quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

WikiLeaks: a nova alternativa?



O poder age sempre da mesma forma quando é confrontado com o escrutínio das suas decisões.

Seja de direita ou de esquerda, o poder não perdoa a quem descobre a política de mentira, os negócios da corrupção e os crimes praticados em nome do Estado.

Julian Assange é a prova viva que existe uma nova espécie de nomenclatura escudada numa legalidade de geometria variável para poder estar a cima da Lei.

E que não haja confusão: esperemos que a perseguição política global movida contra o fundador da WikiLeaks, que já deu origem a apelos públicos à sua eliminação física, não esteja na origem de outras alegações que levaram à sua detenção no Reino Unido.

O australiano pode ter passado a persona non grata, mas a divulgação de informação relevante, que colocou a nu a decomposição do Estado, já lhe conferiu um lugar na História.

A divulgação de documentos secretos justifica o debate, mas não invalida o escrutínio da governação criminosa marcada pela opacidade.

O vector da civilização está inquestionavelmente do lado da WikiLeaks, com ou sem Assange, e não é passível de confusão com qualquer interesse alinhado ou preceito moralista.

Após o falhanço do colectivismo e do neoliberalismo, é preciso regressar ao princípio da defesa dos direitos do indivíduo, aos fundamentos originais do liberalismo, de forma a combater um Estado tentacular, corrupto e paternalista.

Não é novidade que as sociedades modernas estão cada vez mais reféns de quem lhes garante o consumismo galopante, mesmo que seja à custa da verdade e da dignidade pessoal e profissional.

Também não é novidade que o esbatimento das fronteiras ideológicas mais não reflecte que a consolidação de um cimento universal: o dinheiro.

O que verdadeiramente começa a ser impressionante é a confirmação da diluição dos «freios e contra pesos», o fim da divisão dos poderes e a impotência das instituições de controlo para denunciar e limitar o arbítrio do poder e do Estado.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Até onde chega a mentira?




A revelação de um único telegrama oficial da embaixada dos Estados Unidos da América, em Lisboa, bastou para reconfirmar a política de mentira do governo português sobre os "voos da vergonha".

Esta prática já não espanta ninguém, nem desculpabiliza a inércia de uma parte da comunicação social portuguesa, sem alma, cada vez mais cercada pelos interesses políticos, económicos e paroquiais.

Aliás, não é por acaso que a comunicação social portuguesa nem cheirou a documentação secreta, a exemplo do que aconteceu com a revista "Der Spiegel" e os jornais "El País", Le Monde, "New York Times" e "The Guardian".

Apesar da perseguição a Julian Assange e do bloqueio à WikiLeaks, a procissão ainda vai no adro.

Falta descobrir muita coisa sobre a verdadeira face das democracias ocidentais. E mais. Ainda falta revelar qual foi o nível de envolvimento, desde 2002, dos presidentes da República, Governos e responsáveis da Administração e das Autonomias, bem como dos serviços de informações da República e demais instituições militares e de segurança portuguesas na maior operação negra dos serviços secretos norte-americanos.

Em fase de pré-campanha para a próxima eleição presidencial, é preciso saber se Aníbal Cavaco Silva pediu informação e/ou foi informado da autorização para a passagem por território português de prisioneiros torturados e encarcerados.

Por muito que custe aos pretensos e candidatos a estadistas (os políticos e os outros), não é possível tolerar governantes que afirmam uma coisa em público e decidem outra nos corredores do poder.

A crise portuguesa é muito mais do que financeira e económica. É também uma crise de responsabilidade, de transparência e de regular funcionamento das instituições.

Basta atentar no manto de silêncio que alguns, internamente, julgaram suficiente para abafar a ignomínia, bem como na desgraçada actuação do Ministério Público, que arquivou o inquérito, aberto em 2007, sem investigar até às últimas consequências a cumplicidade do Estado português no transporte de sequestrados que estiveram presos ilegalmente em Guantánamo.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

E depois da greve geral



Um dia depois da maior greve geral de sempre, as ruas regressaram à normalidade, a fervilhar de actividade e vida.

Hoje, o retorno ao bulício não aborrece tanto, faz-nos pensar, sobretudo como tem sido incomodativo o estrépito provocado pelo silêncio dos que continuam a calar-se, daqueles que já morreram muitas vezes antes de morrer.

A dimensão do protesto teve a bondade de mostrar que há um país real que não está vencido, que assume a indignação acumulada.

Os poderosos, com mais ou menos colarinho branco, que têm condenado o futuro do país, tiveram a prova de que algo está a mudar em Portugal, ao ponto de dar origem a uma unidade sindical que muitos julgavam impensável nos tempos que correm.

Afinal, o país não está rendido à liderança dos iluminados do momento, dos carreiristas de sempre e dos serviçais partidários comprados com mais ou menos mordomias.

No regresso ao dia-a-dia do trabalho, o renovado sorriso estampado nas caras dos portugueses prova o sucesso do envio de uma mensagem cristalina aos pretensos estadistas vergados ao interesse nacional: existe um país real apostado na mudança.

Como refere José Medeiros Ferreira, no Cortex Frontal, «o que mais me impressionou neste dia de greve geral foi a tranquilidade com que tudo se passou, inclusive a forte adesão. Há muita gente que não quer perceber o que isso significa em termos de maturidade política do país».

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Armando Vara: caso isolado ou ponta do iceberg?



A revelação da transcrição de escutas, realizadas no âmbito de processuais judiciais, deve ser feita com a maior parcimónia.

Porém, a questão de princípio não impede o uso da informação como background.

Cabe a qualquer cidadão, ou jornalista, fazer a avaliação do que é a excepção em cada momento.

Esta reflexão surge na sequência da divulgação de escutas envolvendo Armando Vara, entre outros arguidos do processo "Face Oculta", cuja leitura não surpreende.

Muito mais importante do que transcrever uma ou outra escuta é ter uma visão global do que Vara representa, aparentemente, no funcionamento do regime.

Só assim é possível chegar ao pântano em que está transformado o fim do consulado de José Sócrates.

De recordar que, no dia a seguir às eleições de Fevereiro de 2005, qualquer um apostaria que Armando Vara viria a ser um dos membros mais influentes do XVII governo constitucional.

Enganaram-se os que então julgaram que o ex-ministro de António Guterres, envolvido no escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança, que levou à sua demissão, voltaria às lides governamentais.

O caminho destinado a Armando Vara, como de tantos outros, foi diferente. De um momento para o outro, passou a administrador da Caixa Geral de Depósitos e depois a administrador do "novo" BCP.

Afinal, o verdadeiro poder não está exclusivamente confinado à governação, como demonstra, aliás, o acesso inexplicável que Vara teve a cartas confidenciais que deram entrada no gabinete do primeiro-ministro, entre outros documentos.

Desde então, e sempre com estrondo, o socialista tem sido notícia pelo seu envolvimento em casos, cujo denominador comum político é o primeiro-ministro.

No caso "Face Oculta", e apesar de todas as tentativas de branqueamento, oficiais ou oficiosas, Armando Vara surgiu em toda a sua refulgência, mais sucata menos sucata, representando o papel de uma espécie de pivot do regime.

Não basta transcrever escutas.

Mais importante do que transcrever as escutas que envolvem Armando Vara é ter a capacidade de as descodificar, revelando o que está na origem do descalabro do país, quiçá responder a uma pergunta de inegável interesse público: Armando Vara é um caso isolado ou representa apenas a ponta do iceberg?