Os sucessivos sinais de fragilidade política de Pedro Passos Coelho e os termos
da carta de demissão de Vítor Gaspar indiciam que o país poderá mudar de rumo, passando a trilhar
um caminho mais simpático em termos de opinião pública e até com potencial para poder
fazer renascer os estafados pactos de regime entre PSD, PS e CDS/PP tão ao
gosto presidente da República.
A confirmar-se este cenário, importa relançar, desde já, o debate sobre a
principal questão de fundo: Quem tem ganho com a estratégia de mais
investimento público e de mais apoios estatais ao sector privado?
Políticos, patrões e sindicalistas, numa estranha aliança, têm multiplicado
os pedidos de mais dinheiro do Estado para a economia e mais afago ao sector
privado, sem nunca terem manifestado a mínima preocupação em fazer o balanço da
produtividade de décadas de investimentos públicos politicamente criminosos e de
sucessivas linhas de crédito bonificado para os mesmos destinatários de sempre.
O mais extraordinário é que este tipo de reivindicação, ora de fato e
gravata, ora de mangas arregaçadas, é apresentada como se os recursos do Estado
proviessem de uma fonte inesgotável, sempre com base num raciocínio simplista: se
não há dinheiro, então pede-se emprestado ao exterior.
Nas últimas décadas, a cartilha do investimento público e a estratégia de
incentivos e subsídios às empresas tiveram um resultado conhecido: em termos
médios, Portugal registou indicadores miseráveis, não obstante o país ter
beneficiado de muitas dezenas de milhar de milhões de euros de fundos
comunitários.
Sejamos claros: o pedido de assistência externa não foi mais nem menos do que
a consequência de anos e anos de dinheiro atirado para cima da economia, sem
uma estratégia a médio e longo prazo, beneficiando uma superestrutura unida
pela cor do dinheiro, servindo objectivos políticos e partidários e fomentando
o mais iníquo dos impostos: a corrupção.
O mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
(OCDE) não deixa quaisquer dúvidas em relação à
falta de vontade política para aplicar a legislação sobre a corrupção
transnacional e as sucessivas recomendações para travar um fenómeno que
continua a condenar os portugueses à miséria. E vai mais longe, identificando que
Portugal tem ligações importantes com países considerados de alto risco em
termos de corrupção, como Angola, uma conclusão que estilhaça o actual muro de
silêncio interno sobre os investimentos angolanos, sobre os quais têm feito
falta opiniões firmes e credíveis e até um jornalismo mais independente.
A remodelação do ministro das Finanças não é o fim do mundo. O que pode ser
preocupante é o facto de ter caído o único governante a quem era reconhecida,
interna e externamente, a competência, a seriedade e a independência para mudar
o status quo que tem hipotecado o
futuro de Portugal.
Dois anos após a tomada de posse do XIX governo constitucional, o país caiu,
novamente, na incerteza, embora as opções que estão em cima da mesa continuem a
ser as mesmas de 2011: ou relançamos a actividade económica, com base numa
regulação competente e credível, numa concorrência efectiva e transparente, num
sistema fiscal justo e competitivo e numa justiça moderna e eficiente, ou
voltamos ao passado, com mais propaganda e circo, consolidando a enorme
nebulosa que continua a envolver as relações entre o Estado e os privados, em
suma, abrindo caminho a um novo desastre.
Não há ninguém insubstituível em Democracia. Resta saber se a substituição de
Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque não é a abertura da caixa de Pandora.
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