terça-feira, 30 de junho de 2015

Grécia: entre as meias-tintas e a liberdade


Há muito tempo que a opinião pública assiste a um debate estéril, alimentado por políticos e governantes sem vergonha, por banqueiros e financeiros que mais parecem vampiros e por uma certa opinião publicada instrumentalizada.

Se a direita escolheu o caminho da austeridade draconiana, com uma clareza diáfana, a esquerda continua com um discurso pardo e dogmático, omitindo que há um preço muito elevado a pagar para enfrentar os tecnocratas de Bruxelas e os grandes banqueiros.

O debate tem de partir de uma escolha cristalina: ou os povos europeus são mobilizados para travar a batalha do século, consciente e voluntariamente, ou então a globalização vai continuar a prosperar num clima de selvajaria financeira.

O impasse entre a Europa dos ricos e a Grécia é muito mais do que uma questão europeia e de dívidas soberanas: é mais uma batalha pela liberdade.

Sem falar verdade aos povos, a esquerda vai continuar a abrir caminho à direita mais financista e retrógrada, a mesma que rejubila com os esquerdistas que defendem o fim das offshores e depois beneficiam desses mesmos paraísos fiscais para encobrir os gamanços à má fila.

A vitória do Syriza, em 26 Janeiro 2015, não foi nem mais nem menos do que a expressão da adesão popular a quem não está com meias-tintas, com meias verdades, ou seja, a vitória de uma certa extrema-esquerda e a forte penalização em relação aos políticos, governantes e partidos do arco da governação que atiraram os seus países e respectivos povos para o abismo.

A convocação dos gregos para o referendo do próximo dia 5 de Julho é uma consequência legítima de quem optou (ou já não tem outra alternativa) por enfrentar o monstro de caras, em campo aberto.

E não há volta a dar: só com mais democracia e cidadania é possível romper o ciclo vicioso instalado na Europa dos 19, a dos países que aderiram ao Euro, enquanto os restantes nove membros da União Europeia continuam a assobiar para o lado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Passos Coelho: os pequenos grandes detalhes


A cerca de cinco meses das eleições legislativas, Pedro Passos Coelho não conseguiu cumprir tudo o que prometeu, mas pode exibir a libertação do jugo da troika e o país na rota do crescimento.

É bem verdade que o desemprego continua alto e que uma parte considerável do "milagre" português se deveu à descida do preço do petróleo e à estratégia do Banco Central Europeu. Ainda assim, e factos são factos, a diminuição da brutal carga dos juros a pagar pela dívida pública permite-lhe continuar a exibir um sorriso (por vezes demasiado aberto), quando fala nos feitos da maioria no poder.

Apesar de ter tido o presidente da República ao seu lado, Paulo Portas mais ou menos acantonado e António Costa enredado no labirinto do PS que ajudou a construir, Pedro Passos Coelho falhou nos pequenos grandes detalhes. Quando se esperava uma nova atitude em relação à corrupção, ao compadrio e ao abuso do poder, a verdade é que nunca conseguiu fazer a ruptura com o passado. E como era fácil fazer a tal diferença com Sócrates.

A opacidade em relação ao seu passado profissional, a tolerância em relação às trapalhadas de ministros e secretários de Estado, nomeadamente Paulo Macedo e Paulo Núncio, a indiferença arrogante face à responsabilização das secretas em roda livre, entre outros altos serviços do Estado, a condescendência em relação a Manuel Dias Loureiro e a Marco António e a recondução de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal são apenas alguns dos muitos exemplos de casos que correram muito mal.

Afinal, em momentos decisivos, o primeiro-ministro, que gosta de afirmar que não tem estados de alma, parece sucumbir  às cumplicidades, desde os amigos a quem verdadeiramente manda confortavelmente instalado nos bastidores.

A coragem ficou pelo corte dos direitos adquiridos dos mais fracos e pobres. E falemos claro: não é a troika, a austeridade implacável, a detenção de José Sócrates e a queda de Ricardo Salgado que nos está a mudar a alma.

O que nos faz pensar de uma forma diferente, actualmente, é a realidade do que vemos e vivemos, é a percepção do regabofe do passado e ainda assim ter de continuar a assistir ao silêncio cúmplice de todos aqueles que sabem (sabiam) e nada fazem (fizeram) para tornar a nosso regime mais limpo e justo.

O funcionamento da Justiça nalguns casos não impede que o ambiente político continue pestilento. Assim, mesmo depois de obrigado à renovação da coligação com o CDS/PP, Pedro Passos Coelho tem de prestar contas. E que contas...

Em Outubro de 2015, o primeiro-ministro que gosta de parecer um cidadão comum e que apostou tudo nas contas públicas pode não ser suficiente para ganhar. E se assim for,  Pedro Passos Coelho – bafejado por uma reviravolta na conjuntura europeia e internacional – só se pode queixar de si próprio, de não ter estado à altura das suas promessas eleitorais e da extraordinária exigência do mandato que os portugueses lhe conferiram em 2011, em suma, de desvalorizar olimpicamente os pequenos grandes detalhes que fazem toda a diferença em Democracia.





segunda-feira, 2 de março de 2015

Passos Coelho e Portas: a última fronteira


O primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos com uma afirmação que ficou célebre: «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal».

O alcance desta declaração permitiu várias análises, embora tenha ficado consagrado que o primeiro-ministro pretendeu passar uma mensagem e um compromisso claros: respeitar os interesses do país.

Quase três anos depois da tirada, que tirou o apetite a alguns deputados social-democratas, o que lá vai lá vai, pois Pedro Passos Coelho continua a dar sinais que está cada vez mais preocupado com as eleições.

No momento em que se especula em relação ao iminente anúncio da renovação da coligação PSD/CDS-PP para as legislativas de 2015, a vantagem eleitoral dos dois partidos se apresentarem coligados pode ser um imperativo óbvio, mas será que tal implica obrigatoriamente a manutenção do ticket Passos Coelho/Portas?

Não deve haver um único português que acredite na bondade da renovação da coligação, tendo em conta os picos de crispação verificados entre os dois líderes e a governação à vista que tem sido efectuada pela simples necessidade de ter de ser encontrado constantemente um acordo entre ambos que, como é público, discordam em quase tudo e não se suportam pessoalmente.

Seja qual for a simpatia partidária e o ângulo de análise, não há qualquer dúvida: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aparecem aos olhos dos portugueses como activos tóxicos, mesmo até para aqueles que lhes reconhecem obra feita e algum sentido de responsabilidade.

Independentemente de saber se os dois teriam estômago suficiente para se aguentarem um ao outro durante mais quatro anos, a verdade é que pensar primeiro em Portugal implicaria no mínimo colocar em cima da mesa a hipótese de um ou dos dois cederem os seus respectivos lugares a novas lideranças refrescadas eleitoralmente no seio de cada um dos partidos.

Depois de Passos Coelho anunciar que se vai bater por uma maioria absoluta, sem dizer uma palavra sobre Portas, e de não fechar a possibilidade a um Governo de Bloco Central, o país só pode ter esperança que a promessa proferida a 23 de Julho de 2012 não tenha caído em saco roto, como tantas outras afirmadas durante a campanha eleitoral de 2011.

Ainda há quem não tenha percebido que a velha forma de fazer política tem os dias contados. Já não é mais possível encenar entendimentos, sacrificar o essencial por caprichos e vaidades pessoais e prometer uma coisa e fazer outra, pois os portugueses têm mais memória política. Que o diga António Costa, atracado à tralha socrática, que não cessa de desiludir as suas hostes e até todos aqueles que já não conseguem suportar a actual maioria por uma duplicidade de discurso que não cessa de surpreender.

Passos Coelho e Portas têm pela frente a última fronteira: qualquer político tem o dever de saber a hora exacta para sair de cena, mesmo que essa hora seja muito dolorosa.

Isso, sim, seria a confirmação que ambos estão convicta e verdadeiramente interessados em defender Portugal.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

À boleia da Grécia


A vitória da extrema esquerda grega é um facto político que implicará profundas mudanças. E Alexis Tsipras, líder do Syriza, passou a ser o nome da esperança para a maioria dos gregos.

Atolados na corrupção, fartos das mentiras da direita e da esquerda, desde os socialistas à Nova Democracia, os gregos conseguiram implodir o sistema político tradicional que os têm governado, ou seja, um recado cristalino para os partidos do arco da governação dos restantes membros União Europeia.

Nem a "bazuka" tardia os demoveu.

Os gregos estão determinados em assumir o futuro nas suas mãos, carregando com orgulho o peso de terem sido o berço da civilização ocidental e os fundadores da democracia.

E é da maior relevância que a implosão do "centrão" tenha acontecido na Grécia, precisamente o país mais endividado e em maiores dificuldades da União Europeia.

Enquanto Portugal continua distraído com a detenção de um ex-primeiro-ministro, aceitando com indulgência salazarenta as alarvidades dos "barões" e afins, todos os holofotes do poder e do grande capital europeus estão concentrados no previsível abanão que veio da Grécia.

Nos últimos anos, os gregos não desistiram de lutar pela dignidade e de colocar a renegociação da gigantesca dívida sempre em cima da mesa.

Nunca cederam. E, por isso, pagaram uma redobrada factura!

Mas a resposta está aí, chama-se Syriza, que acaba de derrotar e humilhar politicamente a esquerda e a direita tradicionais.

Contrariamente ao caso irlandês, português e espanhol, a Grécia escolheu um caminho de desafio permanente aos mercados. E nem os dois resgates de 240 mil milhões de euros (em 2010 e 2012) e o posterior perdão de parte da dívida implicaram qualquer tipo de capitulação.

Para o bem ou para o mal, o resultado eleitoral grego vai determinar o futuro de cerca de 500 milhões de pessoas que residem nos 28 Estados membros da União Europeia.

A identidade dos gregos é forte e suficientemente sólida para enfrentar os grandes senhores da Europa, mas será que alguém de bom senso acredita que qualquer um deles vai dar a Alexis Tsipras, de mão beijada, a possibilidade de ser um novo herói para os críticos da austeridade?

Regada com sangue, suor e lágrimas, a escolha dos gregos não pode ser desperdiçada por Portugal. Apesar de Pedro Passos Coelho ter optado pelo escrupuloso cumprimento do memorando da Troika, acatando as ordens de Bruxelas, agora chegou o momento de começar a olhar para Berlim com outros olhos de ver.

Não se trata de repetir as aventuras politicamente criminosas dos dois últimos Executivos socialistas que nos levaram ao abismo, nem tão-pouco abrir os cordões à bolsa para ganhar as próximas legislativas.

Com os portugueses fartos de incerteza, PSD/CDS-PP ainda têm uma janela de oportunidade para demostrarem que têm fôlego para aproveitar a onda grega.

É preciso criar uma nova perspectiva, uma nova fronteira. Sem repetir os erros do passado. Nem que seja à boleia da Grécia.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Sócrates: linchamento, branqueamento e histeria




Fiz e assinei entrevistas a cidadãos presos porque sempre acreditei que os jornalistas têm de ter a porta aberta para ouvir, sem qualquer juízo prévio, condição essencial para poder informar.

Também fui sempre contra a imposição do silêncio aos presos preventivos, pois a liberdade de expressão é um valor superior.

José Sócrates tem advogados. E tem facilidade em chegar à comunicação social, por mais juridicamente irrelevantes que possam ser os seus comunicados.

Para já, ninguém pode diminuir o direito à presunção de inocência e até a possibilidade de, em caso de ser absolvido, recuperar a sua carreira política.

O excesso de prisão preventiva não se coloca apenas em relação a José Sócrates. É uma questão importante, merecedora da maior atenção da parte do legislador, mas deve ser resolvida independentemente da prisão deste ou daquele político.

A excepcional condição de Sócrates estar preso, ainda sem ter sido feito prova de culpa, se não lhe confere qualquer direito a uma estratégia de vitimização espúria, também não justifica seguramente que alguns dos seus inimigos se sintam à vontade para o achincalhar.

Se é desejável que os amigos estejam com ele nesta hora difícil, e é humanamente compreensível que a emoção ultrapasse a razão, é preciso afirmar que o insulto grosseiro e sem fundamentação de condenação do mensageiro não colhe e não pode condicionar a investigação.

É infame tentar confundir o Estado de Direito democrático, ainda que imperfeito, com uma qualquer perseguição política que faz lembrar os tribunais plenários do regime fascista.

É fundamental ter a serenidade suficiente para distinguir entre a legitimidade de actuação dos magistrados e a bastardia de pactuar com uma qualquer campanha orquestrada, venha ela de senadores, comentadores ou anónimos, com ou sem Évora no epicentro, ad hominem ou para tentar salvar eventuais interesses difusos.

O linchamento cruel e o branqueamento insidioso estão vocacionados ao insucesso.

Os casos Carlos Melancia e Leonor Beleza, entre outros, cujos desenvolvimentos ainda hoje ensombram a nossa memória colectiva, não se podem repetir.

Os magistrados e os polícias têm mais e melhores meios. Os jornalistas estão melhor preparados. E os portugueses estão cada vez mais atentos aos crimes de colarinho branco.

Quem se apressa a condenar ou a inocentar José Sócrates revela ignorância ou má-fé,  por isso, ao menos, poupem-nos a histeria ruidosa da verborreia de cada um dos lados da barricada.

É preciso reafirmar, as vezes que forem necessárias, que a investigação jornalística não é suficiente para absolver ou condenar. E a violação do segredo de justiça é um prato muito mais complexo do que aquele que alguns insistem em servir quando estão em causa os poderosos.

A comunicação social não pode sucumbir ao escrutínio à la carte e à tentativa patética de substituir os tribunais.

A avaliação dos indícios e a ponderação da prisão preventiva têm de ser feitas no local próprio: os tribunais. E a legalidade da prisão de José Sócrates, já apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de um dos pedidos de Habeas Corpus, é apenas uma etapa para prevenir qualquer eventual erro ou abuso.

A Justiça está condicionada pelo princípio do contraditório processual e sujeita à critica da opinião pública, mas não está à venda, como se fosse um jornal ou uma televisão, por mais pressões cobardes e silenciamentos repugnantes, com ou sem dinheiro dos contribuintes e a ajuda de um par de amanuenses dedicados. 

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei"



Alguém pode acreditar que José Sócrates tenha dado origem a um tão grave leque de indícios, que o levaram à prisão preventiva, contando apenas com um amigo de infância, um advogado e um motorista

Não!

Presumivelmente, só uma teia de silêncios e cumplicidades complexas e profundas o pode justificar.
A história ainda vai no adro. Aliás, não é por acaso, certamente, que os sinais de politização têm sido crescentes e a expectativa de outros desenvolvimentos é galopante.

A investigação está perante um repto muito maior do que lidar com um processo que envolve um ex-primeiro-ministro.

O grande desafio é investigar tudo e até ao fundo, sejam quais forem os negócios – públicos, privados ou de Estado – e os intervenientes directos e indirectos – do mais anónimo cidadão aos candidatos a donos disto tudo e aos mais velhos senadores e altos dignitários nacionais e estrangeiros.
E, por maior que seja a campanha e as cortinas de fumo, os dois magistrados têm de estar à altura da missão, do estatuto e dos poderes excepcionais que o regime democrático lhes conferiu.

Carlos Alexandre e Rosário Teixeira não têm que ser heróis, só têm de fazer o seu trabalho, com serenidade e competência, que ainda tem de enfrentar cada uma das defesas dos arguidos e ainda o escrutínio da comunicação social.

Até ao momento, o processo que levou o ex-primeiro-ministro socialista à prisão tem sido exemplar, porque não há a mínima evidência de que tenham sido atropelados quaisquer direitos, liberdades e garantias.

Nada pode travar a investigação que, aliás, contou com a validação expressa e pública de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, e de Amadeu Guerra, director do DCIAP.

Nem mesmo a ladainha precipitada da violação do segredo de justiça pode comprometer o essencial.

As imagens de um carro a passar em alta velocidade por uma câmara de televisão, após a detenção de José Sócrates, enfureceram os mesmos do costume que, sem qualquer fundamento, logo vociferaram contra a alegada cumplicidade entres magistrados e jornalistas, esquecendo que qualquer profissional, com uns anos de experiência, depois da prisão de Carlos Manuel Santos Silva na véspera, não teria necessidade de qualquer informação privilegiada para, de imediato, montar arrais no aeroporto e no Campus da Justiça.

De igual modo, a arrebatada acusação de detenção ilegal do ex-primeiro-ministro roça o despautério, sobretudo por ter partido imediatamente de dirigentes da Ordem dos Advogados.

Mas ainda faltava o coro da alegada mediatização. E, pasme-se, até se chegou à ausência de fundamentação do despacho de Carlos Alexandre e ao fantasma da "República dos Juízes".

É de bradar aos céus.

Até parece que ainda há quem não goste de tribunais com paredes de vidro. Nem de escutas e vigilâncias legais e validadas por um juiz. Nem tão-pouco de buscas realizadas com a presença do próprio suspeito, à luz do dia, em que todos sabem a que horas começa, quem está presente e quando termina.

A defesa intransigente dos direitos dos cidadãos não se faz assim, isto só pode ser outra coisa.

Já não é possível continuar a reduzir os procedimentos judiciais a um mero formalismo secreto, quiçá obrigado a visto prévio de outros pares ou ainda a métodos pidescos para acautelar titulares de altos cargos públicos.

O país seguiu as notícias, atentamente, mas, no dia a seguir à confirmação da prisão preventiva de José Sócrates, continuou a sua vida com toda a normalidade.

Não há qualquer abalo. E o regime não está nada em causa.

Depois da "Operação Marquês", venha a "Operação Rei".

Os portugueses estão mais do que preparados.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

José Sócrates sem chá e scones



A reacção de uma certa imprensa e de alguns comentadores à detenção de José Sócrates foi e continua a ser espantosa.

Mas vamos por partes.

Em abono da verdade é preciso não confundir a árvore com a floresta. Goste-se ou não do estilo e da forma, honra seja feita a alguns órgãos de comunicação social que nunca deixaram de fazer o seu trabalho de escrutínio em relação a José Sócrates, antes e depois de sair do poder, entre os quais é de destacar, em primeiro lugar, o Correio da Manhã.

Entre os comentadores e opinion makers a questão é ainda mais gritante. Entre a ignorância, o cinismo e o dislate há opiniões para todos os gostos, até há também o rigor e o distanciamento necessários no momento em que é imperioso distinguir o que está no processo e o que faz parte, e muito bem, da investigação jornalística, que se pretende livre, independente e rigorosa.

Talvez pela sua notoriedade, e até pela sua persistente denúncia da corrupção, o último artigo de opinião de António Marinho e Pinto é uma enorme desilusão.

Como é possível, nesta altura, ao jornalista, ao advogado, ao deputado europeu, ao líder partidário falar em vingança?  O que sabe para poder fazer uma afirmação de tal gravidade ainda antes do ex-primeiro-ministro ter terminado de prestar declarações? Será que tem alguma relação privilegiada com algum dos intervenientes processuais?

Mas ainda mais espantoso é a súbita fúria contra Carlos Alexandre, magistrado que lidera o Tribunal Central de Investigação Criminal, conhecido por “Ticão”, e Rosário Teixeira, procurador do DCIAP. Quase não dá para a acreditar, sobretudo quando ela parte das prosas daqueles que nunca lhes pouparam severas críticas pelas dúvidas, morosidade e fracos resultados, leia-se prisões, em relação a outros processos e personalidades de vulto.

Toda a opinião é bem-vinda ao debate público, mas só falta alguma pena mais caprichosa vir a terreiro insurgir-se pelo ex-primeiro-ministro não ter sido detido com chá e scones na passada noite invernosa de sexta-feira, 21 de Novembro, à saída do avião que o trouxe de Paris.

A detenção de José Sócrates virou o país ao contrário. E ainda bem. É preciso fazer sair os coelhos da toca, nomeadamente aqueles que criticam a impunidade reinante no país e na classe política e a seguir confundem os portugueses com opíparos pratos de insultos aos magistrados por aplicarem a Justiça, ainda mesmo na sua fase inicial.

Aqueles que gritam aos sete ventos que somos governados por corruptos e depois criticam a investigação criminal quando toca no poder até podem fazer enormes audiências e vender muitos jornais, mas acabam por se descredibilizar a si próprios e por introduzir um perigoso ruído na sociedade.

A esquizofrenia que por aí vai não terá a mínima de influência sobre Carlos Alexandre e Rosário Teixeira, felizmente habituados a estas andanças, pelo que se desenganem se julgam que conseguem intimidar quem já deu bastas provas de competência, isenção e firmeza.

O país deu mais um passo em frente com a "Operação Marquês", porque a Justiça está a ser feita, sem um único sinal evidente de abuso, ilegalidade, falta de proporcionalidade ou desrespeito pelos direitos de defesa dos arguidos.


A Procuradoria-Geral da República não pode vacilar. Joana Marques Vidal não pode falhar. É preciso que continue a apostar na libertação da informação possível e em tempo útil para que o país esteja preparado para receber a decisão do juiz Carlos Alexandre, sejam os arguidos presos preventivamente, fiquem em prisão domiciliária, saiam sob caução ou sejam colocados em liberdade.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

CORRUPÇÃO E SECRETAS: O LABIRINTO DO PRAGMATISMO


Após a entrada da Guiné Equatorial na CPLP e do estoiro do BES que feriu de morte a Portugal Telecom, o país foi sobressaltado pelas declarações de Martins da Cruz e Henrique Granadeiro: nos negócios e na política não há estados de alma.

Vale a pena reflectir sobre se estamos perante casos isolados ou dois exemplos proeminentes de uma casta pululante, alimentada pela espuma da ordem económica e financeira cada vez mais selvagem e global, mantida à custa da opacidade e confidencialidade sem limites e justificada por um qualquer interesse empresarial ou estratégico.

A "Operação Labirinto" é um excelente ponto de partida para deslindar esta dúvida, pois envolve, por um lado, o Estado, a Justiça e a Segurança, e, por outro, a governação, as polícias, os serviços de informações, os negócios e o dinheiro.

Para já, os dados públicos podem ser resumidos ao seguinte: altos funcionários do Estado português são suspeitos de vender soberania, com base numa teia complexa de influências e cumplicidades, a troco de comissões, com a ajuda das secretas, e sabe Deus que outros mais altos fretes prestados a terceiros.

Face a estes indícios, nada atrapalha os homens e as mulheres do sistema que, de imediato, avançaram com a ladainha de sempre: não está em causa o programa dos "Vistos Gold", mas sim a sua aplicação.

Eles nunca vacilam, nem mesmo quando batemos no fundo, indiferentes à percepção generalizada que o Estado está minado por uma corrupção subterrânea que é amparada pelos mais sensíveis serviços do Estado que estão em roda livre há demasiado tempo.

Nada os coíbe de tentar manter as aparências, através da estafada declaração que o Estado de Direito está a funcionar, quiçá recorrendo a todos os meios para subtilmente perseguir, silenciar, manipular e influenciar quem ousa denunciar métodos e crimes típicos dos totalitarismos mais desbragados.

Não basta tentar escamotear o monumental falhanço do programa, através da exibição do montante do encaixe alegadamente realizado, seja qual for o argumento de natureza económica e financeira ou de Estado.

É certo que os exemplos em que corrupção e as secretas andam lado a lado, com mais ou menos acção ou omissão, não são exclusivos de Portugal.

Basta recordar a ascensão de responsáveis dos serviços de informações aos mais altos lugares da governação por esse mundo fora para ter a ideia de uma certa forma de fazer política.

Não há sound bite que o possa disfarçar: o pragmatismo puro e duro é, de facto, incompatível com os estados de alma.

O poder tem sido assaltado por este utilitarismo desenfreado, seja por convicção, sobrevivência ou eleitoralismo, contando com fiéis suficientemente servis para cumprir ordens e nunca hesitar em aplicá-las, nem mesmo quando está em causa a credibilidade das instituições e o futuro do regime democrático.

Eles aí estão, da direita à esquerda, em todo o esplendor, à vista dos cidadãos ou face a um qualquer parlamento, confortados pelo voto popular ou por qualquer outra legitimação, sustentados por uma legislação que facilita os desvios e, nalguns casos, até permite acobertar os criminosos, apadrinhados pelos poderes não eleitos, exultantes com os fluxos de dólares e euros de origem duvidosa e sempre disponíveis para menosprezar os indícios de corrupção, opacidade, secretismo e abuso de poder.

Entretanto, multiplicam-se os discursos pomposos, sem que haja qualquer vontade política real para mudar o que quer que seja, até ao próximo escândalo, qual Babilónia perdida no emaranhado de caminhos que não levam a lado nenhum.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

"Podemos" mas só com olhos bem abertos


Grassa a indignação com o clientelismo que gira à volta do Estado e dos partidos políticos, mas é preciso reafirmar que ele não é um atributo exclusivo da esfera governativa, política, administrativa, judicial e pública, muito pelo contrário, é uma realidade que perpassa por todos os outros sectores privados.

A mordaça que nos tem transformado em NIB's obrigados e venerandos tem aberto um enorme pasto para todos aqueles que, tão cândida como hipocritamente, continuam a tentar branquear o lamaçal que se instalou entre o Estado, os corredores do poder político e os principais agentes económicos e financeiros.

O paradigma instalado é infernal: quem critica a direita é de esquerda e vice-versa; quem zurze na cor do poder é da oposição; quem critica os partidos políticos é populista; quem está farto de ser esbulhado por um Estado com laivos mafiosos, então é um liberal malvado e insensível; quem está farto de ser explorado por empresários, com mais ou menos escrúpulos, só poder ser um perigoso revolucionário; em síntese, quem tenta romper este manto de clientelismo arrisca ser escorraçado e vilipendiado.

Os investigadores das ciências sociais já reflectiram sobre o verdadeiro fermento da pequena e da grande corrupção. E os diversos organismos nacionais e internacionais também já multiplicaram estudos, barómetros e rankings sobre as consequências devastadores para a economia dos cidadãos, das empresas e dos Estados.

Nada tem sido suficiente para despertar as consciências e mobilizar os cidadãos contra esta praga, da qual a sociedade não se consegue livrar.

Os portugueses merecem os políticos que têm, o Estado que lhes cobra o dinheiro dos impostos e ainda os abandona e maltrata e também a espécie de liberdade formal que lhes permite viver a vidinha e aconchegar a resignação.

As fortunas censuráveis, por enquanto, continuam a ser apenas aquelas que estão ligadas aos tráficos de droga e seres humanos. As outras, aquelas que a economia global também acalenta, certamente mais adequadas ao colarinho branco do trois pièces, que geram também fabulosas comissões, sempre acobertadas por uma qualquer offshore, ainda são toleradas pela sociedade, numa espécie de masoquismo indulgente em relação a verdadeiros meliantes, quiçá por também criarem postos de trabalho.

Basta dar uma olhadela para algumas indústrias e sectores, da banca ao mercado de capitais, do armamento à farmacêutica, da aeronáutica ao imobiliário, do petróleo aos diamantes para perceber que estamos rodeados de gangsters com semblante polido e verniz modernaço, sempre protegidos e com direito de antena, dos grandes fóruns aos Media, sempre em nome de um qualquer interesse nacional.

Já bem cientes que a grande diferença entre a direita e a esquerda se resume à retórica, os portugueses tardam em interiorizar as consequências das únicas ideologias que ainda resistem: o esverdeado do dólar e o azulado do euro.

Como em Espanha, nós também "Podemos", mas só com olhos bem abertos, sem nunca esquecer Blair e Obama, porque sabemos bem como acabaram as suas promessas de mudança.

Mesmo em Portugal, em que o Estado está há muito tempo capturado por interesses dominantes, a mudança é possível, é sempre possível, nem que seja através da escolha de uma nova ilusão que, afinal, poderá ser apenas e tão-somente, mais uma vez, aquilo que nos parece o mal menor.

E se assim for, então será um novo passo em frente.


domingo, 12 de outubro de 2014

Portugal Telecom: o polvo e a lula


Henrique Granadeiro e Zeinal Bava são os rostos visíveis do desastre na Portugal Telecom. Porém, muitos outros, que continuam a ser poupados por uma fortíssima cortina mediática, têm tantas ou mais responsabilidades na devastação de uma das melhores empresas portuguesas.

Com mais ou menos indícios de pressões, jogadas, golpadas, comissões e mensalões, os socialistas não podem tentar fugir à enorme responsabilidade no que se passou e, por consequência, está a passar na PT, pois a decisão política andou lado a lado com a decisão empresarial, tudo embrulhado numa internacionalização com contornos ainda por explicar.

Uma rápida consulta aos momentos decisivos da vida da PT não deixam quaisquer dúvidas sobre as pesadas responsabilidades dos socialistas que ocuparam o poder nos últimos 19 anos, nomeadamente nos governos de António Guterres e José Sócrates:

1995: Primeira fase da privatização;
1996: Segunda fase da privatização;
1998: PT adquire a Telesp Celular, em conjunto com a espanhola Telefónica, o primeiro passo para a constituição, cinco anos depois, da Vivo;
2006: Sonaecom lança uma oferta pública de aquisição hostil sobre a PT; 2007: Cai a OPA lançada por Belmiro de Azevedo e Paulo Azevedo;
2010: Telefónica oferece 5,7 mil milhões de euros pelos 50% que a PT detém na Vivo; accionistas (74%) aceitam a oferta, mas o Estado usa a golden share para vetar o negócio; a PT anuncia a venda da Vivo à Telefónica e a entrada no capital da brasileira Oi.

Não deixa de ser caricato mas significativo de uma certa forma de fazer política que alguns dos velhos rostos do PS tenham o topete político, agora, de apontar o dedo acusatório em direcção ao actual governo, tentando transferir culpas próprias que, possivelmente, um dia poderão ser apuradas, como, aliás, já pediu Belmiro de Azevedo.

Mais do que o exemplo em si, pois é preciso não esquecer o que se passou no BCP, entre outros escândalos financeiros, a estratégia de dissimulação descarada dos socialistas parece não ter limites, apostando na falta de memória dos portugueses e numa imprensa cada vez mais débil e instável nos momentos mais importantes do país.

Face a este cenário, que só não vê quem não quer ou não pode, é importante sublinhar que o governo de Passos Coelho e Portas apenas esteve presente num momento decisivo da vida da PT, em 2011, quando o Estado português, por imposição de Bruxelas, deixou de ter acções com direitos preferenciais.

Valeu tudo na PT. Aliás, só quem sofre de uma amnésia selectiva é que pode esquecer que uma parte da família socialista que esteve no poder, sempre benzida pelo Espírito Santo e continuamente on going, apareceu envolvida no caso bafiento da tentativa de assalto, em 2009, à TVI.

O guião deste capítulo das relações entre a política e os negócios não pode acabar assim, com a singela queda de um par de anjos; não, os portugueses merecem mais, valem a tentativa de apanhar, em primeiro plano, cada um dos oito braços do polvo escorregadio e da lula ziguezagueante.

Os portugueses até podem esquecer, mas os pequenos accionistas e os trabalhadores da empresa de telecomunicações certamente não se esquecerão de quem os enganou, colocou os seus postos de trabalho em risco e até contribuiu para o roubo das poupanças de uma vida de trabalho.

Quanto à imprensa, pode ser que ainda consiga levantar a cabeça, abrir os olhos, investigar e dizer a verdade sobre as cenas do filme da PT, de forma a ainda tentar salvar o mínimo de credibilidade. 

domingo, 5 de outubro de 2014

Hong Kong: repetir Tiananmen 25 anos depois?


Ao longo da noite de 3 para 4 de Junho de 1989, os tanques do Exército Popular da Libertação entraram nas ruas de Pequim para esmagar brutalmente a liberdade, retirar à lei da bala os milhares de manifestantes que ocupavam a praça Tiananmen e impor o Estado de excepção.

Hoje, à luz do que está a acontecer em Hong Kong, e face ao ultimato de Leung Chun-ying, líder do Governo, que fixou a data de 6 de Outubro para acabar com os actuais protestos, a pergunta é inevitável: mais de 25 anos depois é possível repetir o massacre de Tiananmen?

A hipótese de uma resposta positiva ser plausível e credível, agora ou no futuro próximo, é revelador da actual ordem mundial.

As imagens que correram o mundo na madrugada do dia 4 de Junho de 1989, com soldados chineses a abrir caminho em direção à "Praça da Paz Celestial" com tanques e disparos, provocando a morte de centenas de pessoas, marcaram a memória de várias gerações, mas podem não ter sido suficientes para evitar a sua repetição, pois logo o pragmatismo imposto pelos Estados e pela alta finança se vergaram aos interesses da China.

Hoje, à luz do que se está a passar em vários bairros de Hong Kong, designadamente em "Admiralty", o centro financeiro do território e onde está a sede do governo, onde se grita «Paz. Não à violência», os milhares de manifestantes estão à mercê de mais uma iminente repressão brutal, com consequências imprevisíveis, porque cada um deles sabe que a resposta internacional não passará de uma mera condenação retórica e inconsequente.

Tal como em Tiananmen, com o Movimento Pró-Democracia de 1989, hoje, os manifestantes de Hong Kong voltam a clamar por mais transparência e por mais combate contra a corrupção.

No dia em que Portugal comemora o 5 de Outubro, a realidade do que se passa do outro lado do mundo – com Macau a continuar a dar provas de inexistência cívica –, ganha uma expressão ainda maior, tendo em conta o silêncio indigno da nossa diplomacia, quiçá justificado pela crescente presença dos interesses financeiros chineses em Portugal.

Quem permite o branqueamento do passado, verga em relação ao dinheiro manchado pelo sangue e não tem respeito pela História, então tem razão para temer o futuro, seja qual for a sua condição e os seus representantes políticos.

Em 1997, a transição do poder em Hong Kong – mesmo ali ao lado de Macau, sempre submisso e sereno em troca de mais umas patacas – ficou marcada pela manifestação de milhares de habitantes de Hong Kong que abraçaram, literalmente, a sua Assembleia Legislativa, perante a ameaça da ocupação das tropas chinesas.

Quem assistiu in loco a esse momento histórico de cidadania e consciência colectiva ímpares não pode ficar indiferente aos acontecimentos que estão a suceder mesmo em frente dos olhos de todos os cidadãos do  mundo, que podem seguir em tempo real a todos os desenvolvimentos.

Decorrido um quarto de século, os vectores civilizacionais não foram suficientemente consolidados para afastar a possibilidade de uma nova vaga de assassinatos de civis indefesos.

Porém, o Estado, seja ele qual for, ainda não pode clamar vitória sobre o esmagamento das liberdades individuais. Nem em Hong Kong, nem em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo.


A magnífica iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que colocou o país e as elites a discutir a Liberdade, é a melhor prova de que muito ainda há para fazer também por cá, pois a nossa Democracia não pode continuar refém dos seus fundadores nem depende de um salvador mais ou menos aclamado.

sábado, 20 de setembro de 2014

PS: a escolha decisiva


Uma certa classe política vive momentos de incerteza e até desespero. De facto, aqueles que têm perpetuado o actual sistema caduco e corrupto bem podem temer o que está para vir, mais tarde ou mais cedo.

É que Portugal está a começar a dar sinais de mudança. Porventura, não está a mudar ao ritmo indispensável, mas está a começar a mudar a diversos níveis, nomeadamente na esfera partidária.

A crise interna no PS vai dar lugar a uma escolha decisiva que vai permitir verificar se os militantes e simpatizantes socialistas estão preparados para abraçar a mudança, ou ainda melhor, as primárias para a escolha do líder do PS vão permitir responder a uma questão da maior relevância: a esquerda está preparada para optar por uma nova forma de fazer política e de exercer o poder?

A corrida eleitoral desencadeada pelo «imperativo de consciência» de António Costa, que não cabe a ninguém julgar porque se presume virtuoso, teve, tem e terá consequências políticas, partidárias e institucionais que devem ser ponderadas e avaliadas.

Por um lado, é óbvio que a decisão de Costa constituiu um enorme frete político à actual maioria, quiçá para pagar o "brinde" do Governo, após o acordo em relação aos terrenos do aeroporto e da Parque Expo, que lhe permitiu reduzir em mais de 40% a dívida bancária da Câmara Municipal de Lisboa;

Por outro lado, a abertura inédita das hostilidades em relação a um secretário-geral em funções, antes de se sujeitar a eleições legislativas, dividiu os socialistas, mas a verdade é que também permitiu que o melhor de uma parte do PS pudesse emergir, respeitando a tradição de um dos partidos fundadores da Democracia.

E o melhor do PS só pode ser regressar à linha da frente do combate contra a corrupção, o nepotismo, o tráfico de influências, a desigualdade, o arbítrio, a opacidade, o clientelismo, ou seja, estar na primeira fila da luta pela mudança.

A disputa no PS é um dos primeiros momentos em que esta batalha vai ser claramente colocada a votos, em que de um lado está a coragem de quem reconheceu que o actual sistema político está falido e quer aperfeiçoar a Democracia, enquanto do outro está a arrogância dos velhos rostos do passado e a defesa da manutenção do status quo pelas razões mais oportunistas e venais.

Neste combate político entre António José Seguro e António Costa qualquer análise descomprometida só pode concluir que o actual líder do PS tem protagonizado a defesa intransigente da mudança nos últimos três anos, não só com palavras, mas com acções e atitudes políticas consistentes.

Embora ambos sejam caracterizados como homens do "aparelho", a verdade é que é preciso distinguir entre os pequenos caciques e os grandes interesses que capturaram os partidos. E, neste caso, também ninguém tem dúvidas relativamente a quem tem afrontado os grandes interesses que têm o PS aferrolhado há demasiado tempo.

Seguro tem dado provas que percebeu a nova realidade social e política que despontou depois da troika varrer Portugal. E também enxergou que um certo estilo de fazer política e de exercer o poder, que colam na perfeição a José Sócrates e António Costa, tem os dias contados, tanto mais que já levou o país ao colapso, em 2011.

Com o surgimento de novos partidos, cujo discurso agrada ao centro, sobretudo aos descontentes da esquerda, ou o PS muda já ou corre o risco de ficar reduzido à mínima expressão.

Que não haja dúvidas: ou o PS aproveita as eleições de 28 de Setembro para mudar de vida, ou ainda vai acabar refém de um pequeno partido para poder regressar rapidamente ao poder.