em Macau suficientemente musculada para enfrentar o futuro, contrariamente ao que os ingleses consolidaram na sua antiga colónia.

Se já era incompreensível que nos tempos idos do general Rocha Vieira, o último governador português de Macau, um dos seus assessores (José Carlos Vieira, que integra actualmente o gabinete de imprensa de Cavaco Silva), varria a agenda informativa da TDM (canal português), não deixa de ser chocante que a imprensa portuguesa de Macau continue acantonada e publicamente arredada da primeira linha do combate contra quaisquer tipos de violações do poder chinês.

Doze anos após o fim da secular administração portuguesa, a liberdade de imprensa em Macau está assim mais dependente da boa vontade dos governantes que da acção firme da imprensa portuguesa local.

Resta esperar que as promessas de Alexis Tam, uma das personalidades emergentes do território, que assume o cargo de porta-voz do executivo, feitas no encontro entre jornalistas portugueses e ingleses, se concretizem na prática do dia-a-dia. Afinal não basta uma declaração formal: “Não desenvolvemos qualquer actividade nem alimentamos quaisquer pretensões de interferência editorial.”

Não há uma imprensa mais ou menos livre. Ou é ou não é. Seja em Macau seja em qualquer outra parte do mundo.

O novo mundo



Quem conheceu o território sob administração portuguesa e chega agora à Pérola do Oriente compreende melhor a razão do atraso no tempo, aliás patente quando comparado com a vizinha Hong Kong, uma das principais praças financeiras mundiais.

Bastaram 12 anos após a transferência de soberania para a China para Macau se transformar num espaço mais cosmopolita e ainda mais próspero, como comprovam os múltiplos empreendimentos que nasceram no antigo istmo de Cotai (que liga as ilhas da Taipa e de Coloane), fazendo recordar a exuberância das imagens de marca de Las Vegas.

Entre as duas realidades há uma diferença abissal, um universo de oportunidades e de riscos que têm de ser ponderados. Não há que enganar: estamos novamente perante uma dicotomia entre o velho e o novo mundo, que significa, actualmente, a diferença entre o pesadelo da crise e a quimera da riqueza.
Num momento de encruzilhada interna e externa, os portugueses vão ter de optar, a muito curto prazo, entre um modelo de desenvolvimento sustentado por um Estado gigantesco, que necessita de cobrar impostos avassaladores para pagar os custos do Estado social, e um modelo em que o Estado está reduzido à mínima expressão de garante das funções de soberania, libertando os cidadãos do permanente assalto fiscal.

Salvaguardadas as devidas diferenças históricas e culturais, três factores explicam a aceleração deste processo inevitável de escolha. Em primeiro lugar, o falhanço do combate à corrupção no Ocidente, uma das bandeiras do paternalismo europeu em relação às economias emergentes, permite constatar que o flagelo está tão banalizado num lado como no outro, ou seja, está tão presente na economia e no sistema financeiro das democracias mais antigas como nas economias de casino, sobretudo naquelas que estão alicerçadas nas fantásticas receitas do jogo. Em segundo lugar, os direitos, liberdades e garantias estão a ser progressivamente colocados em causa pela avassaladora crise económica e financeira a nível mundial, comprometendo outro dos primados da suposta superioridade ocidental sobre outro tipo de países com regimes mais ou menos híbridos. Por último, e porventura mais importante, enquanto milhões e milhões de desempregados se acumulam na Europa e nos Estados Unidos da América, os países asiáticos continuam a crescer a um ritmo tal que conseguem corresponder às expectativas de emprego das suas numerosas populações.
Sem garantia de mais justiça e concorrência, sem a capacidade de manter e pagar avanços civilizacionais duramente conquistados e sem competitividade suficiente para garantir o emprego aos cidadãos, os povos ocidentais deixam de ter fundamentos para manter o mesmo paradigma de desenvolvimento.

As vantagens e as desvantagens estão diagnosticadas até à exaustão. Não sendo possível atingir o ideal do melhor dos dois mundos, há sempre uma segunda oportunidade, nem que seja para abdicar do falso conforto de um Estado social falido que pertence a um continente cada vez mais velho.