sábado, 25 de maio de 2013

Portugal é assim: o país dos legalistas de ocasião


As suspeitas generalizadas sobre a classe política, a falta de credibilidade das instituições e o abandalhamento do regime estão a provocar há muito tempo o crescimento de uma onda de repulsa, transversal a toda a sociedade, em relação aos detentores de cargos políticos.

Não obstante este sentimento colectivo – que não se confunde com o desespero em relação à austeridade, pois é muito mais profundo, enraizado e sentido –, poucos têm sido aqueles que têm prestado a devida atenção ao léxico do debate público, às declarações sobre os representantes dos órgãos de soberania e aos insultos veiculados nas últimas manifestações.

Vale a pena reflectir sobre esta conjuntura, no momento em que o presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, apresentou uma queixa na procuradoria-geral da República por causa de uma opinião de Miguel Sousa Tavares, que o comparou a Beppe Grillo, ou seja, a um palhaço.

É-me completamente indiferente saber se o jornalista ofendeu involuntariamente ou deliberadamente o presidente da República, ou mesmo se as suas declarações violam o número 1 do artigo 328º do Código Penal – «Quem injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa». Essa é uma questão que deve ser analisada no momento certo e em sede própria.

O que realmente me importa, hoje como ontem, é saber se o direito à liberdade de opinião continua a fazer parte do ADN da Democracia portuguesa; e se os cidadãos, jornalistas ou não, ainda têm o direito de criticar os governantes, ou melhor, mutatis mutandis, se estamos perante a possibilidade de regressar ao delito de opinião, público ou privado, e a episódios grotescos como aqueles que envolveram Fernando Charrua ou o estudante universitário que repetiu o que o povo dizia sobre Miguel Relvas.

Num país em que milhares de manifestantes chamam "ladrões", "gatunos" e "vigaristas" ao presidente da República, ao primeiro-ministro e demais altas figuras do regime, sem que se tenha vislumbrado qualquer assomo de defesa da honra da parte dos visados, a qual implicaria a imediata demissão/exoneração/renúncia, só faltava que a comparação de um político à digna profissão de palhaço permitisse ao establishment o descaramento de o considerar um insulto de lesa-majestade, elegendo assim um bode expiatório, porventura para tentar travar a verbalização da repugnância generalizada em relação aos detentores do aparelho do Estado.

O Ministério Público pode abrir um inquérito a propósito das declarações de Miguel Sousa Tavares ou de qualquer outro cidadão, mas não há justiça, com ou sem critérios selectivos, que seja capaz de abafar a indignação dos portugueses, sobretudo no momento em que a esquerda e a direita, os ricos e os pobres, as elites e o povo convergem num ponto tão concreto quanto perigoso: o descrédito das instituições.


É nestes momentos que os defensores do direito à liberdade de expressão, mesmo quando ela roça algum eventual desprimor, têm de marcar presença no debate, não podem vacilar em relação a qualquer tipo de acção selectiva, em suma, não podem ceder ao discurso hipócrita do mainstream e aos legalistas de ocasião, caso contrário, um dia, ainda se arriscam a ter de voltar a enfrentar um político, profissional ou não, determinado a tentar usar a lei para proibir a divulgação do que os portugueses pensam, dizem e chamam àqueles que elegeram para governar.

sábado, 18 de maio de 2013

Portugal é assim: faltam mais homens livres



Ao longo das últimas semanas, a falta de argumentos racionais e credíveis dos "suspeitos" do costume, que passaram a liderar a informação política, permitiram a orquestração de uma campanha perigosa, como se fosse possível, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, que governantes adoptassem medidas com o intuito deliberado, quiçá gozo, de fazer sofrer o povo.

Ultrapassámos o grau zero da política. O debate público, o exercício do contraditório e o calor da oposição não podem ser feitos a partir da sede do poder e dos interesses pessoais, mesquinhos ou corporativos.

A política está transformada numa amálgama indigente e abjecta, com a agravante de sujar indiferenciadamente quem nela participa, face à ausência do escrutínio rigoroso e independente da comunicação social, cada vez mais transformada numa correia de transmissão de todas as jogadas, das mais limpas às mais sujas, das mais acéfalas às mais elaboradas, das partidárias às empresariais.

É verdade que é cada vez mais difícil aceitar as últimas trapalhadas governamentais, mas reduzir o desnorte, a incompetência e a intriga palaciana a uma espécie de sadismo compulsivo roça o foro psiquiátrico.

Para quem tem interesse em mudar de vida, em escolher novos caminhos, em garantir um país com um futuro melhor, certamente existe a necessidade de contrariar a actual fuga vertiginosa ao debate racional, que não nos leva a nenhum lado.

Não é possível relançar o país com os "velhos" protagonistas e dificilmente poderemos alcançar uma nova energia mobilizadora com base numa opinião pública intoxicada pelos responsáveis pelo estado a que chegámos.

Enquanto não houver uma consciência política e social da necessidade de varrer esta gente, Portugal continuará a arrastar-se no pântano, com mais ou menos folclore à mistura, da direita e da esquerda.

O erro não está na escolha de uma nova geração de governantes, mas na triste constatação que eles, afinal, pautam as suas decisões pelos mesmos parâmetros dos seus antecessores. E, por isso, não conseguimos sair deste impasse – em que o Governo está à beira de cair quase a um ritmo semanal –, com o futuro do país comprometido durante as próximas décadas.

É preciso assumir a realidade, não vale a pena disfarçar o óbvio. Se o Governo está moribundo, então é chegada a altura de dar a palavra ao povo. Não há que ter medo da alternativa. Quem vier a seguir, se não estiver à altura da sua missão, então o povo voltará a ser chamado. Em Democracia, é assim.

Pactuar com o faz-de-conta e dar ouvidos a quem sempre serviu os lóbis do bloco central tem um custo elevado. Ele está à vista. E não foi por falta de maiorias e da tal propalada estabilidade. Muito pelo contrário.

A crise está instalada. E as aventuras passadas têm responsáveis identificados. Não vale a pena tentar reescrever a história, nem prometer soluções falsas ou de duvidosa implementação. Nem tão-pouco fugir, infantilmente, ao assumir das consequências.

A teorização do "terrorismo social", para explicar os erros da governação de Pedro Passos Coelho, é uma forma simplista e politicamente cobarde de evitar o ataque ao cerne do problema, que se resume à idiossincrasia salazarenta de um povo que continua a tolerar este status quo caracterizado pela aparência, pela mediocridade e pela corrupção.

Infelizmente, continua a ser bem mais fácil e confortável olhar para o lado ou inventar "papões", mais ou menos delirantes. Portugal é assim: faltam mais homens livres, com capacidade para enfrentar a realidade.