quinta-feira, 25 de novembro de 2010

E depois da greve geral



Um dia depois da maior greve geral de sempre, as ruas regressaram à normalidade, a fervilhar de actividade e vida.

Hoje, o retorno ao bulício não aborrece tanto, faz-nos pensar, sobretudo como tem sido incomodativo o estrépito provocado pelo silêncio dos que continuam a calar-se, daqueles que já morreram muitas vezes antes de morrer.

A dimensão do protesto teve a bondade de mostrar que há um país real que não está vencido, que assume a indignação acumulada.

Os poderosos, com mais ou menos colarinho branco, que têm condenado o futuro do país, tiveram a prova de que algo está a mudar em Portugal, ao ponto de dar origem a uma unidade sindical que muitos julgavam impensável nos tempos que correm.

Afinal, o país não está rendido à liderança dos iluminados do momento, dos carreiristas de sempre e dos serviçais partidários comprados com mais ou menos mordomias.

No regresso ao dia-a-dia do trabalho, o renovado sorriso estampado nas caras dos portugueses prova o sucesso do envio de uma mensagem cristalina aos pretensos estadistas vergados ao interesse nacional: existe um país real apostado na mudança.

Como refere José Medeiros Ferreira, no Cortex Frontal, «o que mais me impressionou neste dia de greve geral foi a tranquilidade com que tudo se passou, inclusive a forte adesão. Há muita gente que não quer perceber o que isso significa em termos de maturidade política do país».

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Armando Vara: caso isolado ou ponta do iceberg?



A revelação da transcrição de escutas, realizadas no âmbito de processuais judiciais, deve ser feita com a maior parcimónia.

Porém, a questão de princípio não impede o uso da informação como background.

Cabe a qualquer cidadão, ou jornalista, fazer a avaliação do que é a excepção em cada momento.

Esta reflexão surge na sequência da divulgação de escutas envolvendo Armando Vara, entre outros arguidos do processo "Face Oculta", cuja leitura não surpreende.

Muito mais importante do que transcrever uma ou outra escuta é ter uma visão global do que Vara representa, aparentemente, no funcionamento do regime.

Só assim é possível chegar ao pântano em que está transformado o fim do consulado de José Sócrates.

De recordar que, no dia a seguir às eleições de Fevereiro de 2005, qualquer um apostaria que Armando Vara viria a ser um dos membros mais influentes do XVII governo constitucional.

Enganaram-se os que então julgaram que o ex-ministro de António Guterres, envolvido no escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança, que levou à sua demissão, voltaria às lides governamentais.

O caminho destinado a Armando Vara, como de tantos outros, foi diferente. De um momento para o outro, passou a administrador da Caixa Geral de Depósitos e depois a administrador do "novo" BCP.

Afinal, o verdadeiro poder não está exclusivamente confinado à governação, como demonstra, aliás, o acesso inexplicável que Vara teve a cartas confidenciais que deram entrada no gabinete do primeiro-ministro, entre outros documentos.

Desde então, e sempre com estrondo, o socialista tem sido notícia pelo seu envolvimento em casos, cujo denominador comum político é o primeiro-ministro.

No caso "Face Oculta", e apesar de todas as tentativas de branqueamento, oficiais ou oficiosas, Armando Vara surgiu em toda a sua refulgência, mais sucata menos sucata, representando o papel de uma espécie de pivot do regime.

Não basta transcrever escutas.

Mais importante do que transcrever as escutas que envolvem Armando Vara é ter a capacidade de as descodificar, revelando o que está na origem do descalabro do país, quiçá responder a uma pergunta de inegável interesse público: Armando Vara é um caso isolado ou representa apenas a ponta do iceberg?

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O senhor do adeus

Por diversas vezes, cruzei-me com o aceno e o sorriso do desconhecido que enchia a praça do Saldanha, retribuindo o inusitado cumprimento, sempre demasiado apressado.

O momento não tinha especial significado, mas era um bom flash para o stress e para nos recordar a ignara indiferença entre as pessoas da grande cidade.

Todos conheciam aquele vulto, envolto na penumbra do fim do dia ou da noite adiantada, mas poucos poderiam antecipar uma despedida tão sentida na hora do seu desaparecimento.

Poucos deveriam saber que o senhor do adeus era um excêntrico, senhor de uma vida desafogada, capaz de uma militância tão singela e desinteressada, paredes meias com uma das catedrais do consumismo.

A sua morte é um marco na cidade, mas também é uma espécie de prenúncio do fim de uma era, em que os portugueses iludidos com o discurso da facilidade e da modernidade davam-se ao luxo de ignorar, quiçá troçar dos valores mais elementares da convivência em sociedade.

Chamava-se José Serra.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

À beira do precipício

Os mercados continuam a fazer subir o custo que temos de pagar por cada euro que pedimos emprestado, apesar do Orçamento de Estado para 2011 estar aprovado.

Obviamente, a situação portuguesa é de tal forma calamitosa que não bastou forçar a aprovação de um orçamento em que ninguém acredita.

O problema é outro.

A falta de credibilidade do primeiro-ministro está custar ao país milhões e milhões de euros por dia.

Depois de batido o máximo histórico, a fasquia da taxa de juro das obrigações a 10 anos já atingiu os 6,554%.

Hoje, a cada declaração governamental, insistindo em negar a evidência, os mercados respondem com uma nova subida.

Como se não bastasse a situação ruinosa, estamos à beira de uma nova crise.

De acordo com Fernando Teixeira dos Santos, se a taxa de juro atingisse os 7% então Portugal teria o FMI a bater à porta.

A acreditar nas palavras do ministro das Finanças, em entrevista a Judite Sousa, na RTP, no passado dia 21 de Outubro, basta apenas um aumento de um pouco mais de 5% em relação à taxa actual para ter de começar a estender a passadeira vermelha aos velhos conhecidos do PS.

Não obstante a gravidade do cenário, José Sócrates e afins insistem em afirmar que Portugal não precisa de ajuda externa.

A declaração por si só não tem importância, pois os portugueses já estão habituados a estas fanfarronices.

O mais grave é que o desentendimento público entre José Sócrates e Fernando Teixeira dos Santos pode ser o prenúncio de uma remodelação governamental imposta pelos mercados.

Quanto tempo ainda será preciso para o primeiro-ministro perceber que os portugueses estão a pagar, dia-a-dia, o preço de uma governação incompetente, irresponsável e aventureira?