sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Rui Moreira: não voto


O exercício do poder não pode ser a mera combinação da aparência e da legalidade formal.

Tanto no processo Selminho como na alienação do palacete da avenida Montevideu, no Porto, o mínimo que se pode dizer é que Rui Moreira é uma tremenda desilusão cívica e política.

Se em relação ao primeiro caso estamos conversados e mais do que conversados, em relação ao palacete da Foz do Douro, de que Rui Moreira era proprietário com os seus irmãos, o presidente da Câmara do Porto, em exercício de funções, não deveria ter feito o negócio de uma forma opaca.

Tanto mais que teve que envolver a autarquia, tendo em conta que vai dar lugar a um hotel de luxo e sabe Deus que mais.

Rui Moreira não se pode esconder na formalidade, aliás, como no caso da Selminho, de que o assunto foi tratado pelos serviços da autarquia.

E, mesmo numa perspectiva benevolente, se assim o aceitássemos, obviamente que o deveria ter feito com toda a transparência, comprovando que se distingue do sistema sustentado pelos partidos políticos tradicionais de quem diz querer distância, aliás, propósito que chegámos a acreditar ter sido a razão fundamental para ter abraçado a nobre missão de serviço público que é a política e o exercício de funções públicas.

Confesso: Rui Moreira prometia muito mais do que Fernando Medina. 

Os negócios efectuados com contratos de confidencialidade até podem ser legais, mas estão vedados – ou deveriam estar, numa Democracia digna desse nome –, a quem exerce cargos públicos pelas mais óbvias razões. 

E já nem é preciso falar das árvores centenárias, certamente acometidas de súbita doença fulminante.

De facto, não é igual vender uma propriedade a um empresário como Belmiro de Azevedo, ou a um qualquer “PEP” (Politically Exposed Person), ou "Pessoa Politicamente Exposta", nos termos da definição da FATF (Financial Action Task Force), que é uma organização inter­-governamental cujos objectivos são estabelecer padrões e promover a aplicação efectiva das medidas legais, regulamentares e operacionais para combater o branqueamento de capi­tais, entre outros, de que Portugal é membro desde 1991.

Sejam eles, por exemplo, eventualmente, Sindika Dokolo ou Isabel dos Santos.

Se não há crimes perfeitos, também não há segredos acima de qualquer escrutínio.

Como dizia George Orwell, «quando se chega à mesa de voto, não se encontram homens de pistola na mão dizendo-nos como votar».

Ora, precisamente, eis a razão porque não voto Rui Moreira, pois a transparência que tanto prometeu está ferida de morte, independentemente de quaisquer interesses, dos dele, dos meus ou dos de terceiros.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

TANCOS, O ESTADO E A INFORMAÇÃO


Já passaram quase três meses após o anúncio do desaparecimento de armas em Tancos.

Depois das mais estapafúrdias explicações, verdadeiros insultos à inteligência dos cidadãos, tudo continua por apurar, explicar e justificar. 

Roubo?

Desvio de armas?

Exportação clandestina?

Manobra de diversão?

Zero: nada se sabe sobre o que aconteceu.

Já nada surpreende neste Estado de rastos que vai sobrevivendo à mercê das maiorias conjunturais.

O que espanta é o silêncio da generalidade da imprensa, bem como dos opinion makers e especialistas em Defesa, sobre o papel da Polícia Judiciária e da secreta militares.

Nem uma palavra de escrutínio...

E depois admiram-se que os serviços de informações sejam reduzidos pela generalidade da opinião mais ou menos informada à extraordinária "missão impossível" de saber quem dorme com quem... 

Em bom rigor ninguém ainda ousou levantar a questão e/ou abordar com objectividade o que andam (ou não) a fazer as duas instituições: como é possível que armas desapareçam, hoje, ontem ou anteontem, sem que os serviços de informações e a PJ militares saibam o que se está a passar, ou melhor, não façam aparentemente a menor das ideias do que se passou?

Será para não contrariar os comunistas, sempre ciosos de um dos bastiões laboriosamente formados desde o PREC?

Será para não desagradar ao CDS/PP, que se entreteve a tentar fazer uma espécie de coutadinha privada desde o tempo em que Paulo Portas passou pela Defesa?

Será para não irritar PS e PSD, ou melhor, os interesses do Bloco Central?

Será por medo?

Ou será pelo mais gritante servilismo de quem assume responsabilidades editoriais?

Há limites para o descaramento público, pedrão, para o branqueamento da realidade...

Ficar pelo zurzir no (ainda) ministro da Defesa, Azeredo Lopes, que, aliás, se colocou e continua a colocar a jeito, é de uma mediocridade confrangedora.

E não chega, pois é impossível abafar um escândalo de tal dimensão que, pasme-se, até tem o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, refém de nunca vir a ser apurado o que aconteceu.

Sim, uma coisa é pedir o apuramento da verdade.

Outra coisa é, no exercício das suas competências e autoridade constitucional, o presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, dar um murro na mesa e exigir a verdade, o que, espantosamente, ainda não aconteceu, pelo menos de uma forma pública e audível.

O que sobra de Tancos, para já, é a triste e inquestionável realidade, com a cumplicidade de quem tem o dever e a missão de informar: os órgãos de soberania portugueses não respeitam os cidadãos, nem tão-pouco os seus representantes eleitos se dão ao trabalho de revelar um pingo de sentido de Estado.