terça-feira, 26 de novembro de 2013

A esquerda sem vergonha e a triste direita


Seja qual for o tema, a circunstância e o status social, as conversas acabam, invariavelmente, numa espécie de declaração de estado de sítio: caímos num impasse.

Portugal é assim: continuamos a viver entre a resignação e o fatalismo, com mais ou menos verniz de aparente modernidade.

A realidade extravasa a própria dimensão da actual crise. Se retrocedermos aos tempos idos do antes do 25 de Abril, da Primeira República e até ao tempo dos outros ventos do liberalismo e ao fim da monarquia, é possível constatar que, mutatis mutandi, a mediocridade dos protagonistas e o ambiente geral não eram assim tão diferentes.

Será uma doença? Uma questão genética? Não creio. Prefiro considerar que se trata da consequência natural de uma determinada estrutura instalada, há muitas e muitas décadas, que continua a ser alimentada por uma organização constitucional, política, económica, social e religiosa que se especializou em acolher a mudança, de tempos a tempos, para garantir que tudo fica mais ou menos na mesma.

Não faltam exemplos para comprovar esta inércia que, entre a violência obscurantista e os picos de lirismo patrioteiro, aviva o nosso tradicional e terrível atavismo endógeno.

O país continua esmagado por uma ordem constitucional eloquente que na realidade vale pouco; continua politicamente esborrachado entre uma esquerda sem vergonha e uma triste direita; continua vergado por uma desigualdade desumana e uma ostentação parola; continua a viver sob a capa de uma fé que continua a servir o poder e a quedar-se pelo consolo dos mais fracos.

Os portugueses assistem ao descaramento e ao populismo dos principais responsáveis pelo estado a que o país chegou; o mesmo país é confrontado por uma direita que ganhou o poder e governa com um olho na salvação nacional e o outro nos negócios, não vá o diabo tecê-las, com mais ou menos ameaças de serem corridos por quem já nem tem respeito pelos valores democráticos.

Os portugueses já não sabem para onde se virar. E o impasse continua. Lá continua, ano após ano, governo após governo, gerando a insuportável percepção, ainda que infundada, que não há diferença entre a ditadura criminosa e a democracia imperfeita.

Em termos gerais, apesar de dignas e honrosas excepções, nem mesmo a academia, a justiça e o jornalismo parecem ter capacidade para dignificarem os seus valores mais sagrados, limitando-se a fazer a encenação de sempre, o jogo do poder, incapazes de se livrarem do jugo de quem lhes paga mais, alimentando a esperança que tudo pode mudar, mas escondendo que, afinal, são eles que garantem que tudo ficará, mais ou menos, na mesma.

O impasse tem uma origem: os homens de esquerda e de direita de Portugal, os tais que ocupam o poder há décadas, abriram uma guerra fratricida por causa dos seus pequeninos interesses pessoais e partidários, sem o mínimo pejo em sacrificar os seus concidadãos. O mais grave é que,  numa vertigem de sobrevivência, ainda há quem lhes estenda a passadeira vermelha.


Vai ser necessário uma nova geração de políticos e governantes e uma opinião pública mais exigente e menos desinformada para varrer esta gente que mantém o país refém. Aliás, já nem escondem, na sua imensa mesquinhez e venalidade, a falta de convicções, ideias e projectos para o país, limitando-se a fermentar um alegado inimigo e a adoptar uma atitude que não leva, nem a eles nem a nós, a lado nenhum.

sábado, 19 de outubro de 2013

Portugal é assim: fraqueja no momento crucial



Portugal continua a ser o que sempre foi: os poderosos esmagam os mais fracos, os negócios de Estado continuam a parecer negociatas privadas e os abusos confundem-se com a justiça e a segurança.

 No essencial, pouco mudou: o país continua a fraquejar face aos grandes interesses, sejam eles quais forem, corporativos, nacionais ou estrangeiros.

Com a coligação governamental paralisada e com a oposição afundada no populismo, os últimos desenvolvimentos sobre as relações entre Portugal com Angola revelam como a classe governante continua saloia e venal; e como uma opinião pública esclarecida continua a ser uma miragem.

O país continua a viver de farsa em farsa. O processo de lavagem de dinheiro sujo em curso, uma espécie de PREC da globalização, é apresentado, subliminarmente, como se fosse a última tábua de salvação.

A realidade é bem diferente. No caso angolano, seja o dinheiro sujo ou não – matéria que está sob escrutínio da justiça em Portugal e noutros países da União Europeia, bem como nos Estados Unidos da América –, há muito tempo que os investidores angolanos aderiram à fórmula de comprar com o pelo do cão, um expediente que faz as delícias do capitalismo selvagem e das teias da corrupção.

A partir dos primeiros investimentos, sobretudo na banca, este tipo de "salvadores" mais não fazem do que usar os recursos das instituições que controlam, ou que estão em vias de controlar, para garantir financiamentos para novas aquisições, sem gastar um tostão das suas próprias carteiras recheadas, sabe-se lá como e quando.

Numa época em que o país necessita de uma grande lavagem, é caso para dizer que os branqueadores continuam a mandar; num momento em que o país precisa de credibilidade externa, é caso para dizer que continua a valer tudo; por último, quando o país precisa de afirmar a sua respeitabilidade, os órgãos de soberania cedem a interesses difusos e opacos, obviamente em nome de um interesse nacional que só eles conseguem descortinar.

De facto, não há mal-entendido nenhum entre Portugal e Angola. Nem tão-pouco desinformação. Há é falta de dignidade de Estado, de transparência institucional e de respeito pela separação de poderes.

Quando estão em causa os poderosos, sejam angolanos ou não, o mais grave é que a justiça não se dá ao respeito, optando por genuflectir, com mais ou menos suavidade, ora promovendo investigações que não têm fim – ainda que bem intencionadas, mais parecem vulgares simulações –, ora mandando, agora, calar os procuradores do Ministério Público, num gesto cedência e de humilhação pública ímpares.

Talvez, agora, seja mais fácil perceber por que razão Rui Machete, Paula Teixeira da Cruz e Joana Marques Vidal foram nomeados para os altos cargos que (ainda) exercem. Porventura, têm a extraordinária capacidade de paliar, seguindo o exemplo do presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

Depois de tudo o que aconteceu, à vista de todos, continuam em funções, olimpicamente, perante uma comunicação social que, desgraçadamente, trata o assunto como mais um fait divers.

Não é por acaso que, felizmente, há uma maioria cada vez mais indiferente em relação a esta democracia formal, a um Estado tentacular que é mais percepcionado como um poço de corrupção sem fundo do que como um garante da ordem e da protecção dos mais fracos.


No actual cenário de crise, em que Pedro Passos Coelho tem feito tábua rasa dos compromissos assumidos pelo Estado, o seu maior contributo é eclodir com esta espécie de  Estado. 

sábado, 5 de outubro de 2013

Sobreviventes, mercenários e o resto



As autárquicas confirmaram as expectativas daqueles que não querem nem têm de obedecer ao pensamento único.

Por muito que o establishment disfarce, a abstenção e os votos em branco e nulos atingiram os 54,22%, revelando uma atitude de indiferença dos eleitores, quiçá de protesto.

A enfermidade do regime democrático português é evidente, confirmando que a crise portuguesa está a montante das economia e das finanças públicas.

Não é por acaso que os vencedores branquearam o divórcio entre a política e os cidadãos; não é por acaso que Rui Machete disse o que disse e continua em funções; não é por acaso que  aqueles que se calaram face às pressões nos casos Freeport e voos da vergonha da CIA, entre outros, agora pedem a demissão do ministro dos Negócios Estrangeiros; e não é por acaso que as cerimónias do 5 de Outubro registaram os assobios no momento dos discursos e do içar da bandeira nacional.

Além dos sobreviventes e dos mercenários, que têm condenado o país ao subdesenvolvimento e à miséria, começou a emergir o resto que pode fazer a diferença, corporizado pelos candidatos independentes que conquistaram a presidência de 13 câmaras municipais, mais seis do que em 2009.

A eleição de Rui Moreira, no Porto, merece o maior destaque, pois evidenciou um sinal de esperança no fim do diktat dos partidos políticos alimentado pelas teias de corrupção e pela impunidade garantida por uma justiça cada vez mais atolada nas suas reformas de papel.

Ninguém pode ignorar que alguns destes "independentes" não são mais do que militantes desavindos com os respectivos partidos, pelo que ainda é prematuro afirmar que o país enviou um sinal suficientemente forte para obrigar as direcções partidárias a uma profunda reforma interna.

Apesar de a taxa de abstenção em vários municípios ter ultrapassado os 60%, os resultados eleitorais de domingo passado estiveram longe do terramoto que poderia acelerar a indispensável reforma do sistema político, eleitoral e partidário.

O caminho a seguir é óbvio: reforçar o escrutínio dos governantes e autarcas e aprofundar a cobertura política e partidária de forma a poder informar com mais rigor um número de pessoas cada mais maior.

Para alcançar este desígnio, um dos mais importantes do regime democrático, é indispensável que as instituições de controlo funcionem. E, sobretudo, que os jornalistas tenham condições para trabalhar, sem a ameaça permanente de desemprego, sem pressões abjectas e com condições para manter independência face aos mais diversos poderes instituídos e fátuos.

O que se passou, à vista de todos, a propósito da cobertura da campanha eleitoral das autárquicas, foi muito mais do que o atestado que faltava para comprovar a fragilidade do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o silêncio cúmplice de alguns dos outros líderes partidários.

Em bom rigor, a grosseira violação da lei por parte das televisões pública e privadas roçou o insulto a todos os portugueses, desde logo por ter ocorrido fora do tempo e por prejudicar a informação e o debate.

As reacções corporativas, por convicção ou interesse, para servir a maioria no poder, beneficiar uma certa oposição ou salvaguardar interesses próprios, não leva o país a lado nenhum. Sem equidade no tratamento editorial dos grandes e pequenos partidos, das grandes e pequenas cidades, o resto, a tal minoria de "independentes" que foi a jogo, indispensável para forçar a mudança em Portugal, dificilmente poderá vingar e crescer.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Eleições autárquicas 2013: a escolha da abstenção



O actual clima bafiento pode dar origem a uma resposta histórica dos portugueses nas próximas eleições. Porventura, chegou o momento de mostrar o cartão vermelho à corrupção, à incompetência, à falta de cultura democrática e respeito pelos valores da ética republicana.

Pedro Bacelar de Vasconcelos, no artigo de opinião intitulado o "Voto é nosso", sublinha que «temos a obrigação de fazer ouvir a nossa própria voz para que outros não se arroguem o direito de falar em nosso nome ou que o silêncio seja interpretado como desistência ou rendição».

A perspectiva do constitucionalista é legítima, mas não é a única.

Face ao panorama político e partidário dos últimos anos, que levou à crise brutal, os portugueses têm o direito de manifestar a sua indignação de uma outra forma, tão legítima como qualquer outra.

Se não há confiança nos candidatos e nos partidos políticos que representam, incluindo os da maioria que governa o país, então a abstenção pode ser uma opção de liberdade, consciente e responsável.

O voto de protesto já não corresponde à penalização dos partidos que estão no poder e à escolha de quem está na oposição, pois a alternância democrática dos últimos anos provou que o regime entrou há muito tempo num beco sem saída.

Ainda que os elevados índices de indiferença da parte dos eleitores não sejam um bicho-papão para a generalidade da classe política, como comprova a indiferença de Aníbal Cavaco Silva em relação ao facto de ter sido eleito por menos de metade dos portugueses, a verdade é que uma elevada taxa de abstenção pode ser um forte sinal de alerta que não pode ser escamoteado ou abafado. E mais: é um factor, como qualquer outro, que contribui e fomenta o debate.

A leitura dos resultados do próximo Domingo não passa apenas pela vitória em número de presidentes de Câmaras, de Assembleias Municipais e de Juntas de Freguesia; não se limita ao triunfo deste ou daquele autarca mais mediático; também não começa e acaba na eleição de candidatos mais ou menos independentes; nem mesmo a percentagem deste ou daquele partido tradicional esgota a importância da noite eleitoral.

Por mais que se tente iludir a inevitável leitura nacional dos resultados, tentando fazer esquecer a demissão de António Guterres, em Dezembro de 2001, depois de uma derrota estrondosa dos socialistas, o número de eleitores que vão marcar presença nas urnas assume uma importância decisiva num momento em que o país vive uma situação dramática, em que milhões de portugueses estão a ser abandonados à sua sorte.

As sucessivas eleições e a escolha de várias combinações de partidos políticos não estiveram à altura da exigência dos grandes desafios de Portugal. Chegou a hora dos políticos e dos governantes perceberem que a Democracia não é uma questão de fé, não é um dogma. Ela existe para servir os cidadãos e não para se servir dos cidadãos de uma forma mais ou menos descarada.

Desde 1975, nunca os valores da abstenção e dos votos nulos tiveram tanta importância e significado. Porventura, a classe política precisa de um terramoto eleitoral através da abstenção para mudar, para enveredar por caminhos e opções mais responsáveis e transparentes, para compreender que os portugueses estão fartos dos mesmos jogos políticos de bastidores, para interiorizar que os cidadãos merecem ser tratados com respeito.


A taxa de abstenção é a grande incógnita das eleições de 29 de Setembro. Em jogo estão duas fasquias: os 41% das autárquicas de 2009 e os 53,37% das presidenciais de 2011.