sábado, 23 de fevereiro de 2013

E se Vítor Gaspar falhar?



A realidade tornou-se paradoxal: por um lado, as instituições internacionais elogiam o reequilíbrio estrutural; por outro lado, a oposição parlamentar denuncia o colapso económico, fazendo prever uma moção de censura para breve.

Perante este cenário, agravado pelas sucessivas trapalhadas ministeriais, os portugueses já não conseguem parar, pensar e exigir a escolha de prioridades.

É possível discutir se o brutal aumento dos impostos e os cortes no edifício da protecção social podem coexistir com o Estado despesista à custa de mais dívida, com  os bancos a passarem a factura dos prejuízos para os contribuintes e com as pessoas e as empresas a definharem a olhos vistos.

Por isso, evidentemente, é mais do que compreensível e aceitável o coro de protestos que se tem  levantado sempre que um governante sobe a um qualquer palanque público.

Todavia, no momento em que todos os dados estão lançados para a sétima avaliação da troika, a mais decisiva para saber o que vai acontecer, os olhos dos portugueses continuam concentrados no ministro das Finanças.

Vítor Gaspar continua a ser o governante com uma actuação coerente e irrepreensível. Não é por acaso que a oposição concentra nele todas as baterias, pois continua a ser o pilar do Governo, com capacidade para se distinguir da politiquice, da partidarite e da mercearia de ocasião.

Mas será que é o super-homem?

Claro que não.

A prova que o ministro das Finanças não tem o poder que lhe advinham está bem patente nalgumas previsões erradas e, sobretudo, nos últimos sinais da governação, em que merecem destaque a designação de Paulo Portas para apresentar o guião do plano da reforma do Estado e o anúncio de um mega-investimento público para transferir uma parte da área portuária de Lisboa para Almada, os quais nos remetem imediatamente para os truques de tempos passados.

O ministro das Finanças chegou ao Governo no tempo certo, mas com o primeiro-ministro errado. Passos Coelho não é capaz de enfrentar o cancro de interesses diversos e insondáveis que está a montante da crise financeira. E que tem o Estado capturado.

Enquanto não rebentar com este colete de forças, com mais ou menos operação "Mãos Limpas", o país nunca conseguirá libertar-se das redes de corrupção instaladas, percepcionadas pela generalidade dos portugueses, que sugam a maioria dos escassos recursos disponíveis.

O estoiro do DCIAP, um dos pilares do que deveria ter sido – e nunca foi! – o bastião do combate aos crimes de colarinho branco e à alta criminalidade organizada, é apenas a confirmação de mais um golpe nesta batalha sempre prometida e nunca levada a sério.

O país não pode sobreviver assim, condenado a sustentar as castas que gravitam à volta do poder, sem investimento, emprego, mercado interno e uma protecção social digna desse nome e ainda indefeso em relação ao assalto fiscal.

E das duas uma: ou dá um passo em frente, enfrentando o verdadeiro "Monstro" que está a liquidar o país, ou cai na esparrela de retomar os mesmos vícios que só nos podem conduzir de novo à beira do precipício.

E se Vítor Gaspar falhar?

O país voltará a render-se aos mesmos lóbis, ao velho tráfico de influências, às habituais negociatas por debaixo da mesa, aos subsídios para os amigos e clientelas, à dança de cadeiras entre o público e o privado, ao investimento público de fachada, com menos vírgula ou mais género no articulado das leis, obviamente sempre em nome do crescimento e da defesa do Estado Social, em suma, a mais do mesmo que nos atirou para o abismo. 

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Falar claro, alto e sem medo



O país foi sacudido por mais duas formas de protesto, numa semana em que conheceu o agravamento do desemprego e o abrandamento das exportações, não obstante o propalado e quimérico regresso aos mercados internacionais.

Francisco José Viegas, ex-secretário de estado da Cultura, e elementos do movimento "Que se lixe a troika", cada um à sua maneira, com mais ou menos gosto, deram rosto e voz à indignação do dia-a-dia.

No momento em que as galerias do hemiciclo rebentaram num sentido e sonoro "Grândola, Vila Morena", Pedro Passos Coelho parou, esboçando um esgar nervoso e embaraçado.

Numa fracção de segundo, o país real sentiu-se dignamente representado na Assembleia da República, perante a estupefacção de muitos deputados que insistem num vergonhoso distanciamento da realidade.

Finalmente, alguém voltou a falar claro, alto e sem medo!

Entre as várias perplexidades que têm permitido e desculpado sucessivos erros governativos, existe uma que continua a ser um enorme mistério: como é possível que a maioria dos jovens continuem a suportar, passivamente, em silêncio, o flagelo da falta de horizonte?

Sim, como é possível que a academia aguente uma taxa de desemprego da ordem dos 40% sem se revoltar, sem vir para a rua protestar, sem fazer lembrar a cada membro do governo, diariamente, que recusa não ter futuro?

Num país cada vez mais desnorteado pelo Estado de desastre social que graça de Norte a Sul, como é possível que as gerações melhor informadas e preparadas assistam, sem o mínimo sinal colectivo de sobressalto cívico, ao Estado a tratar mal os seus avós, pais e irmãos?

Há algo de paradoxal nesta tranquilidade. Como se muitos dos jovens que sofrem com a crise a aceitassem, com resignação e até indiferença, porventura dispostos a expiar os desvarios passados de outros.

Justificar o injustificável com a contaminação de uma cultura instantânea, típica da adoração imbecil do “Gangnam Style” ou de qualquer outra moda acéfala, é claramente redutor e característico do generation gap .

Tem de haver uma explicação mais sustentada; contudo, nesta análise que urge fazer, há um factor que não pode ser escamoteado: a falta de cultura de cidadania.

No último debate quinzenal, a troca de palavras entre António José Seguro e Pedro Passos Coelho, a propósito do que o primeiro-ministro afirmou antes de chegar ao poder, revelou o enorme vazio que se abateu sobre Portugal, tão despojado de esperança como de alma e auto-estima.

A juventude tem de acordar. E não é só por cada jovem ter como única perspectiva realista, nos próximos anos, o desemprego, a emigração forçada ou um emprego a ganhar um salário inferior a 500 euros.

O que está em causa é bem mais importante: ou são os jovens a definir o que será o Portugal de amanhã, depois da troika, ou então terão de aceitar o país definido por quem já não merece o mínimo de confiança.

Portugal depende mais deste despertar do que de qualquer salvador iluminado. Mas a arte do protesto não é tudo. Com mais ou menos criatividade e irreverência, não chega o impropério pertinente e legítimo, nem tão-pouco o debitar inconsequente das palavras de um grande poeta.

"Grândola, Vila Morena" é a canção composta e cantada por Zeca Afonso, a música que nos anunciou a liberdade. Não é uma moda efémera, mas algo que nos devia fazer transcender. Talvez seja esta a dimensão que falta aos jovens portugueses de hoje, formados na ignorância do passado. Talvez, por isso, aceitem, tão passiva e silenciosamente, não ter direito ao futuro.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Portugal é assim: cheio de inocentes no poder



O caso Franquelim Alves continua a alimentar a agenda mediática, mas a polémica instalada está longe de contribuir para a necessária clarificação.

Uma observação ponderada sobre este episódio, em que a dignidade pessoal se verga ao enxovalho público, remete para outros dois: Universidade Moderna versus Paulo Portas e Freeport versus José Sócrates.

Nos dois casos, cujas investigações mediaram um período de cerca de oito anos, já tinha ocorrido o mesmo.

Portas e Sócrates chegaram ao poder, em 2002 e 2005, respectivamente, cobertos por suspeitas fundamentadas, sem o mínimo sobressalto de alguns que, agora, enchem a boca com a ética e o princípio da responsabilidade republicana.

Não faltam outros exemplos de carreiras fantásticas: Isaltino Morais continuou a ganhar eleições apesar da sua performance no mundo dos negócios autárquicos; e Manuel Dias Loureiro conseguiu manter o assento no Conselho de Estado, com a anuência de o presidente da República, até ao limite do insulto aos portugueses.

Basta de desculpas esfarrapadas. O pecado original é antigo. E é preciso enfrentá-lo com realismo e vontade política.

O debate não pode ficar centrado apenas na fulanização deste ou daquele governante. Tem de ser alargado à rede de interesses instalados, cujos principais elementos lá vão sendo pagos e promovidos à medida da alternância na governação.

É preciso ir mais além, exigir comportamentos à prova de suspeições e responsabilizar os mais altos responsáveis do Estado, designadamente os da justiça, tanto mais que a semana foi pródiga em revelações sobre o DCIAP: o relatório internacional da Open Society Foundations concluiu que Portugal colaborou com a CIA nos voos da vergonha; por sua vez, Nuno Melo revelou um documento que comprova que o departamento liderado por Cândida Almeida teve conhecimento, desde 2004, de indícios fraudulentos no BPN.

Quanto aos sequestros, há muito que estamos conversados; e em relação ao maior escândalo financeiro português está instalada a percepção geral que os prejuízos gigantescos, que todos os portugueses estão a pagar, poderiam ter sido minorados se o universo judiciário tivesse funcionado com independência e zelo, em tempo útil, em relação aos poderosos.

A raiz do problema é bem evidente: a falta de meios e a partidarização da justiça.

A mudança está por cumprir. Resta a impunidade, como atesta a falta de peritos para a investigação de crimes complexos, nomeadamente os de colarinho branco.

O mutismo de Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, não contribui em nada para a renovação deste ar pestilento que tresanda a silêncios, omissões e encobrimentos de negociatas e vigaristas que formigam descaradamente aos mais diversos níveis.

Portugal é assim: um país cheio de inocentes que chegam ao poder, e que lá se mantêm com toda a facilidade, beneficiando dessa posição, voluntária ou involuntariamente, sem o mínimo pejo.

Esta vulnerabilidade não é genética. Apenas falta uma cultura democrática mais firme e participada. E, por pior que seja o cenário, há esperança na sociedade civil, como demonstra a acção da Associação Transparência e Integridade em relação ao cumprimento da lei de limitação de mandatos autárquicos e o apoio a Rui Moreira para a presidência da Câmara Municipal do Porto.

O país não é Lisboa. E tem de estar atento ao combate político autárquico, nomeadamente ao que se avizinha na Invicta. Rui Moreira não tem margem para fazer o mesmo que alguns dos seus mais proeminentes apoiantes fizeram, ou seja, baquear nos momentos decisivos para enfrentar a alta corrupção.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Portugal: o país das omissões



A nomeação de Franquelim Alves é mais uma prova da vulnerabilidade do regime democrático. A escolha de um gestor que esteve envolvido no escândalo SLN/BPN ultrapassa o admissível em qualquer país moderno e civilizado. Aliás, o embaraço na maioria é tal que até Nuno Melo, do CDS-PP, já o admitiu publicamente.

A opção do primeiro-ministro já não surpreende, tendo em conta a sua reiterada falta de cultura democrática, amplamente demonstrada por diversos casos e pela permanência de Miguel Relvas no Governo; de igual forma, também ninguém ousaria esperar que o presidente da República pusesse um travão a este escândalo, pelas razões que são públicas e notórias.

A crise que está a montante da bancarrota chegou a um tal ponto que os líderes de dois órgãos de soberania já nem demonstram prudência em evitar pisar o risco do descaramento político e institucional; de igual modo, alguns socialistas responsáveis pelo descalabro até já se sentem suficientemente confiantes para tentarem influenciar a disputa pelo controlo do PS.

O país não pode ficar indiferente à tentativa politicamente desprezível de branqueamento, seja ele qual for, como se fosse possível separar o trigo do joio no seio de um qualquer lamaçal de fraudes, vigaristas e oportunistas.

Enquanto os portugueses continuam a pagar os desvarios de uma certa casta, com ligações ao mais alto nível do Estado, habituada a ser protegida pelos mais diversos poderes, os últimos sinais apenas confirmam que a impunidade continua a reinar.

Se o Governo já estava moribundo, a partir de agora deixou de ter qualquer hipótese de sobrevivência, com a agravante de colocar alguns dos seus elementos, com um passado profissional a defender, perante uma situação profundamente desconfortável.

Portugal continua a ser o país de todas as omissões. O fechar os olhos e o fazer de conta são atitudes que atravessam transversalmente o poder e a sociedade. E estão de tal forma arraigados que já ninguém se dá ao trabalho de enxergar o atoleiro em que o país está transformado.

Pedro Passos Coelho continua a rasgar as promessas que fez aos portugueses. E está a contribuir para reforçar o quadro dantesco que herdou: um político só tem futuro no partido se fizer de conta que não vê a corrupção e o tráfico de influências; um deputado só pode manter o seu lugar se obedecer cegamente à disciplina partidária; um magistrado tem de estar atento às ordens subliminares do poder político para não ir parar a uma qualquer comarca do interior; um empresário tem de se adaptar à maioria no poder para aspirar a beneficiar de apoios, subsídios e créditos; e até um jornalista tem de ter atenção, pois há dúvidas sobre quem são os verdadeiros patrões da comunicação social.

A solução não passa por heróis. Nem por respostas extremistas, violentas ou demagógicas. Nem tão-pouco pelo regresso ao passado ou a mais e mais maladas de dinheiro sujo para acorrer às dificuldades de curto prazo.

O país tem de mudar de atitude e revelar disponibilidade para poder enfrentar um Governo que não é respeitado e que já nem se dá ao respeito.

Enquanto os portugueses não se indignarem, o país continuará a estar entregue aos que calam e comem; aos que nunca meteram um tostão ao bolso, mas fecham sempre os olhos em relação ao que se passa ao seu lado; em suma, aos que continuam a invocar o formalismo para manter as aparências e garantir os privilégios.

Os que nunca se calaram e continuam a resistir têm de redobrar esforços para romper com este círculo vicioso infernal.