quinta-feira, 27 de setembro de 2018

PGR COM NOVOS LIMITES




A história da nomeação de Lucília Gago é um enorme contributo para a redefinição da "transparência" na Democracia portuguesa.

Pela mão de um primeiro-ministro que perdeu as últimas eleições e de um presidente da República que interpreta a Constituição da República a seu belo prazer, a nova PGR tem à partida bem definidos novos limites de actuação.

Além daqueles que decorrem da Lei, Lucília Gago sabe que há assuntos em que não se deve meter, como por exemplo, Angola e os seus altos dirigentes; e também está ciente que seja qual for o seu desempenho ao longo do mandato, que começa a 12 de Outubro, não será reconduzida se António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa continuarem em funções em São Bento e Belém.

Para já, mesmo sem falar da EDP e dos interesses chineses, se tudo passou a estar menos "irritante", não está tudo resolvido, nem mesmo à luz desta nova "transparência".

Dois casos paradigmáticos borraram a selfie que António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa prepararam tão afincadamente para todas as portuguesas e todos os portugueses.

Num artigo de opinião, Pedro Passos Coelho, levanta questões tão sérias e graves que não podem passar sem escrutínio, pois estão em causa acusações directas de um ex-primeiro-ministro aos actuais dois mais altos representante do Estado português.

Por sua vez, as declarações de José Sócrates, um dia depois do anúncio da nova PGR, um detalhe "socialista" de timing político, também não podem ficar por esclarecer, pois estão igualmente em causa acusações directas às duas magistraturas e ao normal funcionamento do Estado de Direito.

Lucília Gago já tem pela frente dois novos casos sensíveis.

A forma como encarar as declarações de Passos Coelho e Sócrates vai representar um sinal inequívoco para percebermos se algo mudou ou se, de facto, está garantida uma linha de continuidade.

É que se não há uma Justiça para os poderosos e os mais ricos e outra Justiça para os cidadãos anónimos e mais pobres, então não nos podemos esquecer que existe uma cidadã investigada, acusada, julgada e condenada a três anos de prisão por ter dito muito menos do que Pedro Passos Coelho e José Sócrates. 

Chama-se Maria de Lurdes Lopes Rodrigues.


Mais um caso, mais uma história que não pode cair no esquecimento, nem mesmo à luz dos nossos dias em que é muito difícil distinguir entre a farsa e a realidade.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

O ELEFANTE DE PORCELANA NA LOJA DE CRISTAIS


Rui Rio é um homem do sistema com a ambição de mudar o sistema.


Avesso ao facilitismo e ao populismo, inimigo figadal de uma certa esquerda balofa e adversário assumido de uma espécie de comunicação social com aspirações a "Quarto Poder", Rui Rio é a antítese dos modelos criativos das agências de comunicação e dos políticos para quem vale tudo para manter e/ou chegar ao poder.

O jogo de Rui Rio não é folclore nem é colorido, nunca é de curto prazo, é sempre um exercício pensado, resultado de negociação e a longo prazo.

Mas com tal teimosia que chega a afastar mesmo aqueles que estão fartos de um sistema recheado de oportunistas, incompetentes e corruptos.

Rio continua a correr para o mar sem pressa.

E não tem receio de afirmar a sua existência no sentido de ajudar o governo em funções nas matérias mais importantes.

O líder do PSD continua a manter um padrão de oposição atípico para os hábitos dos portugueses, deixando alguns dos seus correligionários de partido à beira de um ataque de nervos.

Se é verdade que ignora as notícias e os opinion makers, indiferente ao poder mediático, não é menos verdade que Rui Rio precisa de mais, de marcar a agenda política com os assuntos que interessam aos portugueses.

A Justiça e a Saúde parecem ser dois dos temas eleitos pelo candidato a primeiro-ministro.

Se o primeiro começou mal, com a polémica escolha de Elina Fraga, a nova versão do Pontal permitiu a Rui Rio denunciar o escândalo vivido na Saúde, entre outros, marcando um recomeço bem-sucedido na recta final para as legislativas de 2019.

Apesar de todos os anticorpos, e como aconteceu agora depois de férias, com o regresso à actividade política, quando Rui Rio fala há substância sobre a qual importa reflectir.

Será esta a fórmula adequada para um país que vive ao ritmo do chuto na bola?

Quem acredita que é possível mudar o país pelo topo, sem show off, então será capaz de ver em Rui Rio uma alternativa séria, credível e de futuro.

Mas o desafio é de monta, tais são os obstáculos que tem pela frente.

E se perder pode hipotecar a possibilidade, mais uma, de transformar Portugal num país racional, em que o debate não é transformado em agressão oca e gratuita, em que as políticas são definidas para o longo prazo e não de acordo com o calendário eleitoral ou dos interesses difusos que captaram o Estado e o poder político.

Será que Portugal precisa mesmo de um elefante de porcelana na loja de cristais?

terça-feira, 31 de julho de 2018

Robles e a consequência trágica


Há qualquer coisa de esquizofrénico no ar.

Nos últimos dias, o país andou aos trambolhões entretido com um "crime" que não aconteceu.

É o caso de Ricardo Robles.

De facto, o prédio de Alfama não foi vendido, portanto não houve especulação nem qualquer mais-valia.

Será que é aceitável que os que acusam o Bloco de Esquerda de alegada superioridade moral se comportem da mesma maneira em relação ao vereador da Câmara Municipal de Lisboa?

Aparentemente, a resposta é sim.

Mais interessante ainda é a forma como o caso Robles foi tratado nos media, mais uma prova que a actual crise na imprensa não é justificável na totalidade pelas questões económicas e financeiras.

Ela é muito mais endémica e profunda, reflectindo a aceitação de um paradigma editorial de dependência, voluntária ou implícita, dos jogos de curto prazo e de bastidores, inviabilizando a realização de uma investigação competente e credível.

É possível falar de especulação, no sentido pejorativo, logo moralista, num horizonte de quase cinco anos entre a compra e a colocação de um prédio no mercado?

Mesmo que continue por responder o que interessa substantivamente no caso Robles – Houve cambão na compra do prédio à Segurança Social por 347 mil euros? Existiu favor nos empréstimos concedidos pelo Montepio e CGD para a aquisição e obras de requalificação de mais de meio milhão de euros? O processo de autorização da parte da CML para a construção de mais um piso foi ilegal? – a consequência trágica será, como tem sempre acontecido, a mesma de sempre.

Ou melhor, depois da renúncia do vereador, e sem a investigação de quaisquer favorecimentos e ilegalidades, o mais provável é que reinará a mais olímpica indiferença se, no futuro próximo, Ricardo Robles vier integrar uma bancada de deputados, a presidir a um Conselho de Administração de uma qualquer empresa pública, a assumir uma pasta num qualquer Executivo ou a ocupar uma das cadeiras da vasta lista de comentadores do regime numa estação privada ou pública.

E é esta a ética na República em que vivemos...

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Marcelo e Costa: uma dupla (im)parável?


Entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa há um universo que os separa, embora tenham em comum a vontade férrea de modernizar o país e até de o civilizar um pouco mais, se possível mantendo o poder de que tanto gostam e procuraram.

Se Marcelo é brilhante, saudavelmente informal e quase sempre tristemente inconsequente, Costa é a cigarra calculista de várias cores que gosta de levar a água ao seu moinho.

O fundamental para o cidadão comum não passa pelo ruído das avaliações infantis da magistratura do presidente da República e do trabalho do primeiro-ministro, aliás mais concentradas na forma do que na substância e que mais parecem recados encomendados.

O que realmente importa aos portugueses é saber se esta dupla, resultante de circunstâncias esdrúxulas, tem a determinação e a consistência para levar o país para a frente e para concluir uma legislatura de máxima importância para o futuro dos portugueses.

E, para já, a coisa está a funcionar, com mais ou menos optimismo e cacetada verbal ou golpe baixo entre ambos.

A negociação do próximo Orçamento de Estado é um dos momentos críticos em que a dupla vai ser colocada verdadeiramente à prova.

Experientes como são na vida partidária e nos bastidores do poder é de esperar que sim, porque nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa querem uma crise política ou uma guerra institucional entre São Bento e Belém.

A lição é simples: A antinomia entre o presidente da República e o primeiro-ministro é um dos maiores garantes do sucesso.

Só resta saber se ambos serão capazes de resistir aos seus impulsos típicos dos lacraus, ou seja, será que a maioria da opinião publicada está mesmo enganada?