terça-feira, 8 de março de 2016

Governação das esquerdas: 100 dias e um plano B



Começa a ser hora de perguntar: estamos pior 100 dias depois da tomada de posse do XXI governo constitucional?

Sim!

O discurso político mudou – e, em muitos aspectos, ainda bem que sim –, e também é verdade que algumas alterações foram adoptadas em nome de uma maior capacidade de entendimento do sofrimento imposto aos portugueses.

Então, vale a pena, novamente, perguntar: estamos pior?

Sim!

Seja qual for o ponto de vista político ou sócio-económico, o clima de medo em relação ao que vem por aí voltou a imperar em Portugal, minando qualquer confiança no investimento e no crescimento económico.

Não é por acaso, seguramente, que António Costa já começou a tentar, desesperadamente, passar uma mensagem de normalidade, sem conseguir esconder um semblante cada vez mais aflito e carregado.

Não adianta avançar com artifícios que têm a perna curta e um prazo de validade muito limitado.

A oratória parlamentar inflamada e o abrir os cordões à bolsa estão a colocar o país na rota do abismo. Todos o sabem. Quem governa e quem está na oposição. Ricos e pobres. E das duas, uma: ou se alimenta o delírio ou se desce à realidade.

Na política há sempre uma alternativa: ciente da crise económica internacional, do aumento da dívida pública e do atingir do limite do aumento de impostos, mais ou menos camuflado, António Costa poderá ser tentado a precipitar uma crise política, de forma a provocar eleições antecipadas.

Esta crise política anunciada deverá ser preparada com recurso aos melhores truques marketeiros, tudo para que a culpa morra solteira ou possa ser jogada na cara dos adversários políticos, em sentido lato, ou seja, à direita e à esquerda do PS.

É um facto que a governação de António Costa, a manter o actual rumo, não pode correr o risco de ser avaliada, orçamento a orçamento, pois seria um suicídio político para ele próprio e para o PS.

Entre cálculos e jogadas, o país está a passar ao lado de uma estratégia coerente, capaz de consolidar a recuperação e evitar novo resgate.

Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente eleito, aparentemente, percebeu o risco. E, por isso, tem insistido em enviar recados a António Costa, alertando-o que ainda acaba a fritar (q. b.) na cadeira de primeiro-ministro.

Os grandes temas que preocupam os portugueses, desde a economia às finanças, da saúde à segurança social, da justiça à segurança, estão a passar à margem das reformas que estão por aprofundar.

Os portugueses sabem-no, porque têm aprendido que é melhor fazê-las com tempo, gradualismo e inteligência, do que ter de as suportar à pressa, com brutalidade e pouca sensibilidade. E também já não compram a tese da cabala internacional, seja ela atribuída a Bruxelas, aos mercados ou às agências de rating.

É tempo de arrepiar caminho, com toda a naturalidade, de acabar com o silêncio pesado, de por fim ao assalto à Administração, de interromper o revanchismo das reversões e de refrear a arrogância política do quem quero posso e mando.

O país não aguenta a incerteza instalada, acrescida da ameaça real de ter que implementar, a curto prazo, um plano B imposto por Bruxelas, que, aliás, ninguém conhece, porque o governo o esconde e guarda a sete chaves.

No momento em que o país se livra de Aníbal Cavaco Silva, felizmente, só nos faltava que o fundamentalismo racional de Pedro Passos Coelho seja substituído pelo fundamentalismo delirante de António Costa.

Da direita à esquerda paira no ar uma espécie de aviso sério a António Costa: cá se fazem, cá se pagam.


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

António Costa: entre o folclore e o abafamento


Quando um génio desaparece apercebemo-nos ainda mais facilmente como a trivialidade impera nos tempos em que vivemos.

Não, não é só o elogio sincero a David Bowie. Nem tão pouco o evocar da memória daquele memorável dia de Junho de 1983 no seizième de Paris, no hipódromo de Auteuil, em pleno Bosque de Boulogne. É sobretudo a constatação que o filme continua a passar mesmo à nossa frente: dissimulado, manso e perigoso.

O guião agrada aos notáveis da República e aos seus criados de luxo, sempre disponíveis para atacar a forma em vez da substância para fugir às responsabilidades, sempre diligentes em apontar o dedo ao acessório para melhor justificar a ausência do escrutínio do fundamental.

Ao mesmo tempo, cresce a tristeza estampada na cara dos portugueses, cada vez mais alheados das instituições e do poder político, como comprova a indiferença em relação à campanha eleitoral para escolher o 20º presidente da República.

Os "tugas", ainda mais pobres, já não se manifestam, nem lêem jornais, cada vez mais condenados ao folclore governamental de uma espécie de tempo novo e a uma informação cada vez menos livre que os entretêm.

E o rei vai nu há demasiado tempo, mas os palacianos ameaçados continuam a apontar a quem resiste, criando uma banda sonora sinistra que acompanha o filme que continua a passar descaradamente mesmo à nossa frente.

Assim, actualmente, até parece verosímil que as revelações que ocorrem durante o julgamento de um ex-espião, que têm permitido atestar as maiores ilegalidades no funcionamento dos serviços de informações, sejam menosprezadas face a um qualquer fait divers, por exemplo a deliciosa dúvida do candidato presidencial sobre se está a trincar um pastel de nata ou de Belém.

E até parece normal que o chefe dos serviços de informações, Júlio Pereira, continue em funções depois de tudo o que tem sido confirmado sobre a barafunda no Sistema de Informações da República Portuguesa, apesar da avassaladora onda de terrorismo.

Face ao penoso silêncio de chumbo do primeiro-ministro, António Costa, será que os candidatos presidenciais nada têm (tinham) a dizer sobre este escândalo, cujos principais contornos continuam a ser atirados para debaixo do tapete?

Eis um assunto de Estado, mais um, que também deveria merecer (não mereceu!) a maior atenção de quem se considera apto para ocupar a Presidência da República e, já agora, um exame mais atento da parte dos deputados, designadamente os do Bloco e os do PCP que, agora, sustentam o governo de António Costa, mas que no passado nunca se furtaram a exigir explicações.

É que Júlio Pereira foi nomeado em Abril de 2005 pelo governo liderado por José Sócrates, em que António Costa, enquanto número dois, desempenhou as funções de ministro de Estado e da Administração Interna.

Só a dissimulação em que estamos constantemente afundados permite que continuemos a viver na mais delirante ilusão, seja ela financeira, económica ou até de respeito pelas mais sagradas liberdades individuais.

Mas ainda mais grave é que nem mesmo quando é confirmado e reconfirmado o inimaginável, em curtos momentos de águas agitadas, se aprende com os erros do passado, pois logo regressa o abafamento politicamente cobarde para melhor poder manipular, defender interesses inconfessáveis, acertar as contas e até matar o mensageiro que ousa enfrentar, aberta e frontalmente, o abuso de poder e a corrupção que têm condenado os portugueses a uma vida de miséria.

No dia 24 de Janeiro, há (houve) uma nova oportunidade para escolher.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Crise: o ego dos presidentes e os truques dos políticos


O país está confrontado com uma monumental produção hollywoodesca, com a assinatura de António Costa e de mais um par de seguidores que querem o poder a todo o custo, não obstante os resultados eleitorais do passado dia 4 de outubro, em que a maioria PSD/CDS-PP obteve uma vitória clara, ainda que sem maioria absoluta.

Mas, para já, mais útil do que aquilatar esta ou aquela deriva de líderes partidários, importa uma análise objectiva ao pecado original dos problemas que o país está a atravessar.

Dois momentos são fundamentais para compreender o actual estado de incerteza:

22 de Julho de 2015: Aníbal Cavaco Silva anuncia as eleições legislativas para 4 de Outubro e deixa implícita a ameaça de não dar posse a um governo minoritário;

30 de Novembro 2004: Jorge Sampaio anuncia a dissolução da Assembleia da República, deitando abaixo o governo de Pedro Santana Lopes que contava com o apoio de uma maioria absoluta na Assembleia da República.

Com um intervalo de um pouco mais de uma década, dois presidentes da República assumem decisões que minaram as fundações do edifício constitucional português.

E deixaram marcas tão profundas que, inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, seriam usadas para legitimar qualquer tipo de truque para a manutenção ou a conquista do poder.

Ainda muito mais grave: a partir destas duas decisões, de Sampaio e Cavaco, os resultados eleitorais ficaram à mercê dos jogos de bastidores e a governabilidade do país ficou ameaçada, pois nem mesmo uma maioria absoluta no Parlamento passou a estar fora do alcance da bomba atómica presidencial.

Não é por acaso, certamente, que a direita exibe declarações dos socialistas, incluindo António Costa, em 2009, para fundamentar a legitimidade de formar um governo minoritário, após a vitória eleitoral do passado dia 4 de Outubro; também não é de estranhar que a esquerda agarre as palavras de Paulo Portas, proferidas em 2011, para defender que o líder do PS tem legitimidade para formar governo, mesmo depois de perder as eleições.

As consequências estão aí, à vista de todos, pois o ego dos dois últimos presidentes e os truques dos políticos não estão à altura de uma Constituição que lhes dê espaço para a usarem à la carte, à revelia da tradição e espírito democráticos.

E provam que a revisão constitucional é imperiosa, devendo apontar para uma clarificação das regras, ao melhor estilo table d'hôte.

A discricionariedade presidencial tem de ter limites claros.

Num momento crítico da vida do país, após um resgate internacional, os portugueses não mereciam estar a passar por mais esta provação, cujas consequências são ainda totalmente imprevisíveis.

As crises em Democracia não são o fim do mundo, mas uma crise de governabilidade, na actual conjuntura, pode ser o princípio do fim da tímida recuperação.

Nada, mas mesmo nada, justifica uma saída para a actual crise que obrigue à repetição do cenário grego.

Depois da inconsciência registada no passado e do aventureirismo reafirmado no presente, é preciso responsabilidade que garanta as condições para um futuro melhor.

Chega de incerteza interna, pois bem basta a turbulência externa que, a qualquer momento, nos pode varrer, a nós, portugueses, sem esquecer esta classe política que deveria mostrar menos ego e mais comprometimento, menos carreirismo e mais serviço público, menos mordomias e mais respeito pelos sacrifícios impostos ao povo, menos ânsia pelo poder e mais dedicação ao exercício da oposição democrática.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Adeus, velho PS



Os resultados das eleições legislativas de 4 de Outubro revelaram uma cristalina vontade colectiva dos portugueses, a saber:

O PSD e o CDS-PP têm toda a legitimidade para governar nos próximos quatro anos;

A esquerda tem legitimidade para colocar balizas à governação da maioria de direita, após alcançar uma maioria aritmética no parlamento;

Os velhos rostos do PS, de Sócrates a Costa, devem afastar-se de mote próprio, antes que estoirem com o que resta de um dos mais importantes partidos fundadores da Democracia.

Sejamos muito claros: há uma certa facção do Partido Socialista que jogou tudo, usou todos os meios disponíveis e perdeu.

Não há qualquer dúvida que aqueles que se habituaram a mandar no PS, nas últimas décadas, estão condenados a desamparar a loja e, a partir daqui, a fazer pela vida, como qualquer outro cidadão.

Obviamente, em política, a razão dos factos nunca é assim tão linear, pois ainda vai correr muita água debaixo das pontes.

A comunicação social, que andou com António Costa ao colo até o colocar na liderança do PS, quiçá, com o objectivo de o fazer chegar a São Bento, não vai desistir de justificar e até legitimar a incompreensível atitude do secretário-geral do PS de ainda não ter apresentado a demissão.

Os mesmos que tudo fizeram para enterrar politicamente António José Seguro – que, agora, até teve tempo para almoçar com a família e ver a bola depois de votar, ou seja, deve continuar a estar a rebolar a rir –, ainda vão prosseguir a tentar tudo para sustentar na secretaria os seus interesses pessoais, comerciais e financeiros, nem que seja à custa de lançar o país na instabilidade.

Ao obedecer aos barões socialistas que continuam a julgar o Estado e o partido como suas propriedades, ao vergar em relação ao pior do aparelho do PS e ao pactuar com os interesses que o acompanham desde o momento em que avançou para a Câmara de Lisboa, António Costa há muito que tinha deixado de ter condições para ser uma verdadeira alternativa.

Assumir o melhor e o pior do passado do PS é digno, merece respeito democrático, mas tal não significa branquear a história e a realidade.

Pior do que não assumir os erros foi tentar habilidosamente conviver com eles para manter o poder a qualquer custo, tomando os portugueses por parvos, como se a táctica em política fosse igual a uma qualquer estratégia instrumental que mais não é do que a política infantil dos truques.

António Costa começou a perder a partir do momento em que julgou que era possível enganar os portugueses com posições dúbias em relação ao passado e ao presente, afirmando o caminho do futuro com opções meramente oportunistas.

Os constantes zigue-zagues de António Costa não foram resultado de inépcia, falta de experiência ou de qualquer erro involuntário na campanha eleitoral, mas sim da mais profunda ausência de rumo, convicção e ética republicana.

Bastou assistir à sua declaração embaraçada e atabalhoada, após a divulgação de uma das mais estrondosas derrotas do PS, para perceber que o adeus, ao velho PS, é apenas uma questão de tempo.

E, ou emerge um novo PS, rapidamente, antes das eleições presidenciais, ou então o partido corre o risco, novamente, de implodir a curto prazo.

A ambição pessoal sem limites não colheu: António Costa, o último secretário-geral do velho PS, perdeu e mereceu perder.

E, já agora, em nome da dignidade democrática, não pode faltar a uma última promessa: regresse ao escritório de advocacia, pegue na toga e defenda todos aqueles que não têm meios para aceder à "justiça" que ajudou a construir nos últimos 16 anos.