sábado, 31 de maio de 2014

PS: o virar de página histórico

  
Face à tentativa de crucificação de António José Seguro por causa do seu estilo, sim, estilo, há falta de outras razões substantivas, qualquer observador informado, num primeiro momento, fica boquiaberto; e, depois, só pode rir.

As declarações patrióticas fazem sempre parte deste tipo de encenação, cujos argumentos confessados apenas servem para camuflar os motivos inconfessáveis. 

Mário Soares, que ficou na história por ter metido o socialismo na gaveta quando governou, quer de volta o «querido PS, do punho erguido à esquerda e dos socialistas que não têm medo de ser tratados por camaradas». 

O aplauso é estimulado, sempre com um barão disponível à mão de semear. Afinal, parece não haver tempo para pensar. E lá continuamos na mesma: o que é preciso é animar a malta...

Com palco, espectadores e até intermediários garantidos, ávidos por papar mais uma qualquer baixeza, ganhou terreno a mais antiga forma de manipulação da opinião pública: para esconder o essencial, basta fomentar a confusão sobre o acessório. 

O essencial é que os portugueses ainda não esqueceram o mal que o PS lhes fez, estão fartos da política decidida nos bastidores e ratificada em congressos para as televisões, já não suportam a actual maioria e começam a duvidar da União Europeia, como atesta a censura generalizada ao regime e aos partidos do arco da (des)governação: 65% da população nem sequer foi votar e 7% foram às urnas para votar nulo ou em branco.

Uma das facções do PS, sedenta de voltar ao poder, custe o que custar, depois de aclamar a maior derrota de sempre da direita, abriu a polémica sobre o acessório, ou seja, criou um bode expiatório para tentar recuperar o poder: na impossibilidade de criticar directamente quem votou com memória, passou à paradoxal culpabilização de António José Seguro por não ter conseguido uma vitória ainda mais expressiva.

A elite que recusa a evidência financeira do país, a mesma que com esta manobra desesperada já nem disfarça a arrogância, tenta assim reforçar a tese que visa continuar a diabolizar o Executivo por não ter resolvido, em três anos, a catastrófica situação que lhe legou.

De golpe em golpe, somos levados facilmente a esquecer o essencial: continuamos falidos, sem noção exacta do momento que colectivamente vivemos e numa democracia formal em que não há participação dos cidadãos.

António José Seguro deu uma resposta à altura, ao virar a página com mais democracia, mais participação e mais um passo na reforma do sistema político, resistindo assim à hostilidade miserável de uma parte dos Media e retirando o tapete a quem, estando a fazer um frete ao Governo, lançou o PS numa aventura com consequências ainda imprevisíveis.

Não podemos ficar à mercê da feira de vaidades, dos barões do costume e de uma qualquer vitória palaciana, essa sim, de Pirro, obtida a qualquer preço.

No desafio feito ao secretário-geral do PS, o que está em causa não é, seguramente, uma questão política, mas sim um vil golpe calculado e premeditado que apenas visa recuperar a sobrevivência de quem afundou o país e nunca teve a dignidade política de assumir os erros.

Independentemente das intenções, que se presumem sempre as melhores, a verdade é que o oportunismo não deixa margem para quaisquer dúvidas. Não basta ganhar a qualquer preço. E, seguramente, não basta recolher os lucros de deitar lenha para a fogueira. 

É que qualquer dia acordamos, do lado dos vencedores ou dos perdedores, sem alma, sem convicções, sem sonhos e, sobretudo, sem país.

sábado, 17 de maio de 2014

Passos Coelho e Portas: agora é a sério



O fim do programa de ajustamento foi um feito, desde logo por ter sido cumprido com paz social.

Por ressabiamento ou qualquer outro tipo de venalidade, nenhuma vozearia o conseguiu impedir, nem mesmo depois de tentar demagogicamente tirar partido da violência dos sacrifícios impostos.

Portugal encerrou mais um capítulo triste da sua vida colectiva, o terceiro em 40 anos de democracia, sempre pela mão do PS, que nos conduziu à perda de soberania e ao abismo.

Também é, por isso, uma lição para todos os que sucumbiram às promessas de facilidade, optaram pela ilusão do facilitismo e toleraram a corrupção que assaltou o Estado.

Com a saída formal da Troika, apesar da acção política irresponsável de uma certa ala do PS, os dois líderes da maioria ganharam, mas ainda não podem cantar vitória.

O país carece de uma verdadeira mudança, desde logo em relação ao Estado tentacular, ao desperdício impune e aos fumos de corrupção que continuam a pairar sobre os negócios de Estado.

A recuperação da soberania não é um feito por si só, desde logo porque o programa de ajustamento foi uma oportunidade perdida para lutar contra corrupção, como assinalou a Associação Cívica Transparência e Integridade.

É preciso muito mais do que equilibrar as contas públicas até ao final do mandato, em 2015, ainda que a redução do défice público tenha sido a prioridade das prioridades por razões tão óbvias que qualquer pessoa racional e de boa fé as entende.

O XIX governo constitucional tem de merecer os impostos brutais que exigiu aos portugueses, pelo que tem de passar a ser escrutinado de uma forma rigorosa, pois acabou o tempo das desculpas com o passado, da excepcionalidade e das limitações impostas pelos credores estrangeiros.

As taxas de juro desceram a um nível surpreendente e o diagnóstico está feito e refeito. Ultrapassada a situação de emergência, só falta coragem para fazer o que tem de ser feito.

A partir de agora, o país tem concentrar os seus escassos recursos no crescimento económico e na consolidação de um Estado Social que proteja, efectivamente, os mais pobres.

Não é possível pedir mais a quem trabalha e a quem vive de uma reforma obtida ao fim de uma vida de trabalho.

Por mais manipulação e demagogia, seja através dos instrumentos do Estado ou de órgãos de comunicação social controlados por clientelas e sabe Deus por quem mais, por mais táctica e estratégia, com recurso aos lobistas do costume ou aos aparelhos partidários, chegou a hora de poupar no desperdício impune, tantas e tantas vezes maquinado através de cumplicidades espúrias.

Para não serem confundidos com outros, que sempre tiveram o povo na boca e os negócios no bolso, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas têm de aproveitar o ténue clima de esperança para governar para todos os portugueses em vez de continuar a permitir que uma gigantesca nebulosa continue a sustentar, à custa dos contribuintes, os grandes barões da política e dos negócios.

Nestes momentos, seja qual for a área de responsabilidade ou de actividade, não pode haver hesitações: ou se envereda pelo respeito da transparência e solidariedade, ou se fica do lado da subserviência e do oportunismo.

Se o dia 17 de Maio marca o enterro político de José Sócrates e de uma certa esquerda desacreditada, hoje também é o primeiro dia de um árduo caminho que vai determinar se Pedro Passos Coelho e Paulo Portas conseguirão escapar ao pequeno pé de página repleto de tantos e tantos que falharam estrondosamente. 

quinta-feira, 24 de abril de 2014

PORTUGAL É ASSIM: 40 ANOS DEPOIS DO 25 DE ABRIL


O dia da Liberdade aconteceu, mas a farsa continua a vencer à custa da ignorância e da miséria de um povo que, efectivamente, ainda não despertou para a realidade.

Garcia dos Santos, um dos capitães de Abril, talvez tenha razão quando afirmou que serão precisas três gerações para se chegar a uma classe política competente, numa espécie de admirável mea culpa, tendo em conta a sua passagem pela antiga Junta Autónoma das Estradas no consulado de João Cravinho na pasta das Obras Públicas.

Lembram-se?

Do maior escândalo de corrupção e financiamento partidário que tudo o vento levou a partir do momento em que caiu nas mãos da justiça?

Continuamos disponíveis para elogiar o que de bom foi feito e abafar tudo de mal que continuamos a ter, como se a criminosa corrupção fosse um mal menor, uma espécie de "lubrificante" da economia, como alguns chegam a pensar em privado, numa espécie de adaptação sui generis da lei de Lavoisier às ciências económicas.

Este deslumbramento mesquinho e provinciano, quiçá instrumental, diz muito do que ainda somos, cidadãos de nome, sem cidadania activa, desinteressados da impunidade em que vive uma certa casta que gravita à volta do Estado, sempre novo, e dos partidos políticos, já velhos.

A indiferença não faz parte do nosso ADN, muito pelo contrário, é resultado de uma certa manhosice crónica emprestada pela mediocridade do salazarismo, uma cobardia endógena que almeja ser premiada com uns trocos, uma subserviência sem limites até lá chegar, até chegar à meta de cada um.

A realidade dos nossos dias não pode ser assacada apenas à ditadura, nem tão-pouco ao criminoso PREC que alguns ainda tentam salvar a todo o custo.

Aníbal Cavaco Silva tem o mérito de poder afirmar que deixou o seu cunho ao fim de quase 20 no poder. Ele percebeu o tipo de português que ainda somos e não hesitou em explorá-lo, durante o longo período de maná vindo de Bruxelas. Será por acaso que alguns dos maiores escândalos económicos e financeiros envolveram alguns dos seus mais próximos colaboradores?

Neste pântano que alastra, devorando a dignidade, o desassombro e o inconformismo, deixando o Estado refém de interesses e clientelas diversas, a Esquerda ainda não soube fazer a diferença, sempre ávida de chegar ao poder, pelo que também pode reclamar o seu quinhão de glória na grande caminhada de saque, sem olhar a meios nem à companhia de corruptos, assassinos e sanguinários, alguns dos quais já liquidados pelos seus compatriotas, permitindo que o país chegasse à bancarrota em 2011.

No dia 9 de Outubro passado, no Diário de Notícias, Mário Soares escreveu: «Os ministros começam a estar impacientes. Porque se ficarem no País e houver outro Governo, vai saber-se tudo o que se ignora, que é muitíssimo».

Nem um fremir...

Nada!

É a farsa dentro da farsa, por acção ou omissão, num país em que o chico-esperto, finalmente, assaltou o poder, em que o cidadão continua a ser instigado em reclamar mais e mais sem cuidar de saber dos recursos para o pagar, em que o poder político continua subjugado ao poder económico-financeiro, em que os mecanismos de regulação e escrutínio jogam o jogo, habilmente, para garantir o conduto.

Portugal é assim: 40 anos depois do 25 de Abril.

sábado, 12 de abril de 2014

Governo, oposição e sociedade civil: o restart


São inúmeros os momentos cruciais em que as grandes escolhas foram decididas nos corredores do poder, à revelia dos portugueses, contribuindo para que os cidadãos se fossem viciando num falsa protecção, tão ilusória que só agora começam a despertar para um Estado falido que ainda continua a dar prioridade às suas clientelas em vez de garantir os serviços universais essenciais como a Saúde, a Educação, a Justiça e a Segurança.

Independentemente da questão de saber se o curto prazo será, ou poderá ser, diferente dos tempos difíceis que vivemos, as elites continuam a achar que o povo português tudo continuará a consentir por não estar à altura de assumir as grandes escolhas.

O resultado está bem patente: a continuidade gerou imobilismo, falta de esperança e a manutenção de o Estado esbanjador que conduziu o país a mais uma falência e o povo à miséria.

Hoje, o recomeço quer dizer a ruptura com os hipócritas do presente que reclamam uma falsa soberania alicerçada nos vistos Gold e no dinheiro sujo de Angola, China, Guiné Equatorial e afins. E também quer dizer combate a um passado liderado por ladrões de colarinho branco que conseguiram vingar com o beneplácito, tácito ou cúmplice, de tantos e tantos que enchem a boca com o Estado Social.

Portugal continua a viver em permanente estado de falso restart, em que reina a confusão entre a continuidade e o recomeço, com a direita, o centro e a esquerda enredados nas suas próprias contradicções.

Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, por razões diversas, tentam convencer os portugueses que o novo restart se limita ao equilíbrio draconiano das contas públicas, esquecendo que nada pode ser conseguido sem transparência, sem a adesão das pessoas e sem atacar a corrupção de Estado.

Por sua vez, António José Seguro, por imposição interna no partido, promete aos portugueses o velho restart, navegando numa ficção em que nem ele nem os seus principais pares acreditam.

Por último, a esquerda mais radical limita-se a propalar o irresponsável restart, refém de um dogmatismo cujas consequências imediatas continua a esconder.

Na vida dos países, esta situação até pode ser considerada como fazendo parte da evolução natural, mas conduz inevitavelmente ao cepticismo em relação a tudo e a todos, ou seja, aos fundamentos de um permanente estado de sítio.

Não é possível cumprir o restart quando a Saúde não cuida dos cidadãos, a Educação não garante o futuro, a Justiça não é justa e a Segurança esmaga as liberdades individuais. 

De igual modo, não é possível prometer o restart com base numa demagogia política criminosa sobre a virtude do endividamento ilimitado, com mais ou menos engenharia financeira ou revolução anunciada.

O impasse em que o país vive não resulta apenas de mais ou menos défice, nem tão pouco tem origem na crónica incapacidade de uma nova geração alcançar o poder.

O que está a comprometer o futuro de Portugal, enquanto país livre, soberano e com aspirações ao progresso, ultrapassa a presença da Troika e os debates ideológicos avulsos, quantas vezes marcados por interesses particulares e corporativos, que, aliás, apenas têm servido para esconder o essencial.

O cerne do problema continua a ser o mesmo das últimas quatro décadas: a escolha de representantes eleitos que obedecem a velhos compromissos de mudar para tudo continuar na mesma, ou seja, está numa cidadania que já deixou de voar há muito tempo, pois sucumbiu ao conforto do paternalismo estatal e do trabalho remunerado a qualquer custo, tantas e tantas vezes em troca de uma vida sem dignidade e direito a sonhar.