Com a chegada de Sócrates e Passos Coelho renasceu a esperança de que uma geração mais nova no poder cumprisse o Portugal prometido. Ora, hoje, o país já interiorizou o legado politicamente criminoso da última liderança socialista. E começa a duvidar que Passo Coelho tenha capacidade, força e vontade para vergar a influência acumulada dos culpados pelos erros dos últimos 25 anos. Como se esta realidade não bastasse, os portugueses estão ainda a ser bombardeados com debates protagonizados por alguns dos maiores responsáveis pelo estado a que o país chegou.
Vejamos alguns casos paradigmáticos: os críticos dos cortes nos direitos adquiridos calaram-se no passado para agora esbracejarem os princípios; os ex-governantes passeiam tachos multimilionários ao mesmo tempo que multiplicam dicas sobre como sair da crise que cavaram; aqueles que negaram o descontrolo dos serviços de informações culpam agora a maçonaria, omitindo o comprometimento dos governantes que nomearam as suas chefias; enquanto se cavalga a onda de acusações sobre determinadas lojas maçónicas, as ligações do lóbi de Macau à maçonaria, liberal e regular, escapam ao debate da actualidade; à manifestação de indignação com a entrada do capital angolano e líbio em Portugal sucedeu um pesado silêncio em relação à entrada do Estado chinês na EDP; por último, e a propósito da vozearia sobre a escolha de personalidades para a eléctrica portuguesa, em vez de se apontar ao cerne da questão, ou seja, saber quais as vantagens que os privados esperam obter depois de nomear gestores só da cor do governo, a polémica resvalou para a retórica parlamentar, ainda por cima liderada por socialistas que deveriam corar de vergonha de cada vez que abrem a boca sobre o nepotismo partidário.
Com mais ou menos manipulação, quanto mais se fala nos velhos tiques da República maior é a percepção da existência de uma democracia formal vulnerável a interesses particulares e a poderes não eleitos. Aliás, o pragmatismo tantas vezes invocado começa a ser olhado mais como um pretexto para salvar clientelas à custa dos dinheiros públicos do que para ajustar o país aos novos desafios.
Os debates que estão a dominar a agenda mediática podem estar inquinados, misturando conceitos e não servindo para um aprofundamento das responsabilidades, mas pelo menos estão a permitir ver com mais nitidez o reflexo do regime ao espelho. E, neste momento, a imagem revela desnorte em relação aos assuntos de Estado, novas trapalhadas nas contas públicas e renovadas suspeições sobre os negócios de Estado que têm como base um Ministério Público de rastos. E o que parece, não obstante a intervenção tardia do primeiro-ministro, é suficiente para minar a credibilidade do governo até junto daqueles que ainda continuam a acreditar que PSD/CDS-PP têm um encontro marcado com a mudança em Portugal.
De um momento para o outro, e após um início credível, novos erros e hesitações governamentais incompreensíveis justificam o regresso daquela estranha sensação de que o país não tem solução no actual quadro partidário e institucional.