sexta-feira, 8 de junho de 2012

Não há mais tempo a perder


Estes apelos são emocionalmente compreensíveis, mas incorrem numa racionalidade questionável. Num país sob a tutela dos credores internacionais não há apoios que erradiquem instantaneamente todos os vícios de uma economia corroída pela subsidiodependência.

Evitar a recriação de um clima de desperdício, ora para saciar as clientelas, ora para aconchegar os amigalhaços partidários, é mais importante que qualquer estímulo à economia.

Quem consome a informação do mainstream, que é a voz dos mais poderosos, e assiste ao debate público, por vezes liderado por quem ainda não teve a lucidez de se retirar de cena, até pode ser tentado a baralhar a realidade com a imagem que escorre untuosamente de alguns centros de poder.
Mas sejamos claros: a manutenção artificial de postos de trabalho custa dinheiro a todos os portugueses. Por isso é preciso que cada cêntimo de investimento público ou de ajuda ao sector privado seja ponderado e não prejudique a concorrência.

A confiança em Passos Coelho tem sido justificada pela percepção de que o regabofe com os dinheiros públicos já lá vai. Mas será que os principais constrangimentos que têm minado a economia real estão a ser atacados ao ritmo prometido?

Não. Mantêm-se os anúncios opacos, a proliferação legislativa, a burocracia reinante, a hesitação em eliminar privilégios de alguns agentes económicos, o atraso nos pagamentos do Estado, a cultura da pedinchice e a incapacidade judicial de responder à normal actividade comercial.

Assim não admira que comecem a surgir os primeiros sinais de frustração em quem está a pagar os sacrifícios, pois tarda a consolidação de uma nova realidade económica, a partir de uma nova base caracterizada por mais transparência, concorrência e equidade fiscal.

Infelizmente, o maior partido da oposição continua embalado por guerrinhas internas e pela incapacidade de denunciar os estrangulamentos da economia. Ora sem uma oposição credível, capaz de exigir ao governo o cumprimento das promessas eleitorais, o risco de a mudança se quedar pelo equilíbrio contabilístico das finanças públicas é incomensurável.

Gritar aos sete ventos que o desemprego está muito elevado e exigir ao Estado que atire dinheiro para cima da economia sem cuidar de resolver o que está mal a montante é manifestamente uma atitude sem qualquer utilidade.

A indignação generalizada com o nível da taxa de desemprego, entre outros indicadores desastrosos, só muito dificilmente será suficiente para apagar da memória os nomes dos responsáveis pela incúria que levou ao desastre.

Enquanto o PS não fizer o mea culpa relativamente ao passado do “país em festa”, o governo bem pode continuar a governar mais ou menos bem que não há uma alternativa credível.

Com o país afundado em dívidas, com as ajudas comunitárias à beira do fim e com a aprovação da regra de ouro, que limita o défice a 0,5% do PIB, seria de esperar que o governo não perdesse o fôlego em relação às grandes reformas e a oposição não fizesse promessas fantasiosas.

Não obstante todas as ameaças externas, só com medidas internas de fundo, que rompam com a lógica dos remendos a curto prazo, será possível reconquistar a soberania e a confiança num futuro melhor.

O elo mais fraco do governo

Os ministros da Administração Interna e da Saúde, respectivamente Miguel Macedo e Paulo Macedo, geraram expectativa quando tomaram posse, mas desde então têm vindo a marcar a agenda pelas piores razões.

Com experiência governativa na justiça, em que consolidou o programa das pulseiras electrónicas, Miguel Macedo tem vindo a desiludir e a originar sucessivas contestações, entre as quais se destacam os protestos da “Semana da Indignação dos Polícias” em Setembro passado, em que, aliás, o ministro e os polícias acabaram a trocar acusações mútuas de “ligeireza”.

Aliviado de responsabilidade nos serviços de informações, pelo que não pode ser responsabilizado por relatórios tão fantásticos quanto fantasmas, não há qualquer desculpa para o ministro continuar a falhar em relação às forças de segurança, na prevenção e combate aos incêndios e na política prisional.

O mais grave é que o ministro tem complicado a situação com declarações a propósito dos incidentes registados nas manifestações de 24 de Novembro de 2011 e do passado dia 22 de Março.

A incapacidade em distinguir a legitimidade da intervenção policial e a ilegitimidade da brutalidade policial atingiu níveis inauditos, como comprova a sua última afirmação em sede de comissão parlamentar: “Não é um eventual excesso de um ou mais elementos das forças de segurança que devem desmerecer o comportamento da PSP.”

Em qualquer país civilizado, o ministro da Administração Interna teria sido demitido imediatamente, não obstante ter revelado o cuidado formal em abrir processos disciplinares aos responsáveis pelos incidentes no Chiado.

A falta de dinheiro para cumprir as aspirações e as necessidades das forças de segurança dificultam a gestão da pasta da Administração Interna, mas sejamos claros: a desavergonhada cobertura política de excessos policiais inaceitáveis não pode servir como engodo para eventualmente acalmar as revindicações mais do que legítimas e justas das polícias.

Se a segurança é uma das maiores preocupações dos portugueses, a saúde não fica atrás. Por isso, o desempenho desastrado de Paulo Macedo é também muito inquietante.

Sistematicamente, e pelos mais diferentes motivos, o ministro da Saúde mais parece um elefante numa loja de porcelana, tendo em conta que, diariamente, as notícias de cortes e mais cortes (transporte de doentes, medicamentos, cirurgias e hospitais) estão a colocar os mais pobres e idosos à beira de um ataque de nervos, quiçá em pânico.

A missão de reformar o sector da saúde é mais complexa quando o dinheiro escasseia e se está literalmente nas mãos de lóbis poderosíssimos por causa de dívidas herdadas. Mas a arrogância só serve para comprometer o necessário esforço de racionalização e combate ao desperdício.

Em 2002, Durão Barroso surpreendeu quando ameaçou que não haveria TGV enquanto existisse uma criança em lista de espera nos hospitais. Dez anos depois, António José Seguro afirmou: “Pode faltar dinheiro para outras coisas, mas há uma coisa para a qual não pode faltar dinheiro: para prestar cuidados de saúde aos portugueses que mais necessitam e, em particular, aqueles que têm menos rendimentos.”

Como o dinheiro não chega para tudo, e é preciso acautelar os direitos mais sagrados dos cidadãos, é urgente avançar com as reformas que tocam os mais ricos, a começar nos salários obscenos de gestores e de estrelas mediáticas do sector público.

A tolerância quanto aos sacrifícios pode ser grande, mas não é infinita em relação a erros e lapsos.

A estrela do governo

Ao fim de nove meses, Vítor Gaspar conseguiu o essencial: garantir que continua aberta a torneira do dinheirinho emprestado pela troika, sem o qual, seguramente, não restaria pedra sobre pedra do Estado social e o número de desempregados seria muito superior a 1,2 milhões de portugueses.
No momento em que recebemos 62,5% do montante da assistência internacional, o ministro das Finanças já conseguiu a proeza de começar a vergar as taxas de juro, consolidando uma mensagem capital: se cumprirmos o Memorando assinado por José Sócrates em 3 de Maio de 2011, Portugal tem uma folga adicional que passa por uma eventual nova ajuda no caso de a deterioração das condições económicas mundiais afectarem a evolução da economia portuguesa.
Vítor Gaspar sinalizou um patamar mínimo de estabilidade, reconquistando lentamente a confiança dos mercados internacionais e ganhando tempo para promover as reformas estruturais essenciais e enfrentar a nova regra de ouro comunitária que limita o défice estrutural a 0,5% do PIB.
Neste quadro de exigências é preciso não esquecer os erros do passado. Só assim é possível evitar que aconteça a Vítor Gaspar o que sucedeu a Campos e Cunha, corrido do primeiro governo de José Sócrates, a 20 de Julho de 2005, por causa das suas justas reticências em assumir à data a construção do TGV, entre outros investimentos sem sustentação financeira.
A actual estratégia de ajustamento tem desagradado a quem está habituado ao saque vergonhoso através de projectos públicos faraónicos, cujos termos de adjudicação, aliás, tresandam a corrupção ao mais alto nível, que urge clarificar em sede judicial.
Percorrido este caminho, pautado por sacrifícios pesados e por um pragmatismo difícil de engolir nalguns casos (venda da EDP aos chineses e do BPN aos angolanos), chegou a hora de o PS se unir em torno de António José Seguro, como resultou da votação do novo Código do Trabalho, sem truques nem subterfúgios semânticos. Mas também chegou o momento de o governo assumir uma nova etapa de políticas activas de emprego, desde que não se repitam os apoios e as linhas de crédito com destinatários definidos que apenas favorecem alguns empresários e grupos económicos.
O momento é crucial. Ou o rumo é mantido, honrando a palavra do Estado junto dos credores internacionais e criando as condições para a viabilização do país, ou mantemos tudo mais ou menos como estava, arriscando um comportamento de garotos sem palavra, condenados a um fim sem glória por causa da sustentação artificial de um modelo económico falso, injusto e caduco.
Vítor Gaspar tem de continuar a ser a estrela do governo, ou melhor, a merecer o estatuto de “político ocasional”, como lhe chamou Mário Soares. Só assim será capaz de rechaçar as pressões e os compadrios políticos e partidários que têm arruinado os portugueses.

Limpar Portugal

A queda dos juros da dívida pública portuguesa é um sinal inequívoco de que Passos Coelho está no caminho certo, fruto de uma estratégia firme de Vítor Gaspar, ministro das Finanças, e da lenta retoma do ambiente de confiança na União Europeia.

Por mais que doa ao PS e ao resto da oposição, o alívio nos juros abona a estratégia governamental, que parece não se compadecer com o velho jogo da banca, que suspira pelos velhos tempos de mais e mais dívida, de mais e mais crédito, de mais e mais projectos megalómanos.
A governação da maioria do PSD/CDS-PP tem sido pautada por hesitações e até erros pontuais graves, mas no essencial o balanço continua a ser positivo.
A folga conquistada é um passo importante, pois representa mais tempo para continuar a fazer o que já devia ter sido feito há muito tempo; contudo os sacrifícios que estão a ser impostos aos portugueses exigem a consolidação de uma dinâmica de mudança para limpar Portugal.
Se é verdade que o país começou a mudar a partir de 21 de Junho de 2011, porque o Estado e os privados perceberam que não podiam continuar a gastar à tripa-forra, nove meses depois da tomada de posse de Passos Coelho a grande novidade é o alastrar desta dinâmica de mudança a outros sectores.

A notícia de que os casos da anterior governação estão a passar do espaço do debate político para a esfera da justiça é um sinal de que o ambiente de mudança também já começou a chegar aos magistrados, tradicionalmente avessos a escrutinar o poder político e executivo.
O salto qualitativo é enorme, desde logo porque garante uma poupança imensa a todos os contribuintes. E mais. É pedagógico, pois os actuais governantes ficam a saber que a partir de agora lhes pode acontecer o mesmo quando abandonarem o poder.
A vigilância da governação está a fazer o seu caminho por força dos desperdícios criminosos que nos colocaram de mão estendida, ou seja, a percepção de que o crime não compensa passou a ser extensível aos titulares do poder. E quanto mais cristalina for esta realidade, mais dificilmente se repetirá o descalabro, independentemente de os seus responsáveis insistirem na fuga às responsabilidades com base num discurso intelectualmente desonesto de pretender confundir o escrutínio legítimo com um qualquer vulgar acerto de contas.

Passos Coelho pode descansar à sombra dos pequenos grandes êxitos?

Não. A mudança alcançada não é suficiente nem compatível com a brutalidade policial sobre manifestantes e jornalistas, em dia de greve geral, que, aliás, deveriam ter merecido uma reacção mais célere e firme da parte do ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, quiçá uma palavra do primeiro-ministro.

A debilidade da situação exige que o governo não substitua o confronto com as cumplicidades instaladas pelo autoritarismo com os mais fracos e descontentes.

Maior rigor com as contas públicas, com as nomeações políticas e com os negócios de Estado constituiu uma viragem de monta, mas é preciso continuar a ir mais além, ousando afirmar a ruptura com os vícios da mercearia partidária e com o polvo do bloco central de interesses que gira à sua volta.

No momento do 34.º congresso do PSD seria bem mais importante marcar a diferença com o passado do que assistir a aclamações e ao folclore habitual.

Por isso, qualquer mexida no statu quo seria histórica, sobretudo se servisse para diminuir a confusão entre o Estado e os partidos.

O desafio é simples: Passos Coelho é capaz de deixar de acumular a chefia do governo com a presidência do partido?