sábado, 29 de agosto de 2009

PGR está acima da Lei?


Com mais ou menos humor e bandeira hasteada pela calada da noite, Portugal é uma República que pretende viver num Estado de direito.

Não há dúvidas em relação ao regime democrático, apesar das suas imperfeições, mas há incertezas quanto à força da Lei.

O Ministério Público não tem rei. E o procurador-geral da República não se pode comportar com tal.

Fernando Pinto Monteiro nem é monarca, nem é a Lei. Deve obediência à Lei.

Ao recusar, imperialmente, investigar a denúncia da Ana Jorge, ministra da Saúde, sobre os casos de contágio doloso da gripe A, Fernando Pinto Monteiro cavou ainda mais fundo o descrédito.

Mais de que um precedente grave, em que um responsável máximo se arrogou o direito de se substituir à Lei, é o atestado de um padrão de actuação, tristemente confirmado na delonga do anúncio da abertura de um inquérito no dia do acidente na Praia Maria Luísa ou nos ouvidos moucos às suspeitas públicas de escutas e vigilância aos assessores do Presidente da República.

Tal como no passado, o temor da hierarquia do Ministério Público em assumir inequivocamente o seu dever, em investigar implacavelmente os detentores do poder Executivo e os altos quadros da Administração, designadamente quando estão em funções, continua a ser um dos cancros da justiça.

O caso Freeport é, aliás, um dos mais escandalosos exemplos dessa atitude reverencial.

O rol de atrasos, hesitações, incúrias e trapalhadas só contribuem para arrasar ainda mais a credibilidade da justiça.

Salvo raríssimas excepções, como no inquérito ao caso de Santa Maria, nem a opinião unânime sobre o falhanço do sistema deu origem a uma mudança de atitude do topo da hierarquia do Ministério Público.

Não, o povo não é estúpido, quando alguns políticos a contas com a justiça são legitimados pelo voto popular.

É o sinal da desconfiança em relação à Justiça.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A força do voto

A jornalista São José Almeida assina a manchete do matutino "Público" – «Presidência da República teme estar a ser vigiada».

A notícia caracteriza na perfeição o actual clima institucional, político e social.

Na origem das suspeitas de membros da Casa Civil do Presidente da República estão umas afirmações avulsas de dois destacados militantes socialistas sobre a eventual colaboração de assessores presidenciais na elaboração do programa do PSD.

A denúncia não pode ser desligada da disciplina férrea que tem vigorado em relação a fugas de informação a partir de Belém e até deve de ser entendida no actual quadro de suspeição generalizada.

A crescente tensão entre Belém e São Bento, e o facto do primeiro ministro, José Sócrates, ser o responsável máximo dos serviços de informações, com poder para nomear o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, ainda torna a situação mais grave.

Infelizmente, não existe razão para a notícia ser uma verdadeira surpresa. Nos últimos quatro anos, a imprensa e os opinion makers têm dado conta do mal-estar crescente em relação ao funcionamento das 'secretas', o que lhes tem permitido escrutinar e duvidar da sua legalidade.

Não sei se José Sócrates e se o seu patrão das 'secretas', Júlio Pereira, se vão sentir ofendidos ou se vão avançar com uma queixa-crime. Ou até se vão exigir provas.

O que sei é que existe na Casa Civil de Aníbal Cavaco Silva quem coloca seriamente a possibilidade do Estado estar a vigiar ilegalmente o Estado para obter informações e vantagens políticas.

Muito mais grave do que a situação orçamental, a crise económica e o desemprego é esta permanente suspeita de que o Estado não garante as liberdades individuais, não respeita a cidadania activa e não castiga os abusos de poder.

Há razões de sobra para ponderar redobradamente o que se está a passar em Portugal, e agir em conformidade no momento de votar no dia 27 de Setembro de 2009.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Erros com perdão

Mário Soares, num artigo de opinião, no Diário de Notícias, aponta baterias a Manuela Ferreira Leite, a propósito da polémica sobre as listas de deputados que vai levar a votos.

O raciocínio do ex-presidente da República é irrepreensível, mas peca por duas leviandades: a primeira, e mais óbvia, é a duplicidade de critérios; a segunda, é a de considerar um erro como irreparável.

Mário Soares não deveria apontar o dedo assim tão facilmente. O seu estatuto de Senador da República não nos apagou a memória.

Se há período da Democracia em que se consolidaram algumas das piores práticas ditas 'democráticas', sem qualquer dúvida que temos de regressar aos períodos em que liderou o governo e se instalou vigilante no Palácio de Belém.

De igual forma, e ainda que sem mácula apontada pela Justiça, o que dizer do seu erro chamado Rui Mateus, cujo livro «Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido» está agora à beira de um clique na Internet?

Mário Soares ao escrever deve ter confundido o desejo com a realidade.

É verdade que numa democracia consolidada Manuela Ferreira Leite teria perdido as eleições no momento em que apresentou as listas do PSD. Tal e qual como José Sócrates não teria ganho as de 2005 e, com toda a certeza, não se atreveria a ir a votos em 2009.

Em Portugal, não há erros irreparáveis. Ainda não chegamos a tal apuro democrático e civilizacional de que, aliás, o fundador do PS é um exemplo vivo.

Hoje, o estado a que chegou a Justiça, a Educação e a Saúde, a falta de renovação na política e os casos de corrupção de "colarinho branco" são a melhor prova de que há erros que compensaram, e continuam a compensar.