quinta-feira, 9 de julho de 2015

Justiça versus Sócrates: a última esperança


António Costa, e muito bem, tem recusado participar na farsa – de quem continua a julgar que uns telefonemas, uma meia dúzia de comunicados e um punhado de jornalistas fazem milagres –, mantendo a declaração exemplar realizada no momento em que decidiu visitar José Sócrates.

Ao afirmar, em 31 de Dezembro passado, a necessidade de meios para a investigação poder executar o seu trabalho e a garantia dos direitos de defesa, o líder do PS percebeu, finalmente, que é preciso respeitar o trabalho dos magistrados e dos investigadores criminais.

É por isso que é preciso "guardar o guarda"?

Sim, claro que sim.

Nos dias de hoje, não há nenhum democrata, digno desse nome, que não pondere sobre a última fronteira da salvaguarda das liberdades individuais, tendo em conta o rol de erros judiciários e os constantes abusos do aparelho do Estado.

O escrutínio da Justiça é sempre necessário e legítimo, contudo é preciso afirmar, por maior que seja a campanha liderada por ingénuos ou lacaios colocados antecipada e estrategicamente em lugares-chave, que não há confusão entre o direito de defesa, consagrado na Lei, e o espalhafato processual e mediático que uma qualquer defesa usa, na maior parte das vezes em desespero de causa, para fazer valer a sua tese.

A liberdade também é isso mesmo: por um lado, acreditar que é possível existir quem é capaz de estar a cima das partes; por outro, nunca perder de vista a falibilidade de quem exerce essas funções.

O coro de órfãos e afins que, subitamente, desataram num coro de aleivosias, umas mais patéticas do que outras, não valem por si só, pois têm de demonstrar que as suas verdades têm razões e fundamentos sólidos.

É preciso afirmar que estes "campeões" chegaram tarde ao debate da salvaguarda dos direitos dos cidadãos, e só o fazem, agora, por questões pessoais, pois nunca tinham manifestado idêntico clamor quando estiveram em causa os mais pobres e desprotegidos com quem nunca se importaram.

A defesa das liberdades individuais não pode ser uma bandeira apenas quando os amigos estão em causa. Nem tão-pouco deve ser inquinada pela querela partidária ou por qualquer outro motivo inconfessável.

Quanto mais fala o preso número 44 do Estabelecimento Prisional de Évora, mais a investigação deve esfregar as mãos, tal é o rol de contradições e incongruências, já que fica clara, para já, a existência de uma campanha de comunicação/vitimização, aliás muito medíocre.

É preciso dar tempo ao tempo, distinguir entre o que faz parte do processo judicial e o resultado da investigação jornalística.

O ex-primeiro-ministro, felizmente, pode afirmar a sua verdade através da comunicação social, independentemente do seu patético passado em relação aos jornalistas que nunca se deixaram intimidar e amordaçar.

De igual modo, a Justiça continua firme e a fazer o seu trabalho. E surge aos olhos de todos os cidadãos como a última esperança para acabar com este status quo que tem sido dominado por cândidos, criados, meliantes, ladrões, oportunistas e demais amanuenses que ainda não conseguiram perceber que a Democracia nunca tem donos, sejam eles fundadores ou não, de esquerda ou de direita.

Até hoje, e salvo melhor opinião, não há um único facto relevante que leve um cidadão a desconfiar de qualquer abuso relativamente à prisão preventiva do ex-primeiro-ministro.

Ao rejeitar o recurso da defesa de José Sócrates que invoca a nulidade do despacho do juiz Carlos Alexandre que manteve o ex-primeiro-ministro em prisão preventiva, a mais recente decisão do Tribunal da Relação de Lisboa constitui uma garantia que continuamos a estar perante um processo limpo e justo.


terça-feira, 30 de junho de 2015

Grécia: entre as meias-tintas e a liberdade


Há muito tempo que a opinião pública assiste a um debate estéril, alimentado por políticos e governantes sem vergonha, por banqueiros e financeiros que mais parecem vampiros e por uma certa opinião publicada instrumentalizada.

Se a direita escolheu o caminho da austeridade draconiana, com uma clareza diáfana, a esquerda continua com um discurso pardo e dogmático, omitindo que há um preço muito elevado a pagar para enfrentar os tecnocratas de Bruxelas e os grandes banqueiros.

O debate tem de partir de uma escolha cristalina: ou os povos europeus são mobilizados para travar a batalha do século, consciente e voluntariamente, ou então a globalização vai continuar a prosperar num clima de selvajaria financeira.

O impasse entre a Europa dos ricos e a Grécia é muito mais do que uma questão europeia e de dívidas soberanas: é mais uma batalha pela liberdade.

Sem falar verdade aos povos, a esquerda vai continuar a abrir caminho à direita mais financista e retrógrada, a mesma que rejubila com os esquerdistas que defendem o fim das offshores e depois beneficiam desses mesmos paraísos fiscais para encobrir os gamanços à má fila.

A vitória do Syriza, em 26 Janeiro 2015, não foi nem mais nem menos do que a expressão da adesão popular a quem não está com meias-tintas, com meias verdades, ou seja, a vitória de uma certa extrema-esquerda e a forte penalização em relação aos políticos, governantes e partidos do arco da governação que atiraram os seus países e respectivos povos para o abismo.

A convocação dos gregos para o referendo do próximo dia 5 de Julho é uma consequência legítima de quem optou (ou já não tem outra alternativa) por enfrentar o monstro de caras, em campo aberto.

E não há volta a dar: só com mais democracia e cidadania é possível romper o ciclo vicioso instalado na Europa dos 19, a dos países que aderiram ao Euro, enquanto os restantes nove membros da União Europeia continuam a assobiar para o lado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Passos Coelho: os pequenos grandes detalhes


A cerca de cinco meses das eleições legislativas, Pedro Passos Coelho não conseguiu cumprir tudo o que prometeu, mas pode exibir a libertação do jugo da troika e o país na rota do crescimento.

É bem verdade que o desemprego continua alto e que uma parte considerável do "milagre" português se deveu à descida do preço do petróleo e à estratégia do Banco Central Europeu. Ainda assim, e factos são factos, a diminuição da brutal carga dos juros a pagar pela dívida pública permite-lhe continuar a exibir um sorriso (por vezes demasiado aberto), quando fala nos feitos da maioria no poder.

Apesar de ter tido o presidente da República ao seu lado, Paulo Portas mais ou menos acantonado e António Costa enredado no labirinto do PS que ajudou a construir, Pedro Passos Coelho falhou nos pequenos grandes detalhes. Quando se esperava uma nova atitude em relação à corrupção, ao compadrio e ao abuso do poder, a verdade é que nunca conseguiu fazer a ruptura com o passado. E como era fácil fazer a tal diferença com Sócrates.

A opacidade em relação ao seu passado profissional, a tolerância em relação às trapalhadas de ministros e secretários de Estado, nomeadamente Paulo Macedo e Paulo Núncio, a indiferença arrogante face à responsabilização das secretas em roda livre, entre outros altos serviços do Estado, a condescendência em relação a Manuel Dias Loureiro e a Marco António e a recondução de Carlos Costa à frente do Banco de Portugal são apenas alguns dos muitos exemplos de casos que correram muito mal.

Afinal, em momentos decisivos, o primeiro-ministro, que gosta de afirmar que não tem estados de alma, parece sucumbir  às cumplicidades, desde os amigos a quem verdadeiramente manda confortavelmente instalado nos bastidores.

A coragem ficou pelo corte dos direitos adquiridos dos mais fracos e pobres. E falemos claro: não é a troika, a austeridade implacável, a detenção de José Sócrates e a queda de Ricardo Salgado que nos está a mudar a alma.

O que nos faz pensar de uma forma diferente, actualmente, é a realidade do que vemos e vivemos, é a percepção do regabofe do passado e ainda assim ter de continuar a assistir ao silêncio cúmplice de todos aqueles que sabem (sabiam) e nada fazem (fizeram) para tornar a nosso regime mais limpo e justo.

O funcionamento da Justiça nalguns casos não impede que o ambiente político continue pestilento. Assim, mesmo depois de obrigado à renovação da coligação com o CDS/PP, Pedro Passos Coelho tem de prestar contas. E que contas...

Em Outubro de 2015, o primeiro-ministro que gosta de parecer um cidadão comum e que apostou tudo nas contas públicas pode não ser suficiente para ganhar. E se assim for,  Pedro Passos Coelho – bafejado por uma reviravolta na conjuntura europeia e internacional – só se pode queixar de si próprio, de não ter estado à altura das suas promessas eleitorais e da extraordinária exigência do mandato que os portugueses lhe conferiram em 2011, em suma, de desvalorizar olimpicamente os pequenos grandes detalhes que fazem toda a diferença em Democracia.





segunda-feira, 2 de março de 2015

Passos Coelho e Portas: a última fronteira


O primeiro-ministro surpreendeu tudo e todos com uma afirmação que ficou célebre: «Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal».

O alcance desta declaração permitiu várias análises, embora tenha ficado consagrado que o primeiro-ministro pretendeu passar uma mensagem e um compromisso claros: respeitar os interesses do país.

Quase três anos depois da tirada, que tirou o apetite a alguns deputados social-democratas, o que lá vai lá vai, pois Pedro Passos Coelho continua a dar sinais que está cada vez mais preocupado com as eleições.

No momento em que se especula em relação ao iminente anúncio da renovação da coligação PSD/CDS-PP para as legislativas de 2015, a vantagem eleitoral dos dois partidos se apresentarem coligados pode ser um imperativo óbvio, mas será que tal implica obrigatoriamente a manutenção do ticket Passos Coelho/Portas?

Não deve haver um único português que acredite na bondade da renovação da coligação, tendo em conta os picos de crispação verificados entre os dois líderes e a governação à vista que tem sido efectuada pela simples necessidade de ter de ser encontrado constantemente um acordo entre ambos que, como é público, discordam em quase tudo e não se suportam pessoalmente.

Seja qual for a simpatia partidária e o ângulo de análise, não há qualquer dúvida: Pedro Passos Coelho e Paulo Portas aparecem aos olhos dos portugueses como activos tóxicos, mesmo até para aqueles que lhes reconhecem obra feita e algum sentido de responsabilidade.

Independentemente de saber se os dois teriam estômago suficiente para se aguentarem um ao outro durante mais quatro anos, a verdade é que pensar primeiro em Portugal implicaria no mínimo colocar em cima da mesa a hipótese de um ou dos dois cederem os seus respectivos lugares a novas lideranças refrescadas eleitoralmente no seio de cada um dos partidos.

Depois de Passos Coelho anunciar que se vai bater por uma maioria absoluta, sem dizer uma palavra sobre Portas, e de não fechar a possibilidade a um Governo de Bloco Central, o país só pode ter esperança que a promessa proferida a 23 de Julho de 2012 não tenha caído em saco roto, como tantas outras afirmadas durante a campanha eleitoral de 2011.

Ainda há quem não tenha percebido que a velha forma de fazer política tem os dias contados. Já não é mais possível encenar entendimentos, sacrificar o essencial por caprichos e vaidades pessoais e prometer uma coisa e fazer outra, pois os portugueses têm mais memória política. Que o diga António Costa, atracado à tralha socrática, que não cessa de desiludir as suas hostes e até todos aqueles que já não conseguem suportar a actual maioria por uma duplicidade de discurso que não cessa de surpreender.

Passos Coelho e Portas têm pela frente a última fronteira: qualquer político tem o dever de saber a hora exacta para sair de cena, mesmo que essa hora seja muito dolorosa.

Isso, sim, seria a confirmação que ambos estão convicta e verdadeiramente interessados em defender Portugal.