Alguns comentadores, entre os quais destaco António Barreto, consideram que o futuro do país depende de uma simples alteração legislativa para facilitar a formação de maiorias políticas.
É extraordinário que alguém tão credível e atento defenda esta tese depois da experiência das duas últimas maiorias absolutas ― Aníbal Cavaco Silva e José Sócrates.
O cerne da questão é outro, como é facilmente sustentável pela actualidade.
Atestada a cumplicidade das autoridades portuguesas na transferência de sequestrados, através do território nacional, tudo continua na mesma, sem um único sobressalto institucional, político e cívico, nem mesmo de António Barreto.
Aníbal Cavaco Silva, em plena campanha para as eleições presidenciais ironiza e faz-de-conta que não é nada com ele, contando com a «comunicação social suave».
Os restantes candidatos, entre os quais Manuel Alegre, remetem-se a um silêncio vergonhoso sobre a polémica. Aliás, o candidato do PS e do BE optou por invectivar o passado longínquo do principal rival em vez de exigir explicações sobre os últimos cinco anos.
O Ministério Público, que foi obrigado a abrir um inquérito, em 2007, encerrando-o de uma forma desgraçada, em 2009, limitou-se a comunicar que está a analisar as revelações, quiçá garantindo a continuação do sossego de quem permitiu, colaborou e favoreceu a ignomínia, promovendo até a mentira na Assembleia da República e na praça pública.
Será possível continuar a sustentar a impunidade por muito mais tempo? Uma nova maioria absoluta resolveria a questão de fundo?
A resposta é simples: Não.
Em Portugal, tudo continua a ser possível quando o Estado está na berlinda.
Mais do que a criminosa violação dos direitos humanos e a gritante opacidade da governação, a passagem pelos aeroportos portugueses (incluindo a Base das Lages) de prisioneiros, que foram sequestrados e torturados por vários serviços de informações e afins, revela mais a apatia da elite do que um qualquer estrangulamento institucional.
Não é por acaso que a actualidade continua a estar marcada pelo falhanço das instituições de controlo e regulação: "voos da tortura" e "BPN", entre muitos outros.
O futuro de Portugal depende cada vez mais da despartidarização da Administração e, sobretudo, de uma cultura exigente de transparência e responsabilização dos titulares dos órgãos de controlo, regulação e das autoridades judiciárias.
O resto é conversa fiada, defesa do tacho ou ambição dos muito pequeninos.