segunda-feira, 2 de março de 2015

Passos Coelho e Portas: a última fronteira


O primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos com uma afirmação que ficou célebre: «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal».

O alcance desta declaração permitiu várias análises, embora tenha ficado consagrado que o primeiro-ministro pretendeu passar uma mensagem e um compromisso claros: respeitar os interesses do país.

Quase três anos depois da tirada, que tirou o apetite a alguns deputados social-democratas, o que lá vai lá vai, pois Pedro Passos Coelho continua a dar sinais que está cada vez mais preocupado com as eleições.

No momento em que se especula em relação ao iminente anúncio da renovação da coligação PSD/CDS-PP para as legislativas de 2015, a vantagem eleitoral dos dois partidos se apresentarem coligados pode ser um imperativo óbvio, mas será que tal implica obrigatoriamente a manutenção do ticket Passos Coelho/Portas?

Não deve haver um único português que acredite na bondade da renovação da coligação, tendo em conta os picos de crispação verificados entre os dois líderes e a governação à vista que tem sido efectuada pela simples necessidade de ter de ser encontrado constantemente um acordo entre ambos que, como é público, discordam em quase tudo e não se suportam pessoalmente.

Seja qual for a simpatia partidária e o ângulo de análise, não há qualquer dúvida: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aparecem aos olhos dos portugueses como activos tóxicos, mesmo até para aqueles que lhes reconhecem obra feita e algum sentido de responsabilidade.

Independentemente de saber se os dois teriam estômago suficiente para se aguentarem um ao outro durante mais quatro anos, a verdade é que pensar primeiro em Portugal implicaria no mínimo colocar em cima da mesa a hipótese de um ou dos dois cederem os seus respectivos lugares a novas lideranças refrescadas eleitoralmente no seio de cada um dos partidos.

Depois de Passos Coelho anunciar que se vai bater por uma maioria absoluta, sem dizer uma palavra sobre Portas, e de não fechar a possibilidade a um Governo de Bloco Central, o país só pode ter esperança que a promessa proferida a 23 de Julho de 2012 não tenha caído em saco roto, como tantas outras afirmadas durante a campanha eleitoral de 2011.

Ainda há quem não tenha percebido que a velha forma de fazer política tem os dias contados. Já não é mais possível encenar entendimentos, sacrificar o essencial por caprichos e vaidades pessoais e prometer uma coisa e fazer outra, pois os portugueses têm mais memória política. Que o diga António Costa, atracado à tralha socrática, que não cessa de desiludir as suas hostes e até todos aqueles que já não conseguem suportar a actual maioria por uma duplicidade de discurso que não cessa de surpreender.

Passos Coelho e Portas têm pela frente a última fronteira: qualquer político tem o dever de saber a hora exacta para sair de cena, mesmo que essa hora seja muito dolorosa.

Isso, sim, seria a confirmação que ambos estão convicta e verdadeiramente interessados em defender Portugal.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

À boleia da Grécia


A vitória da extrema esquerda grega é um facto político que implicará profundas mudanças. E Alexis Tsipras, líder do Syriza, passou a ser o nome da esperança para a maioria dos gregos.

Atolados na corrupção, fartos das mentiras da direita e da esquerda, desde os socialistas à Nova Democracia, os gregos conseguiram implodir o sistema político tradicional que os têm governado, ou seja, um recado cristalino para os partidos do arco da governação dos restantes membros União Europeia.

Nem a "bazuka" tardia os demoveu.

Os gregos estão determinados em assumir o futuro nas suas mãos, carregando com orgulho o peso de terem sido o berço da civilização ocidental e os fundadores da democracia.

E é da maior relevância que a implosão do "centrão" tenha acontecido na Grécia, precisamente o país mais endividado e em maiores dificuldades da União Europeia.

Enquanto Portugal continua distraído com a detenção de um ex-primeiro-ministro, aceitando com indulgência salazarenta as alarvidades dos "barões" e afins, todos os holofotes do poder e do grande capital europeus estão concentrados no previsível abanão que veio da Grécia.

Nos últimos anos, os gregos não desistiram de lutar pela dignidade e de colocar a renegociação da gigantesca dívida sempre em cima da mesa.

Nunca cederam. E, por isso, pagaram uma redobrada factura!

Mas a resposta está aí, chama-se Syriza, que acaba de derrotar e humilhar politicamente a esquerda e a direita tradicionais.

Contrariamente ao caso irlandês, português e espanhol, a Grécia escolheu um caminho de desafio permanente aos mercados. E nem os dois resgates de 240 mil milhões de euros (em 2010 e 2012) e o posterior perdão de parte da dívida implicaram qualquer tipo de capitulação.

Para o bem ou para o mal, o resultado eleitoral grego vai determinar o futuro de cerca de 500 milhões de pessoas que residem nos 28 Estados membros da União Europeia.

A identidade dos gregos é forte e suficientemente sólida para enfrentar os grandes senhores da Europa, mas será que alguém de bom senso acredita que qualquer um deles vai dar a Alexis Tsipras, de mão beijada, a possibilidade de ser um novo herói para os críticos da austeridade?

Regada com sangue, suor e lágrimas, a escolha dos gregos não pode ser desperdiçada por Portugal. Apesar de Pedro Passos Coelho ter optado pelo escrupuloso cumprimento do memorando da Troika, acatando as ordens de Bruxelas, agora chegou o momento de começar a olhar para Berlim com outros olhos de ver.

Não se trata de repetir as aventuras politicamente criminosas dos dois últimos Executivos socialistas que nos levaram ao abismo, nem tão-pouco abrir os cordões à bolsa para ganhar as próximas legislativas.

Com os portugueses fartos de incerteza, PSD/CDS-PP ainda têm uma janela de oportunidade para demostrarem que têm fôlego para aproveitar a onda grega.

É preciso criar uma nova perspectiva, uma nova fronteira. Sem repetir os erros do passado. Nem que seja à boleia da Grécia.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sócrates: linchamento, branqueamento e histeria




Fiz e assinei entrevistas a cidadãos presos porque sempre acreditei que os jornalistas têm de ter a porta aberta para ouvir, sem qualquer juízo prévio, condição essencial para poder informar.

Também fui sempre contra a imposição do silêncio aos presos preventivos, pois a liberdade de expressão é um valor superior.

José Sócrates tem advogados. E tem facilidade em chegar à comunicação social, por mais juridicamente irrelevantes que possam ser os seus comunicados.

Para já, ninguém pode diminuir o direito à presunção de inocência e até a possibilidade de, em caso de ser absolvido, recuperar a sua carreira política.

O excesso de prisão preventiva não se coloca apenas em relação a José Sócrates. É uma questão importante, merecedora da maior atenção da parte do legislador, mas deve ser resolvida independentemente da prisão deste ou daquele político.

A excepcional condição de Sócrates estar preso, ainda sem ter sido feito prova de culpa, se não lhe confere qualquer direito a uma estratégia de vitimização espúria, também não justifica seguramente que alguns dos seus inimigos se sintam à vontade para o achincalhar.

Se é desejável que os amigos estejam com ele nesta hora difícil, e é humanamente compreensível que a emoção ultrapasse a razão, é preciso afirmar que o insulto grosseiro e sem fundamentação de condenação do mensageiro não colhe e não pode condicionar a investigação.

É infame tentar confundir o Estado de Direito democrático, ainda que imperfeito, com uma qualquer perseguição política que faz lembrar os tribunais plenários do regime fascista.

É fundamental ter a serenidade suficiente para distinguir entre a legitimidade de actuação dos magistrados e a bastardia de pactuar com uma qualquer campanha orquestrada, venha ela de senadores, comentadores ou anónimos, com ou sem Évora no epicentro, ad hominem ou para tentar salvar eventuais interesses difusos.

O linchamento cruel e o branqueamento insidioso estão vocacionados ao insucesso.

Os casos Carlos Melancia e Leonor Beleza, entre outros, cujos desenvolvimentos ainda hoje ensombram a nossa memória colectiva, não se podem repetir.

Os magistrados e os polícias têm mais e melhores meios. Os jornalistas estão melhor preparados. E os portugueses estão cada vez mais atentos aos crimes de colarinho branco.

Quem se apressa a condenar ou a inocentar José Sócrates revela ignorância ou má-fé,  por isso, ao menos, poupem-nos a histeria ruidosa da verborreia de cada um dos lados da barricada.

É preciso reafirmar, as vezes que forem necessárias, que a investigação jornalística não é suficiente para absolver ou condenar. E a violação do segredo de justiça é um prato muito mais complexo do que aquele que alguns insistem em servir quando estão em causa os poderosos.

A comunicação social não pode sucumbir ao escrutínio à la carte e à tentativa patética de substituir os tribunais.

A avaliação dos indícios e a ponderação da prisão preventiva têm de ser feitas no local próprio: os tribunais. E a legalidade da prisão de José Sócrates, já apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de um dos pedidos de Habeas Corpus, é apenas uma etapa para prevenir qualquer eventual erro ou abuso.

A Justiça está condicionada pelo princípio do contraditório processual e sujeita à critica da opinião pública, mas não está à venda, como se fosse um jornal ou uma televisão, por mais pressões cobardes e silenciamentos repugnantes, com ou sem dinheiro dos contribuintes e a ajuda de um par de amanuenses dedicados. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei"



Alguém pode acreditar que José Sócrates tenha dado origem a um tão grave leque de indícios, que o levaram à prisão preventiva, contando apenas com um amigo de infância, um advogado e um motorista

Não!

Presumivelmente, só uma teia de silêncios e cumplicidades complexas e profundas o pode justificar.
A história ainda vai no adro. Aliás, não é por acaso, certamente, que os sinais de politização têm sido crescentes e a expectativa de outros desenvolvimentos é galopante.

A investigação está perante um repto muito maior do que lidar com um processo que envolve um ex-primeiro-ministro.

O grande desafio é investigar tudo e até ao fundo, sejam quais forem os negócios – públicos, privados ou de Estado – e os intervenientes directos e indirectos – do mais anónimo cidadão aos candidatos a donos disto tudo e aos mais velhos senadores e altos dignitários nacionais e estrangeiros.
E, por maior que seja a campanha e as cortinas de fumo, os dois magistrados têm de estar à altura da missão, do estatuto e dos poderes excepcionais que o regime democrático lhes conferiu.

Carlos Alexandre e Rosário Teixeira não têm que ser heróis, só têm de fazer o seu trabalho, com serenidade e competência, que ainda tem de enfrentar cada uma das defesas dos arguidos e ainda o escrutínio da comunicação social.

Até ao momento, o processo que levou o ex-primeiro-ministro socialista à prisão tem sido exemplar, porque não há a mínima evidência de que tenham sido atropelados quaisquer direitos, liberdades e garantias.

Nada pode travar a investigação que, aliás, contou com a validação expressa e pública de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, e de Amadeu Guerra, director do DCIAP.

Nem mesmo a ladainha precipitada da violação do segredo de justiça pode comprometer o essencial.

As imagens de um carro a passar em alta velocidade por uma câmara de televisão, após a detenção de José Sócrates, enfureceram os mesmos do costume que, sem qualquer fundamento, logo vociferaram contra a alegada cumplicidade entres magistrados e jornalistas, esquecendo que qualquer profissional, com uns anos de experiência, depois da prisão de Carlos Manuel Santos Silva na véspera, não teria necessidade de qualquer informação privilegiada para, de imediato, montar arrais no aeroporto e no Campus da Justiça.

De igual modo, a arrebatada acusação de detenção ilegal do ex-primeiro-ministro roça o despautério, sobretudo por ter partido imediatamente de dirigentes da Ordem dos Advogados.

Mas ainda faltava o coro da alegada mediatização. E, pasme-se, até se chegou à ausência de fundamentação do despacho de Carlos Alexandre e ao fantasma da "República dos Juízes".

É de bradar aos céus.

Até parece que ainda há quem não goste de tribunais com paredes de vidro. Nem de escutas e vigilâncias legais e validadas por um juiz. Nem tão-pouco de buscas realizadas com a presença do próprio suspeito, à luz do dia, em que todos sabem a que horas começa, quem está presente e quando termina.

A defesa intransigente dos direitos dos cidadãos não se faz assim, isto só pode ser outra coisa.

Já não é possível continuar a reduzir os procedimentos judiciais a um mero formalismo secreto, quiçá obrigado a visto prévio de outros pares ou ainda a métodos pidescos para acautelar titulares de altos cargos públicos.

O país seguiu as notícias, atentamente, mas, no dia a seguir à confirmação da prisão preventiva de José Sócrates, continuou a sua vida com toda a normalidade.

Não há qualquer abalo. E o regime não está nada em causa.

Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei".

Os portugueses estão mais do que preparados.