sábado, 22 de dezembro de 2012

Imaginem por um momento




Durante o Natal, num ritual anual, a tristeza costuma ceder à esperança. Porém, este ano, nem a força da tradição consegue vergar a revolta e a tristeza dos portugueses.

O momento simbólico desta realidade ocorreu no último debate quinzenal. O primeiro-ministro, os ministros e os deputados sentiram, por uma fracção de segundo, o frémito provocado pelo grito de um cidadão anónimo, que não aguentou mais:

— «A democracia é uma ilusão, está prestes a acabar».

A frase até pode ser fruto do impulso de um desempregado que chegou ao limite das suas forças, mas devia convocar todos, sobretudo os governantes, para o facto de alguns cidadãos terem atingido o limite do humanamente suportável.

A resposta a este e a tantos outros portugueses não passa por declarar uma guerra imaginária, mas sim por corresponder às extremas dificuldades com que vivem, ou melhor, sobrevivem.

Tornou-se insuportável aguentar um poder político que exige tudo aos outros e tão pouco a si próprio, tais são as constantes birras, trapalhadas, traficâncias, opacidades, incompetências e vulgaridades em que está permanentemente enredado.

É impossível continuar a acreditar num primeiro-ministro incapaz de promover novas soluções, sem força para mobilizar os cidadãos e disposto a sacrificar teimosamente a credibilidade de o governo às mãos do seu braço-direito.

O sapatinho dos portugueses está vazio de boas novidades e até de esperança. E continuar a puxar indiscriminadamente pelo chicote, qual massacre fiscal e corte brutal de direitos adquiridos, só pode acabar mal, quiçá numa revolta social.

Imaginem, por um momento, como seria mais fácil a vida do país com um primeiro-ministro sem tiques messiânicos, capaz de falar verdade e de gerar confiança.

 Imaginem, por um momento, só por um momento, como seria mais fácil aceitar a venda de símbolos nacionais a investidores com rosto, independentemente de serem amigos ou inimigos deste ou daquele, e com transparência.

 Imaginem, por um momento, só por mais um momento, como a democracia seria mais respirável sem Miguel Relvas & companhia no poder.

 O que se passou nas privatizações da EDP e da REN e, agora, com os falhanços monumentais nas tentativas de vender a TAP e a RTP, é impensável para quem quer ser digno da confiança do povo.

 A multiplicidade de suspeitas que percorrem a imprensa, diariamente, não podem ofender o primeiro-ministro e o governo. O que os deveria ofender é o espectáculo degradante que está a dar cabo do que resta da confiança dos cidadãos na democracia.

 O grande desafio de Pedro Passos Coelho, desde a sua tomada de posse, era formar um governo competente, limpo e com capacidade para falar verdade. A percepção generalizada é que falhou. Afinal, o primeiro-ministro está descredibilizado, desorientado e desgastado.

 Chegou o momento de corrigir os erros. E de ponderar as vantagens de uma profunda remodelação governamental, capaz de renovar a estratégia do custe o que custar, porque o país já não aguenta mais.

Os portugueses estão bem conscientes da situação. E não querem voltar ao tempo dos truques, das manipulações grosseiras e das infantilidades da imagem. Mas manter tudo na mesma é um fanatismo que não vai ajudar a resolver os problemas, só pode contribuir para tornar a situação ainda mais explosiva.

O governo chegou ao fim da legislatura em farrapos. E, agora, tem de ter a coragem para reparar o que correu mal. Ninguém exige milagres a Pedro Passos Coelho, mas ninguém vai permitir que liquide a democracia.

sábado, 15 de dezembro de 2012

RTP: de Lisboa a La Valeta, Luanda e Panamá



A comunicação social portuguesa vive um momento delicado. De um momento para o outro, a maioria dos órgãos de comunicação social pode ficar na dependência de capitais estrangeiros.

Este movimento é ainda mais problemático se levarmos em linha de conta que, num ano de quebras de publicidade arrasadoras, tem sido registada uma misteriosa valorização das acções dos grupos Cofina e Impresa, conforme o "Jornal de Negócios" noticiou no passado dia 27 de Novembro.

É neste contexto que três questões, da maior relevância, devem ser observadas em conjunto: a recusa em aprofundar uma lei para prevenir a concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social; uma inusitada iniciativa da ERC - Entidade Reguladora da Comunicação Social; e a escolha do futuro modelo da RTP.

No dia 5 de Dezembro, os deputados do PSD e do CDS chumbaram um projecto do PS para reforçar a transparência em relação à propriedade dos órgãos de comunicação social. A iniciativa passou quase em claro, pois ninguém reconhece aos socialistas idoneidade nesta matéria, mas a posição da maioria abriu a porta a todo o tipo de suspeições.

Por sua vez, e depois de alguns jornalistas da RTP se enredaram à socapa num triste episódio com agentes da PSP, eis que surge o presidente da ERC, Carlos Magno, com uma hipótese estapafúrdia de elaboração de um "código de boas práticas" no acesso aos arquivos de jornalistas e de empresas jornalísticas.

Por último, um extemporâneo comunicado da empresa "Newshold", que controla o semanário "Sol" e detém uma participação qualificada no grupo Cofina – o tal cujas acções, recentemente, chegaram a valorizar 62% numa semana –, admite estar interessada em comprar a parte da televisão pública que o Estado está a ponderar alienar.

O investimento estrangeiro é uma boa notícia nos actuais tempos de crise, mas por que razão só os angolanos se interessam pela comunicação social portuguesa? E por que razão as empresas têm sede em paraísos fiscais duvidosos?

O serviço público prestado pela televisão é mau e muito caro, mas a única solução é privatizar 49% da RTP? É entregar esta fatia, aberta ou encapotadamente, a investidores protegidos pelo segredo dos offshores? Não é possível garantir, com mais transparência, um serviço público de televisão mais competente, mais independente e mais barato?

No meio de toda esta nuvem gigantesca, sempre pautada por mais e mais offshores espalhados por esse mundo fora, é legítimo perguntar: a comunicação social está à mercê das trapalhadas de Miguel Relvas & companhia?

A questão não se coloca por se gostar mais ou menos do ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares e dos seus amigos, ou até por se considerar que já deveria ter sido demitido há muito tempo, mas sim por estar em causa, ou melhor, em risco, a transparência exigível num dos sectores mais sensíveis da Democracia.

Não está só em causa saber se os angolanos já começaram ou vão passar a condicionar o que entra todos os dias em casa dos portugueses. Nem tão-pouco perceber se já entraram ou ainda estão na porta das traseiras do controlo da comunicação social portuguesa.

O que realmente importa é afirmar que, felizmente, de Lisboa a La Valeta, a Luanda e ao Panamá ainda continua a existir uma grande distância. E recordar que a liberdade de imprensa é incompatível com tanta opacidade, em que ninguém sabe exactamente quem é quem e ao que vai.

O primeiro-ministro é o principal responsável pelo que se está a passar nos corredores do poder em relação à comunicação social. E, neste momento, já não pode dizer que não sabe de nada.


sábado, 8 de dezembro de 2012

O caso Medina Carreira


É fundamental avaliar, no momento próprio, a motivação que presidiu às buscas a casa e ao escritório de um dos maiores críticos do sistema judicial.

A competência de Medina Carreira, por um lado, e a envergadura de Carlos Alexandre, super juiz de instrução, e de Rosário Teixeira, magistrado do Ministério Público, por outro, exigem uma clarificação total.

Não bastam razões jurídicas técnicas e formais. É preciso mais. É preciso saber se os indícios eram suficientemente credíveis para avançar com as buscas.

Quando o processo for público, demore o tempo que demorar, esta questão terá de ser esclarecida em nome da defesa da liberdade individual e do Estado de Direito.

A questão coloca-se com toda a veemência pelo facto de estarmos perante magistrados de primeira linha e um comentador muito incómodo para o poder judicial.

É aceitável que um indício vago seja suficiente para determinar buscas policiais a um cidadão, seja ele figura pública ou não?

A resposta é não.

Não é admissível que a investigação criminal avance no terreno sem aferir o mínimo de autenticidade dos indícios recolhidos. Aliás, no passado, existiram várias situações que confirmaram a prudência dos magistrados quando confrontados com denúncias pouco fundamentadas, por mais convincente ou canalha que tenha sido a fabricação de conjecturas.

No dia em que Medina Carreira foi transformado em alvo, a voz popular não teve qualquer dúvida em associar estas diligências a uma perseguição pessoal: «quem os ataca, está sujeito a estas coisas».

Vale a pena reflectir sobre este estado de espírito. À partida, os portugueses admitiram, imediatamente, estarmos perante uma represália sobre quem tem a coragem de criticar o governo e a justiça.

O processo "Monte Branco", que detectou fugas ao fisco e branqueamento de capitais, é demasiado sério e importante para ficar manchado por qualquer tipo de suspeita de reacção corporativa contra um opinion maker que duvida da organização da justiça portuguesa.

O facto do comentador da TVI ser uma figura pública não lhe dá quaisquer direitos acrescidos; contudo, o facto de ser protagonista de um programa televisivo popular, de assumir frontalmente críticas fundamentadas e contundentes, não o pode expor a qualquer tipo de humilhação pública com base numa espécie de exibição gratuita de força, venha ela de onde vier.

A credibilidade da justiça não é atestada pelo facto de ser capaz de escrutinar os mais ou menos poderosos, mas sim quando age da mesma forma, e com a mesma determinação, em relação a uns e a outros.

Os últimos 25 anos são a melhor prova que é preciso dar um salto qualitativo. Os casos exemplares não funcionam, nunca funcionaram, e, sobretudo, não colhem quando os tiros são falhados. É preciso dizer basta a uma investigação criminal que faz buscas para suportar indícios sem sustentação, que investiga depois de acusar, que se serve do tempo para condenar os cidadãos antes do veredicto dos tribunais.

Medina Carreira é demasiado credível para ser derrubado por pistas que, até ao momento, e com base na informação disponível, se revelaram totalmente insuficientes. Aliás, as opiniões do ex-ministro das Finanças representam uma das últimas oportunidades para a regeneração do sistema judicial português. Não o perceber é muito mais do que ser injusto.






sábado, 1 de dezembro de 2012

Portugal: o país sem cultura democrática




Os portugueses já estão habituados à determinação de Pedro Passos Coelho. O que não lhe perdoam é a sua falta de legitimidade eleitoral para prosseguir o rumo traçado.

O líder do XIX governo constitucional continua a desvalorizar o seu pecado original: as falsas promessas eleitorais.

Na última entrevista à TVI, a José Alberto Carvalho e a Judite de Sousa, Pedro Passos Coelho não deu um único sinal de arrependimento.

Decorrido um período de governação de um pouco mais de 17 meses, o primeiro-ministro carrega este peso com crescente desfaçatez política, qual Sísifo que, não obstante ser o mais astuto dos mortais, acabou condenado para sempre a empurrar uma pedra até ao lugar mais alto da montanha.

Começa a ser fatigante assistir ao espectáculo de um primeiro-ministro a tentar camuflar que recorreu aos velhos truques ― quiçá, os mesmos que, noutros tempos, o afastaram da política activa ― através de uma atitude politicamente arrogante, como se fosse possível apostar no tempo para tudo fazer esquecer, como se até o enxovalho público fosse passível de ser ignorado.

Pedro Passos Coelho não é mais nem menos do que o produto do sistema, mesmo que, numa determinada fase, tenha chegado a vestir o uniforme do enfant terrible da política portuguesa.

Mais de 37 anos depois do 25 de Abril, Portugal continua a ser um país atulhado de políticos imbuídos de uma clarividência tal que chegam a considerar normal enganar os portugueses durante uma campanha eleitoral para depois fazerem o que lhes apetece.

As sucessivas gerações de políticos iluminados já se habituaram de tal forma a prescindir de consultar o Povo, sobre questões da maior relevância para o futuro colectivo, que já nem são capazes da mais elementar autocrítica pessoal e partidária.

Os partidos do arco da governação, que afinam pelo mesmo diapasão há mais de 30 anos, sabem que os eleitores não têm alternativas credíveis, contando que tudo continue na mesma com mais ou menos voto nas setas, sejam para cima ou ao centro, e na rosa mais ou menos avermelhada.

Não há nada pior para a saúde da Democracia do que esta simples constatação. Nem a corte do costume, fortuitamente instalada a favor ou contra o poder vigente, consegue disfarçar o incómodo.

Enquanto os cidadãos não romperem com esta armadilha, qualquer líder político pode mentir impunemente, porque sabe que tem uma forte probabilidade de ficar no poder pelo menos quatro anos, contando com a conivência dos seus pares e a passividade colectiva.

Para o bem ou para o mal, o sistema político tem fabricado, acolhido e promovido este tipo de governantes. O que é incompreensível, para não lhe chamar um colossal embuste, é a crítica organizada por senadores que incorreram, sistematicamente, no mesmo erro, pretendendo agora passar por aquilo que nunca foram.

Pedro Passos Coelho pode afirmar a sua coragem. E até pode estar convicto de estar a seguir o caminho inevitável. Mas não pode ter o atrevimento de assumir uma atitude aristocrática, porque não tem estatuto, nem tão-pouco deu quaisquer provas de estadista.

A maioria no poder e o maior partido da oposição parlamentar deviam reflectir, profundamente, sobre os últimos anos de governação. Há limites que já foram largamente ultrapassados.

Não há boys, girls, spin, agências de comunicação a soldo de quem paga mais ou comunicação social mainstream capazes de disfarçar o equívoco que está na origem de todos os males.

Portugal continua a ser um país sem cultura democrática, incapaz de aprender com os erros do passado que nos atiraram para o abismo.