sábado, 28 de julho de 2012

Que se lixe Passos Coelho



      Depois dos cortes e sacrifícios brutais, lá temos de voltar a erguer as duas mãos aos céus e esperar por um milagre na próxima avaliação da troika em Setembro.

      Face a este cenário factual – com a agravante da crise espanhola legada pelo socialista Zapatero –, a arrogância e a teimosia do primeiro-ministro, que mais não são do que uma enorme insegurança, só prejudicam a mobilização colectiva para ultrapassar a crise. Não, ainda não é igual a Sócrates, e esse ainda continua a ser o seu maior trunfo para sobreviver politicamente.

            No meio desta loucura só faltava mesmo um q.b. de ego e vertigem. É cada vez mais evidente que Paulo Portas aproveitou o pior momento do primeiro-ministro para o desafiar com uma singela carta aos militantes do CDS-PP, em que baliza publicamente o futuro da governação.

      As variantes de hosanas aos sacrifícios, de alertas para novas dificuldades e de apelos ao consenso têm um prazo de validade curto. Está na hora de acertar o passo. O governo não pode insistir nas cedências selectivas e na distribuição injusta dos sacrifícios, que chegaram ao cúmulo de:
a) Tratar mais severamente os pensionistas que vivem na miséria do que os mais ricos;
b) Salvar a banca ao mesmo tempo que asfixia as empresas, sobretudo as PME's;
c) Pactuar com os oligopólios e as rendas excessivas;
d) Manter os privilégios das fundações;
e) Eternizar excepções escandalosas;
f) Prosseguir a ilusão de um país sustentado pelas exportações, sem olhar para o mercado interno;
g) Correr o risco de matar o turismo.

      Também está na hora de afastar a tralha, a instalada e a que está na sombra. Aliás, como tudo estaria a ser diferente se tivesse sido evitado o penoso arrastamento dos casos das secretas e de Relvas, entre outras negociatas e nomeações vergonhosas, que perduram na memória.

      Dar cobertura aos abusos, que continuam a inquinar o país, é uma infantilidade política e contribui para desbaratar uma parte do que já foi feito, como por exemplo o equilíbrio da balança comercial, no preciso momento em que o governo precisa de surgir sem mácula aos olhos dos portugueses.

      De facto, quem governa assim, com mais ou menos barriga a empurrar as principais reformas estruturais para as calendas, arrisca a ser tratado na praça pública como irresponsável ou corrupto.

      Já todos percebemos que pactuar com a opacidade, o clientelismo e os jogos de poder apenas serve para comprometer ainda mais o futuro.

      Com o inquilino de Belém fraco e isolado, o país está no limiar das grandes opções pelo que não pode adiar o escrutínio constante da governação. E tem de estar preparado para todos os cenários, incluindo eleições antecipadas, de forma a garantir um futuro melhor, com um governo credível e limpo, liderado por um primeiro-ministro competente, sério e que não vacila ao primeiro conflito de interesses.

      Com o país em estado de pré-colapso, Passos Coelho tem de afinar a receita, sob pena de cair num beco sem saída.

      Já todos sabemos que os políticos também são humanos e que governar nestas condições é extremamente difícil. Mas poupem-nos a mais confusões entre o interesse público e as lealdades espúrias, enfim, a mais lenha para a fogueira, a começar pelos discursos de improviso do chefe do governo.

      Os cerca de 1,2 milhões de desempregados não merecem mais tiques messiânicos e mais metáforas indigentes.
                 
      As nuvens no horizonte estão longe de se dissipar. O  annus horribilis começa em 2013. E se não houver mudanças na governação, então que se lixe Passos Coelho. 

sábado, 21 de julho de 2012

Igreja: a voz que tem faltado


     O topo da hierarquia da igreja católica tem mantido um silêncio cúmplice em relação à degradação da qualidade da democracia portuguesa, optando por manter as boas relações com os governos instituídos em detrimento de uma palavra firme pela defesa da verdade.

     Esta constatação resulta da percepção de que até as elites da igreja estão mais rendidas aos interesses materiais e terrenos que giram à sua volta do que cumprir os seus mais elementares deveres numa sociedade moderna.

     Sem prejuízo da assistência social, tem faltado a voz da igreja, fora do púlpito, num momento em que aumentou o fosso entre os ricos e os pobres e regressou o espectro da fome ao país.

     Desde 2007 têm sido acentuados os sinais de injustiça social, com os pobres ainda mais pobres e os ricos ainda mais ricos, sublinhando o vazio da falta do alerta em tempo oportuno e da palavra ponderada de orientação da parte dos mais altos dignatários da igreja.

     Neste cenário pautado pelo mutismo em relação às iniquidades e impunidades ao nível dos mais poderosos, algumas excepções têm servido para confirmar a regra pautada pela tradição salazarenta das relações da igreja com o Estado.

     As vozes isoladas e sempre inconformadas de D. Manuel Martins, bispo resignatário, de D. Manuel Clemente, bispo do Porto, e de D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, têm sido um oásis refrescante no meio do deserto do discurso oficial da igreja.

     O bom senso está do lado de quem alerta e denuncia os perigos da corrupção e os riscos da eminente explosão social.

     As intervenções públicas destes três sucessores dos apóstolos têm tornado ainda mais nítido o inexplicável conformismo, quiçá tacticismo, dos seus pares. Aliás, se alguma dúvida houvesse, basta recordar a reacção oficial da igreja às declarações do bispo sem papas na língua, que acusou o governo de Passos Coelho de ser «profundamente corrupto».

     Em menos de 24 horas, o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, veio a terreiro tentar sossegar o governo, garantindo que aquelas afirmações foram proferidas a «nível individual».

     Por sua vez, a reação crispada de Aguiar Branco, um ministro de segunda linha, diz tudo sobre a intranquilidade que tomou conta do primeiro-ministro. O mais caricato é que nem sequer foi capaz de ser consequente, ou seja, apresentar uma queixa-crime contra o bispo, não vá o Ministério Público ser tentado a investigar com determinação e firmeza.

     O mérito da intervenção de D. Januário Torgal Ferreira é inquestionável. Neste pântano de silêncios, omissões e cumplicidades, a demarcação de uma fronteira clara entre quem está e quem não está do lado do combate contra a corrupção é o mínimo esperado da parte das elites da igreja.

     A posição oficial da igreja, neste como noutros casos, comprova que não é por acaso, seguramente, que a instituição vive uma crise grave de vocações religiosas. Porventura, a hierarquia da igreja ainda não percebeu que muitos católicos têm olhado em vão para os seus mais altos dignatários, sobretudo para o Cardeal D. José Policarpo, nestes momentos de aflição.

     A mensagem da igreja não pode estar reduzida a Fátima e aos seus negócios multimilionários. Tem de ser mais, tem de ser o exemplo de coragem, o alimento do inconformismo e a atitude contra os vendilhões do templo.

     A caridade cristã nunca foi politicamente alinhada e cobarde. Muito pelo contrário. Esteve sempre na primeira linha da defesa dos mais fracos e dos oprimidos.

sábado, 14 de julho de 2012

Passos para o desastre



      O primeiro-ministro deixou cair a máscara cândida e bem-intencionada ao assumir um discurso crispado e arrogante no debate do Estado da Nação.

      Todos sabemos que a governação é difícil, o que justifica alguma indulgência, mas em qualquer democracia consolidada já teria caído o Carmo e a Trindade se um primeiro-ministro tivesse desvalorizado de uma forma tão imprudente a contestação popular.

      Por isso importa perceber o que terá levado Passos Coelho a dar-se ao luxo de ser tão politicamente irresponsável ao ponto de menosprezar a indignação dos cidadãos.

      Afastando a tese aparentemente esdrúxula de quanto maior for a contestação mais facilmente será possível convencer a troika a facilitar algumas metas acordadas, resta apenas outra explicação: Passos Coelho é feito de uma massa e cultura políticas em que, não obstante vários alertas, muitos não acreditaram, mea culpa.  Esta espécie de mal-amanhado remake de Tatcher mais Cavaco, numa versão modernaça, até pode resultar de um lapso, mas a síntese acabou por chegar à superfície.

      O branqueamento da turbo-licenciatura de Miguel Relvas é apenas mais um episódio que traduz a indiferença do primeiro-ministro em relação ao sentimento generalizado da população.

      A agravante é que a passagem do tempo nem sempre apaga uma nódoa, sobretudo quando outras manchas ainda estão frescas, designadamente os últimos casos das secretas e do jornal Público.

      Passos Coelho está convencido que pode governar sem prestar atenção ao juízo que os portugueses fazem da governação.

      O autoconvencimento que vai permanecer à frente do Executivo nos próximos quatro anos, também custe o que custar, explica a incapacidade do chefe do governo para aceitar que o debate do Estado da Nação não começa e nunca acaba numa discussão parlamentar anual. Aliás, este é o mesmo tipo de sobranceria que o leva a ignorar que o escrutínio dos cidadãos e os sinais que emanam da sociedade, na rua ou fora dela, têm redobrado significado.

      A arrogância com os mais desfavorecidos, enquanto finge que não percebe o que se passa ao seu lado e no país, está  a dar resultados desastrosos. Pouco mais de um ano após assumir funções, e numa conjuntura que obriga até os mais críticos à contenção, poucos se atreveriam a imaginar uma censura tão avassaladora quanto generalizada.

      Ninguém tem dúvidas, hoje, que Passos Coelho é um líder dependente de pelo menos um dos seus acólitos. E por isso tem termo antecipado. Seguramente, não foi por acaso que a oposição parlamentar o advertiu para «descer à terra», para «não se iludir com as palmas da maioria» ou até «para ir embora».

      Até Paulo Portas, compreendendo a vulnerabilidade do primeiro-ministro, desferiu a sua última estocada política, marcando claramente a fronteira dos termos da austeridade futura.

      São cada vez menos aqueles que confiam num primeiro-ministro que ameaça constantemente os mais desfavorecidos com cortes e mais cortes, ao mesmo tempo que pactua com as PPP's, as fundações públicas e privadas, as rendas excessivas, as negociatas de Estado, a impunidade, a opacidade e o boyismo militante.

      No momento em que o país precisa de um governo forte e credível, a arrogância e a fraqueza de Passos Coelho até podem continuar a escapar às avaliações trimestrais da troika. Mas se não arrepiar caminho, imediatamente, os portugueses que o elegeram serão os mesmos que a qualquer momento podem usar do legítimo direito à manifestação e ao protesto para o forçar a ir à sua vida, mais cedo ou mais tarde, a bem ou a mal.

sábado, 7 de julho de 2012

Que gente é esta?

      Passos Coelho não pode continuar a massacrar os portugueses ao mesmo tempo que poupa as clientelas e os amigos.

      Os portugueses não mereciam esta desilusão, sobretudo porque muitos acreditaram que uma nova geração de políticos seria capaz de consolidar a mudança, de combater a corrupção, de enfrentar o tráfico de influências, de prescindir das nomeações partidárias, de fomentar uma cultura de rigor e exigência, de dar o exemplo de seriedade e credibilidade e de devolver a esperança num futuro melhor.

      Há limites para a arrogância. Após a última extraordinária decisão do Tribunal Constitucional, a declaração que deixou implícita a ameaça velada de futuros cortes nos subsídios de férias e de Natal para o universo dos trabalhadores, públicos e privados, é uma violação flagrante do contrato estabelecido com os portugueses durante a campanha eleitoral.

      Há limites para a desonestidade política. As reacções dissimuladas não abafam a actuação impune de Miguel Relvas, a guerra surda no seio do governo, as negociatas de Estado, os tachos para os amigos e companheiros de partido, entre outras barafundas, mais ou menos secretas, que estão a manchar a governação a um ritmo vertiginoso.

      Os portugueses não podem aceitar pacificamente mais aumentos de impostos antes do governo fazer o que prometeu e tem de ser feito sem demora:

1. Acabar com o regabofe das fundações públicas e privadas, cuja decisão já começa a tardar;

2. Concluir a renegociação das PPP's, mais uma vez adiada;

3. Combater a promiscuidade ao mais alto nível (por exemplo: no conselho consultivo do Banco de Portugal têm assento personalidades com interesse na banca privada);

4. Batalhar contra o potencial tráfico de influências entre Estado e interesses privados (por exemplo: os mais importantes ex-ministros das Obras Públicas são actualmente altos responsáveis das maiores empresas do sector);

5. Moderar a prática degradante de deputados que de manhã trabalham em empresas privadas e à tarde lideram comissões parlamentares que as fiscalizam (por exemplo: os dois últimos presidentes da Comissão de Defesa - José Mattos Correia e José Luís Arnaut - pertencem ao mesmo escritório de advogados, cujo principal sócio, Rui Pena, foi ministro da Defesa);

6. Combater a corrupção ao mais alto nível e a economia paralela, começando por fiscalizar os 13740 organismos públicos, dos quais só 1724 apresentam contas?

7. Enfrentar o triângulo formado por presidentes de câmara, promotores imobiliários e banqueiros que são responsáveis por uma bolha que está à beira de rebentar;

8. Romper com os oligopólios, com mais ou menos energia e combustível, que obrigam os portugueses a mais e mais sacrifícios;

9. Extinguir entidades que só têm servido para gerar confusão e desresponsabilização nos mais diversos sectores;

10. Reduzir os 9 mil milhões de euros de euros gastos em juros da divida pública.

      Aumentar impostos? Ainda mais? Antes de avançar com medidas essenciais para atacar o "monstro" que tem condenado os portugueses à miséria?

      Afinal, que gente é esta?

      Já não dá para pactuar com as falsas promessas, com as ameaças do custe o que custar, com as fugas pelas traseiras para escapar aos protestos e com os discursos medíocres e vagos.

      O diagnóstico está feito, sobretudo por quem tem opinião livre e dispensa chafurdar na manjedoura do Estado.

      Basta começar por rever o último programa "Negócios da Semana", que passou na SIC Notícias, moderado por José Gomes Ferreira.

      Nunca é tarde para reconhecer os erros e ter vergonha na cara.