terça-feira, 31 de julho de 2018

Robles e a consequência trágica


Há qualquer coisa de esquizofrénico no ar.

Nos últimos dias, o país andou aos trambolhões entretido com um "crime" que não aconteceu.

É o caso de Ricardo Robles.

De facto, o prédio de Alfama não foi vendido, portanto não houve especulação nem qualquer mais-valia.

Será que é aceitável que os que acusam o Bloco de Esquerda de alegada superioridade moral se comportem da mesma maneira em relação ao vereador da Câmara Municipal de Lisboa?

Aparentemente, a resposta é sim.

Mais interessante ainda é a forma como o caso Robles foi tratado nos media, mais uma prova que a actual crise na imprensa não é justificável na totalidade pelas questões económicas e financeiras.

Ela é muito mais endémica e profunda, reflectindo a aceitação de um paradigma editorial de dependência, voluntária ou implícita, dos jogos de curto prazo e de bastidores, inviabilizando a realização de uma investigação competente e credível.

É possível falar de especulação, no sentido pejorativo, logo moralista, num horizonte de quase cinco anos entre a compra e a colocação de um prédio no mercado?

Mesmo que continue por responder o que interessa substantivamente no caso Robles – Houve cambão na compra do prédio à Segurança Social por 347 mil euros? Existiu favor nos empréstimos concedidos pelo Montepio e CGD para a aquisição e obras de requalificação de mais de meio milhão de euros? O processo de autorização da parte da CML para a construção de mais um piso foi ilegal? – a consequência trágica será, como tem sempre acontecido, a mesma de sempre.

Ou melhor, depois da renúncia do vereador, e sem a investigação de quaisquer favorecimentos e ilegalidades, o mais provável é que reinará a mais olímpica indiferença se, no futuro próximo, Ricardo Robles vier integrar uma bancada de deputados, a presidir a um Conselho de Administração de uma qualquer empresa pública, a assumir uma pasta num qualquer Executivo ou a ocupar uma das cadeiras da vasta lista de comentadores do regime numa estação privada ou pública.

E é esta a ética na República em que vivemos...

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Marcelo e Costa: uma dupla (im)parável?


Entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa há um universo que os separa, embora tenham em comum a vontade férrea de modernizar o país e até de o civilizar um pouco mais, se possível mantendo o poder de que tanto gostam e procuraram.

Se Marcelo é brilhante, saudavelmente informal e quase sempre tristemente inconsequente, Costa é a cigarra calculista de várias cores que gosta de levar a água ao seu moinho.

O fundamental para o cidadão comum não passa pelo ruído das avaliações infantis da magistratura do presidente da República e do trabalho do primeiro-ministro, aliás mais concentradas na forma do que na substância e que mais parecem recados encomendados.

O que realmente importa aos portugueses é saber se esta dupla, resultante de circunstâncias esdrúxulas, tem a determinação e a consistência para levar o país para a frente e para concluir uma legislatura de máxima importância para o futuro dos portugueses.

E, para já, a coisa está a funcionar, com mais ou menos optimismo e cacetada verbal ou golpe baixo entre ambos.

A negociação do próximo Orçamento de Estado é um dos momentos críticos em que a dupla vai ser colocada verdadeiramente à prova.

Experientes como são na vida partidária e nos bastidores do poder é de esperar que sim, porque nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa querem uma crise política ou uma guerra institucional entre São Bento e Belém.

A lição é simples: A antinomia entre o presidente da República e o primeiro-ministro é um dos maiores garantes do sucesso.

Só resta saber se ambos serão capazes de resistir aos seus impulsos típicos dos lacraus, ou seja, será que a maioria da opinião publicada está mesmo enganada?