domingo, 23 de outubro de 2011

Por uma esquerda nova


Esta espécie de esquerda parece não ter emenda, sobretudo no momento em que está a ser embalada pelo Presidente da República, que critica agora o que não foi capaz de fazer enquanto primeiro-ministro em tempos de vacas gordas: a reforma do Estado e o saneamento do sector empresarial público.

É preciso desmistificar a gritante desonestidade intelectual de atribuir à direita a responsabilidade por todos os males da crise. É que a viragem do século ficou marcada pela esperança da governação à esquerda nos maiores países da União Europeia: Alemanha (Gerhard Schroeder), Espanha (José Luis Rodríguez Zapatero), França (Lionel Jospin), Reino Unido (Tony Blair) e Itália (Giuliano Amato). Uma década depois, quase metade dos países da União Europeia eram governados pela esquerda. Mas contra factos não há argumentos: a partir de 5 de Junho de 2011, que marcou a derrota de José Sócrates, entre os 27 restavam apenas cinco governos de esquerda: Espanha, Grécia, Áustria, Eslovénia e Chipre.

A esquerda falhou, capitulou em relação ao poder económico e financeiro e enredou-se em negócios de Estado – em suma, errou estrondosamente no combate à corrupção. A “Terceira Via”, ou o que restou dela, resultou numa gigantesca fraude política, deixando a esquerda sem projecto político. Basta querer ver a realidade, nem é preciso invocar o primarismo de Margaret Thatcher: “O socialismo dura até se acabar o dinheiro dos outros”.

A questão é ainda mais inquietante quando comunistas e bloquistas revelam que também não aprenderam nada com a viragem à direita. Até Fernando Rosas, um dos mais brilhantes à esquerda, caiu no vazio da cassete da “política da inevitabilidade que vai destruir o país”, conforme repetiu no programa “Prova dos 9” da TVI 24. Aparentemente, a esquerda continua convicta de que sacudir a água do capote lhe vai permitir reconquistar a credibilidade, como comprova a tentativa de desvalorizar a estrondosa derrota na Madeira, apesar da governação irresponsável de Alberto João Jardim.

Se é factual que comunistas e bloquistas não participaram na governação dos últimos 25 anos, também é verdade que não conseguiram travar a deriva socialista ao longo de 13 anos, o que poderá explicar, em parte, a desilusão do seu eleitorado mais fiel.

 A esquerda tem de assumir os erros cometidos no exercício do poder para depois confrontar a governação da coligação de direita com as promessas eleitorais falhadas e com os resultados das novas políticas.

Para já, não se vislumbra que seja a receita desta esquerda velha a tirar o país do abismo. A agitação sindical, até compreensível, não inverterá o ajustamento doloroso nos próximos anos, como revela a contestação grega. Numa primeira fase, só a austeridade brutal poderá ser suficiente para convencer os nossos credores a darem uma nova oportunidade a Portugal. E esperar que a União Europeia salve o país, novamente, após a estratégia suicida de prego a fundo no endividamento, que duplicou nos últimos seis anos.

 A democracia precisa de uma esquerda nova, porventura reinventada, mais competente e responsável, menos instalada e corrupta, desejavelmente com capacidade para encontrar pontos de união na diferença. Até lá, o que é inevitável é a realidade, e combater o que esteve na origem de um monumental falhanço governativo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Pela garantia da paz social

Pela garantia da paz social | iOnline

No momento em que Pedro Passos Coelho revelou a austeridade brutal para 2012 é fundamental recordar a origem da crise global: a irresponsabilidade de banqueiros e a incompetência de supervisores e órgãos de regulação que contaram com a cumplicidade do poder político, pondo a nu a criminosa desregulamentação dos mercados. Posteriormente, e para fazer face à borrasca, os governos socorreram a banca com todo o tipo de garantias, à custa dos contribuintes, para de seguida os deixar afogar em dívida pública de estados exauridos, criando um novo problema de liquidez e de crédito à economia.

 Concentrar os holofotes na resposta à tempestade para desviar as atenções da origem da crise não serve o país, tanto mais que foram ambas que nos conduziram a este desgraçado estado de dependência externa, depois de a banca portuguesa andar a alimentar a governação aventureira de José Sócrates na mira do lucro fácil. Quem não se lembra das declarações de Ricardo Salgado, a propósito das grandes obras públicas, antes das legislativas de 2009, atestando a folga e a credibilidade de Portugal?

 A irresponsabilidade política e a ganância financeira estão à vista, acompanhadas da implacável factura. Os portugueses já começaram a pagá-la. Agora só falta implementar o aumento da real tributação dos lucros da banca, bem como mostrar disponibilidade para avançar com uma nova taxa sobre as transacções financeiras, para completar o leque dos convocados para pagar a crise.
Actualmente, os esforços nacionais são exigíveis, como revela a extrema exigência do Orçamento de Estado para 2012. Todavia, não chegam; continua a ser necessária uma solução concertada na União Europeia. Os accionistas dos bancos têm de assumir as suas responsabilidades, como exigiu Durão Barroso. E tem faltado a Pedro Passos Coelho uma palavra clara de apoio ao presidente da Comissão Europeia, porventura a melhor forma de passar uma mensagem cristalina à banca: enquanto não contribuir para pagar a crise, não haverá a paz social essencial para a recuperação da economia.

Ninguém pode ficar de fora na hora de vender os anéis para salvar os dedos. Se houver agravamento, também terá excepcionalmente de se taxar as grandes fortunas e os rendimentos de capital. Aliás, o anúncio do aumento da taxa liberatória, de 21,5% para 30%, em relação às transferências financeiras para contas em paraísos fiscais, e o aumento de 5% na tributação dos lucros superiores a 10 milhões de euros são um sinal de que o governo é sensível a mais equidade.

Os banqueiros têm de reagir de uma forma pró-activa, encontrando soluções internas ou externas para enfrentar a crise da dívida soberana e do euro. E, como sublinhou Fernando Ülrich, presidente do BPI, as fusões fazem parte das opções a curto prazo, não sendo de excluir que alguns banqueiros já estejam em conversações há bastante tempo para encontrar uma plataforma de entendimento. Só assim podem garantir a solidez, assegurar o crédito à economia e reconquistar a credibilidade perdida nos últimos anos. E sem a confiança dos depositantes e o crescimento económico nem há negócio para a banca, nem lucros, por muitas isenções, linhas de crédito, garantias e avales estatais que haja.
Depois de décadas de descarada capitulação do poder político em relação ao poder financeiro, chegou a hora de mudar, de também exigir aos bancos um esforço adicional para acorrer à situação de emergência social. Os portugueses só aceitarão os sacrifícios se eles forem redistribuídos por todos, sem excepção.

domingo, 9 de outubro de 2011

A revolução que tarda





A tradicional maledicência, a leviandade intrínseca e a discussão da bola já não são o que eram. A angustiante discussão sobre a crise económica, as finanças públicas e o futuro do euro está a minar a confiança que ainda resta.

Os sentimentos de esperança, indiferença, resignação e revolta continuam a ser dominantes, mas o que impressiona é a suspeição larvar em relação às instituições e a cada um dos seus líderes. Ninguém escapa a este processo de transição, cuja metamorfose está a atacar novos e velhos, ricos e pobres, empregados e desempregados, pelo que urge uma resposta pela positiva, com mais acções do que palavras inconsequentes.

De facto, acabaram os tempos de ilusões. Há uma nova crise dentro da velha. A tendência colectiva para deixar ao tempo a tarefa de fazer o que agora compete a cada um pode custar ainda mais que qualquer desvio orçamental.

Enquanto o poder estiver entrincheirado nos gabinetes com ar condicionado e nos carros com vidros fumados, embalado em discursos de circunstância e jogadas de bastidores, os portugueses reforçarão a convicção de que tudo é, e será, sempre mais do mesmo.

O fosso abissal que está a ser cavado entre governantes e governados não pode ser varrido para debaixo do tapete, designadamente após mais uma manifestação de polícias, cujo zénite coincidiu com palavras de ordem destinadas a enxovalhar o poder executivo.

Mais desastroso ainda seria agravar esta clivagem com o ímpeto de uma reforma do poder regional e local sem demonstrar igual critério e rigor em relação ao Estado central.

Não é aceitável correr o risco de dar argumentos a quem estica o dedo em direcção ao poder de Lisboa. A solução não passa por confundir este ou aquele dirigente regional e local com o poder regional e local. Aliás, a título de exemplo, a confirmarem-se os únicos cortes anunciados para a RTP até agora, que afectam sobretudo os centros regionais, aqueles que mais precisam de ser protegidos em nome do serviço público, é caso para dizer que a austeridade que ainda está para chegar pode dar origem a mau tempo no canal e no país.

O caminho tem de ser outro: premiar, social e fiscalmente, o trabalho, o esforço e o mérito, no norte, no sul, no centro ou nas regiões autónomas. Esta é a revolução que tarda e continua a ser adiada, mas que pode devolver ao país a alegria e a energia, abrindo caminho ao emprego e ao crescimento.

Chega de conversa depressiva sobre o mundo, a União Europeia, a Grécia. É preciso ter a coragem política de encontrar novas soluções que permitam restabelecer a auto-estima e a confiança entre governantes e governados. O tempo da República para sair da crise pela porta grande começa a escassear.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O novo PGR


 Como prova a prisão de Isaltino Morais ao fim de oito anos de processo, a realidade exige um salto qualitativo na justiça. Não basta produzir legislação para português ver e atirar com mais dinheiro para o sector. Desde logo, é basilar começar por escolher um novo líder do Ministério Público (MP) com credibilidade e provas dadas, em particular na investigação e combate contra a corrupção, o cancro que está a matar o país.

 Para ter uma noção do custo exorbitante do adiamento deste combate, basta atentar na explicação incontornável de Maria José Morgado: “A criminalização do enriquecimento ilícito já deveria ter sido criada, pelo menos, há dez anos. Agora estamos a pagar a factura elevadíssima e dramática do regabofe acerca dos dinheiros públicos e do aproveitamento indevido do dinheiro dos contribuintes.”
Chegou a hora de a nova maioria criar reais condições para cumprir as recomendações da Convenção da ONU contra a Corrupção, de 1996, de separar a justiça dos universos da política e da segurança e de demonstrar que não tem medo, sim, não tem medo de nomear quem sempre se distinguiu pelo trabalho no MP, e não por qualquer ligação partidária, política ou outra.

 Existe uma maioria que está ansiosa por um melhor e mais célere funcionamento do sistema judicial, capaz de dar garantias a cidadãos, a empresários e a investidores. O isolamento do PS, que ficou de fora na aprovação do crime de enriquecimento ilícito, pode ter sido incompreensível, mas não foi uma surpresa à luz do que se passou nos últimos anos. Novidade, essa sim, foi a repentina necessidade de António José Seguro prestar uma última vassalagem a Fernando Pinto Monteiro no momento em que o actual PGR continua paralisado à espera do anúncio do seu sucessor.
O voto não pode servir como um escudo de inimputabilidade, pelo que os eleitos e demais servidores do Estado têm de dar o exemplo na explicação de quaisquer dúvidas sobre enriquecimento injustificado. E não faltam exemplos de ostentação descarada. Como é possível a um governante, a um político ou até a um alto funcionário manterem um estilo de vida milionário quando passaram uma parte da vida a trabalhar para o Estado?

 A impotência em relação aos offshores e o papão da inversão do ónus da prova são argumentos estafados que já não bloqueiam este combate, que nada tem de moralista, pois o que está em causa é tão-só prevenir e punir o assalto ao bolso dos contribuintes.

 Após mais de 100 dias de governação muito foi feito, mas ainda falta fazer muito mais, em particular na área da justiça. Os esforços de Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça, não podem ser exauridos com mais uma guerra no sector, agora com os advogados.

 A esperada reforma também pode começar a ser feita pela positiva, pelo reforço da credibilidade do MP através da escolha de uma liderança que não deixe margem para quaisquer dúvidas.
A nomeação do novo PGR vai ser o momento para aferir se o governo está do lado das “mãos limpas” ou se vai ficar associado às “mãos sujas” que nos conduziram à percepção de desconfiança em relação à justiça.

 Os portugueses já sinalizaram em quem mais confiam, agora resta esperar que o governo dê um passo decisivo na mudança tranquila.