segunda-feira, 8 de março de 2010

Humilhação e piedade

A apresentação do Programa de Estabilidade e Crescimento é uma oportunidade de ouro para obrigar José Sócrates a assumir as suas promessas eleitorais.

Além do magnífico trabalho dos deputados da Comissão de Ética – a propósito da tentativa de assalto à comunicação social –, da oportuna constituição de uma comissão de Inquérito – que vai investigar se o primeiro-ministro mentiu ao Parlamento – e do congresso do PSD, que, felizmente, conta com vários candidatos, é consensual que José Sócrates não pode retomar a governação com um novo truque: o recurso ao aumento da carga fiscal, sem o aumento dos impostos.

A questão do momento é outra: José Sócrates, a nível interno e externo, é o primeiro-ministro certo para tirar o país do buraco que ele próprio ajudou a cavar, com ou sem comunicação ao país, depois de cinco anos de mentiras, truques e ilusões políticas?

Obviamente, não.

Os sinais de desgaste são tão evidentes como as manobras desesperadas da corte do costume, que tenta desvalorizar a actual situação e arranjar uma espécie de tábua de salvação, chame-se o expediente Manuela Moura Guedes, Freeport ou outra coisa qualquer.

A realidade está à vista: No momento em que o país precisa de um líder credível e empenhado, o governo continua a ser liderado por um homem acossado e desacreditado.

Aliás, a tentativa obstinada de manter o poder até já chegou ao ponto de encenar a vitimização suprema.

Não foi por acaso que José Sócrates chegou ao cúmulo de pedir aos jornalistas – anteriormente eleitos 'alvos' – para «terem piedade», para não colocarem mais questões sobre o seu envolvimento no caso "Face Oculta".

Certamente, todos os portugueses, de esquerda e de direita, estão de acordo com as palavras de Manuel Alegre ao DN, em 23 de Outubro de 2002: «Eu também sinto em mim a humilhação a que outras pessoas se sujeitam».

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Os aspirantes

A última edição do semanário "Sol" deve ter deixado qualquer democrata estupefacto.

Não, não é por causa das novas revelações sobre a face oculta do primeiro-ministro, que qualquer cidadão de boa-fé já conseguiu perceber e assimilar.

A revelação importante é outra, designadamente a que nos permite ter uma ideia mais cristalina da qualidade e calibre dos aspirantes a governantes.

Obviamente, falo de Paulo Penedos e Marcos Perestrello; e se isto é o futuro do PS, então estamos conversados.

Mais grave ainda do que esta nuvem negra que se abateu sobre o futuro do PS, é o facto de Marcos Perestrello ser o actual secretário de Estado da Defesa.

Sem que se perceba o que o habilitou para ascender ao cargo, tal como ninguém tinha percebido por que razão Rui Pedro Soares aterrou na administração da PT, a verdade é que ambos chegaram onde chegaram, com os resultados agora conhecidos.

Porém, estranhamente, todos pediram a cabeça do "amigo" de José Sócrates, mas ainda ninguém pediu a cabeça do "amigo" de António Costa.

Por que será?

Ainda que se conceda, em tese, a possibilidade dos diálogos transcritos terem sido descontextualizados – o que seria gravíssimo –, a verdade é que o secretário de Estado, aparentemente, nada fez para contrariar ou evitar a negociata do pequeno-almoço de Luís Figo com o primeiro-ministro na véspera das eleições.

Ou será que avisou, imediatamente, o "chefe"?

Mais do que a personalização deste ou de qualquer outro caso, o mais importante é perceber como estão a ser formados os aspirantes a políticos que podem ser chamados a governar Portugal.

O mais aterrador é que tudo indica que, actualmente, os jovens quadros políticos lêem pela mesma cartilha que formou José Sócrates, entre tantos e tantos outros militantes partidários, da esquerda à direita.

O resultado está à vista.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ponto de ordem

Depois de magistrados de Aveiro terem descoberto uma manobra de assalto à comunicação social, há-de ficar como o cúmulo do anedotário político as tentativas desesperadas para comprovar que existe liberdade de expressão, opinião e imprensa em Portugal.

No actual clima pantanoso, os 'boys' do regime abraçaram a missão de tentar convencer os portugueses que existe liberdade de expressão, opinião e imprensa porque ouvem, vêem e lêem notícias com críticas contundentes ao governo.

Quanto cinismo...

Os que se atrevem a fazer este paralogismo já se esqueceram do passado e, por exemplo, de todos aqueles que não se cansaram de afirmar o Estado de Direito durante a ditadura pelo simples facto de existirem tribunais.

Quanta má-fé...

Os que ensaiam justificar o injustificável, fazendo de conta que não leram o "Sol" e não conhecem os bastidores do poder, usam todos os malabarismos para tentar disfarçar uma realidade para a qual, aliás, só acordarão quando mais lhes convier.

Quanto atrevimento...

O esforço para branquear o que se está a passar, há demasiado tempo, há-de ficar, seguramente, como o cúmulo do anedotário político, mas também como mais uma das páginas vergonhosas da história deste PS e da democracia.

E é preciso não esquecer que, hoje, entre os que se mostram surpreendidos e indignados também estão muitos que rejubilaram e apoiaram o estilo de José Sócrates e a sua forma de exercer o poder.

Quanto mais subtil for a mordaça dos novos tempos, maior terá de ser o empenho em denunciar as diferentes formas de censura.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Não ao jornalismo cobarde

A divulgação de matéria informativa de inegável interesse público é um direito constitucional.

A notícia da semana passada do semanário "Sol" é um serviço público de inestimável valor e seriedade, merecendo ser acompanhado por todos os que pretendem um regime mais transparente.

E quem decreta que a publicação de uma qualquer escuta é crime não é o primeiro-ministro, seja ele José Sócrates ou outro qualquer.

O semanário de José António Saraiva tem estado quase sozinho na tentativa de aprofundar a investigação sobre o mais recente plano de assalto à comunicação social.

Não é digno de uma democracia madura e de uma comunicação social livre que o escrutínio de algo tão grave seja assumido, activamente, por um ou dois meios de comunicação social.

O "Sol" não pode ficar isolado, como tantas outras vezes aconteceu a quem assumiu o dever de informar.

É preciso enfrentar o cinismo de alguns media que criticam a revelação de escutas e de outros documentos judiciais, mas depois aproveitam as mesmas informações para 'surfar' a onda mediática, protagonizando o jornalismo mais cobarde que existe.

Na verdade, importa perguntar: O que aconteceu com as "cachas" do "Jornal de Sexta"?

A generalidade dos meios de comunicação social aproveitaram e usaram a seu belo prazer todas as revelações, independentemente das opiniões dos responsáveis editoriais sobre o estilo e os métodos de Manuela Moura Guedes.

Algumas das situações, que chegaram a roçar o grotesco, não devem ser o padrão de acção daqueles que têm o dever de informar com lisura e rigor.

É preciso que os profissionais da comunicação social assumam as suas responsabilidades, de forma a não ter que passar, mais uma vez, pela vergonha de ter de ser um qualquer deputado, cá dentro ou lá fora, a denunciar o que se diz à boca pequena nos corredores.